A articulação entre o
trabalho remunerado
e
o doméstico ainda é ponto de tensão
na vida das mulheres brasileiras
Por Carla
Sabrina Favaro, doutora em Demografia pelo IFCH/Unicamp
O século XX e o começo do XXI testemunharam o
avanço de mudanças profundas na vida das brasileiras. O aumento de sua
escolaridade, a entrada e permanência no mercado de trabalho, a diminuição do
tamanho das famílias e o aumento dos domicílios chefiados por mulheres são
algumas das alterações mais significativas na condição feminina nas últimas
décadas. Diante desse quadro, um dos maiores pontos de tensão na vida dessas
mulheres é a articulação entre o trabalho remunerado (produtivo) e o trabalho
doméstico (reprodutivo).
De maneira geral, o pensamento social brasileiro no
que diz respeito à formação das famílias e à posição das mulheres na sociedade
foi fundamentado em torno, primeiro, da ideia da casa-grande e da senzala.
Havia um grande patriarca e vários dependentes em torno dele, inclusive
escravos, com as mulheres livres totalmente reclusas à vida doméstica e
dependentes de pais, irmãos e maridos, e as escravas fazendo todo o trabalho
reprodutivo.
Em um segundo momento, surge a ênfase em um modelo
nuclear de família, no qual o homem seria o chefe do domicílio, encarregado de
sustentar a família, enquanto a mulher (dona de casa) cuidaria do lar e seus
membros. Entretanto, esse último padrão pode ser entendido mais como um modelo
ideal de comportamento do que propriamente uma regra, já que o número de
exceções, principalmente nas camadas populares, é bastante significativo, com
forte recorrência ao trabalho feminino.
Somente a partir de 1970, com o desenvolvimento dos
estudos a partir da perspectiva feminista, o trabalho doméstico e o remunerado
foram conectados. Esses estudos foram fundamentais para desnaturalizar a ideia
de que o trabalho remunerado deve ser estritamente associado aos homens,
enquanto o doméstico é função feminina.
Foi também nesse período que a renda do trabalho
feminino passou a ser parte fundamental do orçamento doméstico, não só das
classes populares. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad) para o Brasil, a taxa de participação feminina no mercado de
trabalho saltou de 32,9% para 52,7%, entre 1981 e 2009. Essa mudança
considerável aconteceu na esteira do processo de industrialização, com suas
transformações na estrutura produtiva do País, resultando, entre outras, na
urbanização e nas quedas das taxas de fecundidade e consequente diminuição no
tamanho das famílias, por outro.
É, portanto, no interior de um grande processo de
mudança na sociedade brasileira que se deu a inserção das mulheres no mercado
de trabalho. Tal inserção, porém, acontece de maneira bem diferente entre os
sexos. Diferentemente do trabalho masculino – atrelado às forças do mercado e
ao nível de desenvolvimento da sociedade –, o feminino possui uma dinâmica mais
complexa, pois costuma entrelaçar-se à posição que a mulher ocupa em sua
família e à classe social a qual pertence seu grupo doméstico. O trabalho
feminino extrapola o nível individual, principalmente das mulheres casadas ou
vivendo em união consensual, estando associado ao curso de vida familiar.
O patriarcalismo da sociedade brasileira ainda se
faz presente na medida em que grande parte das mulheres exerce sua vida
profissional com uma carga simbólica de culpa considerável, por conta da
distância cotidiana dos seus filhos e das responsabilidades domésticas,
enquanto que, para os homens, esse tipo de dilema nunca foi posto. Durante
muito tempo, o trabalho doméstico foi considerado um “não trabalho”, já que se
referia à esfera reprodutiva da vida social. E é neste contexto que os
conflitos na tentativa de articulação entre o trabalho doméstico e o remunerado
se desenvolvem, enquanto as mulheres avançaram no mercado de trabalho, a
contrapartida masculina na esfera doméstica caminha a passos bem mais lentos.
Patriarcalismo: É um sistema
onde o homem (figura masculina) é o centro; é o soberano; é o responsável pelas
decisões finais como se fosse um pai.
Segundo dados da Pnad de 2009, enquanto as mulheres
casadas ou vivendo em união consensual, provedoras do domicílio ou não,
gastavam em média 30 horas semanais nos afazeres domésticos, esse número caía
para perto de 12 horas, no caso dos homens. Esses dados mostram que ainda há
muito que se fazer para que esta diferença entre homens e mulheres diminua.
Esta é, atualmente, uma das grandes reivindicações femininas. Ainda está muito
presente no imaginário popular a ideia de que o homem pode ser um auxiliar das
mulheres nos afazeres domésticos, quando já se sabe que o mais eficiente seria
a parceria entre o casal e o compartilhamento das tarefas.
É nesse contexto que surgem diversas queixas das
mulheres empregadas que têm de lidar com duplas jornadas de trabalho, como
mostra a pesquisa “Trabalho remunerado e trabalho doméstico: uma tensão
permanente”, da Agência Patrícia Galvão. A pesquisa mostra como as mulheres se
ressentem de falta de tempo para cuidar de si ou para se dedicar a atividades
mais prazerosas. O trabalho remunerado é bastante importante na vida das
mulheres entrevistadas, o grande problema é a sobrecarga quando se tem de fazer
a maior parte da articulação com o trabalho doméstico.
Há outro lado bastante complexo que envolve o
trabalho doméstico no Brasil: o emprego doméstico remunerado. Para entendê-lo,
é preciso levar em consideração três variáveis: gênero, classe social e etnia.
São, em sua maioria, mulheres negras, com baixa escolaridade e pobres.
Nesse sentido, é possível afirmar que o trabalho
doméstico remunerado pode ser uma boa medida para se verificar as desigualdades
que estruturam a sociedade brasileira. Vários estudos já mostraram que essa
atividade possui uma relação estreita com a escravidão. Por isso, durante muito
tempo, o emprego doméstico foi desqualificado, já que não exigiria estudo ou
preparação para o seu desempenho e ficando completamente a cargo das mulheres.
Outro ponto importante nessa equação consiste no
fato de envolver, dentro de um domicílio, dois tipos de relação: a profissional
e a familiar. Geralmente quando se quer mostrar a proximidade entre patrões e
empregadas domésticas, estas últimas são referidas como se fossem “da família”.
O grande problema reside no fato de mascarar a posição hierárquica que as
empregadas ocupam, geralmente inferior, mascarando também as desigualdades
neste tipo de relação e sua recorrência na sociedade brasileira. Por outro
lado, sabe-se que o trabalho doméstico remunerado possui as maiores taxas de
informalidade e rotatividade. A legislação que regulamenta a atividade ainda é
relativamente recente, reunidas principalmente na chamada PEC das Domésticas.
Diante do quadro esboçado até aqui, é possível
perceber que ainda há grandes desafios para as mulheres quanto à articulação
entre o trabalho doméstico e o remunerado. As mulheres avançaram no mercado de
trabalho, universo inicialmente masculino. A partir daí, adquiriram um maior
empoderamento nas suas relações familiares e conjugais. Entretanto, ainda
esbarram na impossibilidade de compartilhar as responsabilidades do trabalho
reprodutivo e do cuidado da família.
Publicado na
Revista Carta Capital, edição 87, de junho de 2014 .
a realidade é que a mulher apesar da desiqualdade e preconceito a qual elas enfrentam na sociedade tem conquistado o seu espaço , principalmente na área da educação , escrevo por experiência propia , em minha classe na faculdade, eramos no principio do curso, 18 mulheres e 7 homens , hoje no termino , somos 6 mulheres e 1 homem. as mulheres estão mais concentradas em crescer intelectualmente e socialmente do que os homens.
ResponderExcluir