Márcio Ramos
O
regime militar instaurado em 1964 estendeu-se por 21 anos, nos quais a
presidência da republica foi ocupada sucessivamente por generais do exército.
Foi um período de forte repressão social, onde os militares impuseram à força o
seu sistema de governo.
Essa
é a visão que tradicionalmente é apontada como explicação para o que aconteceu no
Brasil após a derrubada de João Goulart. Entretanto, é preciso relativizar essa
expressão “regime militar”. Apesar dos presidentes-ditadores desse período
serem militares, eles governaram apoiados por vários setores da sociedade
civil, que viam nesse tipo de governo a possibilidade de ganhos econômicos e políticos,
ao mesmo tempo em que se perseguia as ideias comunistas, vistas como a própria
encarnação do mal naqueles anos de
Guerra Fria. O golpe foi civil e militar. Ele foi deflagrado por segmentos
importantes da sociedade, como grande parte do empresariado, da imprensa, dos
proprietários rurais, da Igreja Católica e por influentes governadores de
estado.
O
golpe foi uma resposta às tentativas de mudanças sociais do governo de João
Goulart, as chamadas Reformas de Base. As reformas tinham por objetivo “acabar
com o latifúndio(com a reforma agrária) e a presença do capital estrangeiro no
país, conceder o voto aos analfabetos e aos soldados, proteger os assalariados
e mudar radicalmente os padrões de ensino e aprendizagem, além de alterar o
sistema bancário e estimular a chamada cultura nacional[1]”.
Diante
dessas propostas, a classe média, os empresários, a mídia, a Igreja e os militares
se unem para derrubar o governo democrático do Jango. Ocorrem então as famosas
Marchas da Família com Deus pela Liberdade, que mobilizaram dezenas de milhões de
pessoas contra o governo. Representavam o “medo” espalhado na sociedade. O medo
das reformas que poderiam acabar com os privilégios sociais.
Como
foi dito acima, o mundo estava em plena Guerra Fria e os Estados Unidos, que se
julgavam “guardiões da democracia” no mundo, não queria aceitar a ideia de um
governo mais de esquerda, ou seja, com projetos mais sociais, no Brasil.
Achavam que o país estava a caminho do comunismo e por isso apoiaram o golpe.
Havia um plano de contingência, elaborado em dezembro de 1963 pela embaixada
dos EUA no Brasil que previa a ajuda americana. “A ‘operação Brother Sam’
deslocaria navios de guerra e petroleiros para as costas brasileiras, a fim de
apoiar os golpistas em caso de guerra civil”[2].
Os
jornais também apoiaram o golpe. “os comunistas invadiram o Brasil”. Era esta a
impressão de qualquer leitor de jornais no inicio dos anos 1960[3].
Essas manchetes, editoriais e matérias
de vários jornais, como a Folha de São
Paulo , O Globo, Correio da Manhã e o Estado de S. Paulo não tinham por
objetivo a informação à sociedade, mas sim criar uma crise política que viesse desestabilizar
e derrubar o governo de então. Quando o golpe ocorreu em 1º. de abril de 1964
esses jornais continuaram a apoiar a ditadura, a Folha chegou a afirmar que “não houve rebelião contra a lei. Na verdade,
as Forças Armadas destinam-se a proteger a pátria e garantir os poderes
constitucionais, a lei e a ordem”. O Estado
de S. Paulo estampou a manchete: “Democratas dominam toda a Nação”. O Correio Braziliense noticiava em 16 de
abril a posse do primeiro general ditador: “Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que
marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da
República... O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais
alto sentido democrático, tal o apoio que obteve”. . Podemos concluir que os
militares representavam o interesse de vários setores conservadores do Brasil.
Veja
o que Daniel Aarão Reis sobre a cooperação entre civis e militares:
A
ampla frente política e social que apoiou o golpe era bastante heterogênea. Muitos
que dela participaram queriam apenas uma intervenção rápida. Que fosse brutal,
mas rápida. Lideranças civis como Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, Juscelino
Kubitschek, Ademar de Barros, Ulysses Guimarães, entre tantos outros, aceitavam ou queriam
mesmo que os militares fizessem o “trabalho sujo” de prender e cassar, e
depois, logo depois, fosse retomado o jogo tradicional, marginalizadas as
forças de esquerda mais radicais. Não foi isso que aconteceu.[4]
Ao
contrário do esperado os militares ficaram vinte e um ano no governo, em uma
das piores ditaduras da América Latina. João Goulart foi deposto e partiu para
o exílio. Tivemos cinco generais-presidentes, ditadores eleitos indiretamente
pelo Congresso Nacional dominado. Mandaram e desmandaram no país durante todo
esse tempo.
[1] REIS,
Daniel Aarão. “O sol sem peneira”, In, Revista de História da Biblioteca
Nacional, ano 7, no. 83. Agosto de 2012.
[2] MARTINS
FILHO, João Roberto. “O 1º. Abril”, In, Revista de História da Biblioteca
Nacional, ano 7, no. 83. Agosto de 2012
[3] DIAS,
Luiz Antonio. “A Salvação da pátria”, In , Revista de História da Biblioteca
Nacional, ano 7, no. 83. Agosto de 2012
[4] REIS,
Op. Cit.
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