A África tem sido palco de alguns dos maiores avanços tecnológicos da história, entre eles a prática
agrícola, criação de gado, mineração e metalurgia (do cobre, do bronze, do
ferro, do aço), o comércio, a escrita, a arquitetura e engenharia na construção de grandes centros urbanos, a sofisticação da organização política, a prática da medicina e o avanço do conhecimento e da reflexão intelectual.
Foi também centro do desenvolvimento de civilizações, uma das mais avançadas da experiência humana. Entretanto, a imagem de seus povos como não construtores do conhecimento ou da tecnologia, complementada pela idéia de suas civilizações como “importadas” ou erigidas por povos estrangeiros, ainda molda o conceito comum da África como um continente sem história. Apenas muito recentemente, há o reconhecimento de uma África histórica repleta de grandes realizações.
Os povos antigos, até mesmo africanos, navegavam os mares à procura da rota para as Índias, milênios antes das caravelas portuguesas e espanholas. Os egípcios construíam navios de grande porte desde o terceiro milênio a.C., e há indícios de que enviavam frotas até à Irlanda à procura de estanho para fazer o bronze. O mundo antigo caracterizava-se por ativo comércio e intercâmbio cultural entre a África, a Europa, Sumer e Elam, a Índia, a China e Ásia oriental, e
provavelmente as Américas.
Os mouros, basicamente povos africanos islamizados, dominaram a península ibérica durante
séculos, ocasionando um verdadeiro iluminismo na Idade Média européia ao protagonizar o avanço dinâmico do conhecimento humano. Na Europa, naquela época, não havia dúvida quanto à identidade africana dos mouros, como testemunham o personagem Otelo, de Shakespeare, bem como retratos pintados e bustos esculpidos à época.
A limitação do olhar histórico aos últimos quinhentos anos reforça a imagem construída, muito
recentemente, dos povos africanos como primitivos ou eternos escravos. Ao deixar de lado 5.500 anos de desenvolvimento africano que antecedem o período da escravidão mercantil, essa perspectiva encoberta um fato incontestável: os africanos viveram apenas uma pequena parte de seu tempo histórico amarrados aos grilhões da escravidão mercantil. Durante milênios, foram agentes ativos do
desenvolvimento da civilização humana em todo o mundo.
Você já havia pensado nisso? O período da escravidão mercantil e da colonização e descolonização da África correspondem a menos de 8% dos seis mil anos da história africana! Ou
seja, os africanos viveram 92% de sua história exercendo sua soberania e
contribuindo para a construção da civilização e do desenvolvimento em todo o
mundo.
No Brasil, é tão forte aidentificação da origem africana com a condição escrava que a palavra “negro” é usada como sinônimo de escravo. Entretanto, a escravidão atingiu vários povos do mundo, até os brancos europeus, e não apenas os africanos. Aliás, o vocábulo “escravo” deriva de eslavo, em decorrência da escravização de europeus de língua eslava, muito comum durante o Império Romano e a Idade Média.
Em termos qualitativos e quantitativos, os sistemas de escravidão no mundo antigo variavam,
porém todos diferiam da escravidão praticada pelos europeus na África nos últimos séculos. Em Atenas, a escravidão por dívida foi substituída pela captura e venda de prisioneiros de guerra oriundos das sociedades ao redor do mar Egeu. Ao apogeu dessa prática, os escravos
formavam um terço da população.
O Império Romano praticava o escravismo em escala maior. Entre os séculos II a.C. e IV d.C., a
captura de escravos passou a ser uma das principais razões para o expansionismo militar romano. Obtinha-se escravos principalmente em guerras contra os povos “bárbaros” da Europa ocidental e oriental: germanos, eslavos, bretões, gregos, celtas e outros. Calcula-se que um terço da população era constituída por escravos.
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