O Mundo de Sofia é um romance escrito por Jostein Gaarder, publicado em 1991.Ele funciona tanto como romance, como um guia básico de filosofia. Veja abaixo o texto sobre o pensamento de René Descartes:
CAPÍTULO XVIII: DESCARTES
“... ele queria
remover todos os velhos materiais do terreno de construção...”.
Alberto
levantara-se e despira a capa vermelha. Pô-la numa cadeira e voltou a sentar-se
confortavelmente no sofá.
- “René Descartes”
nasceu em 1596 e viveu em vários países da Europa ao longo da vida. Já na sua
juventude, sentia o forte desejo de tomar conhecimento da natureza do homem e
do universo. Mas depois de ter estudado filosofia tornou-se consciente principalmente
da sua própria ignorância.
- Mais ou menos
como Sócrates?
- Sim, mais ou
menos assim. Tal como Sócrates, estava convencido de que só a razão nos pode
dar conhecimento seguro. Nunca podemos confiar no que está escrito em livros
antigos. Nem sequer podemos confiar no que os nossos sentidos nos transmitem.
- Platão era da
mesma opinião. Ele achava que só a razão nos pode dar um saber
sólido.
- Exato. De
Sócrates e Platão, através de S. Agostinho, há uma linha direta até Descartes.
Todos eles eram racionalistas convictos. Para eles, a razão era a única fonte segura
de conhecimento. Após muitos estudos, Descartes reconheceu que não era forçoso confiar
no saber transmitido na Idade Média.
Podes fazer uma
comparação com Sócrates, que não confiava nas concepções mais difundidas com
que se defrontava na ágora em Atenas. E o que é que se faz neste caso, Sofia? Sabes
responder-me?
- Começa-se a
filosofar por si mesmo.
- Exato.
Descartes decidiu então viajar pela Europa - tal como Sócrates, que passou a
vida em diálogo com homens de Atenas. Ele próprio relata que a partir dessa
altura só queria procurar o saber que podia encontrar em si mesmo ou "no
grande livro do mundo". Por isso, entrou para o exército e pôde permanecer
em diversos locais da Europa Central. Mais tarde, passou alguns anos em Paris. Em
Maio de 1629, viajou para os Países Baixos, onde viveu durante quase vinte anos,
enquanto trabalhava nos seus escritos filosóficos. Em 1649, a rainha Cristina convidou-o
a viver na Suécia. Mas esta estadia "no país dos ursos, do gelo e dos
rochedos", como ele lhe chamou, provocou-lhe uma pneumonia, e morreu no
Inverno de 1650.
- Então só tinha
54 anos!
- Mas ainda
havia de ser muito importante para a filosofia, mesmo após a sua morte. Sem
exagero, podemos dizer que Descartes foi o fundador da filosofia da época moderna.
Depois da imponente redescoberta do homem e da natureza no Renascimento, surgiu
de novo a necessidade de reunir todas as idéias contemporâneas num único
“sistema filosófico” coerente. O primeiro grande construtor de sistema foi
“Descartes”, e seguiramse- lhe “Espinosa” e “Leibniz”, “Locke” e “Berkeley”,
“Hume” e “Kant”.
- O que é que
entendes por "sistema filosófico"?
- Entendo uma
filosofia construída desde a base e que procura encontrar uma resposta para
todas as questões filosóficas importantes. A Antiguidade teve grandes construtores
de sistemas como Platão e Aristóteles. A Idade Média teve S. Tomás de Aquino,
que queria fazer uma ponte entre a filosofia de Aristóteles e a teologia
cristã. Veio depois o Renascimento - com uma mistura de velhas e novas idéias
sobre a natureza e a ciência, Deus e os homens. Só no século XVII a filosofia
tentou de novo pôr em sistema as novas idéias. O primeiro a fazer esta
tentativa foi Descartes. Ele deu o sinal de partida para aquilo que se tornaria
o projeto filosófico mais importante para as gerações seguintes. Antes de mais,
preocupava-o o que nós podemos saber, ou seja, a questão da “solidez do nosso
conhecimento”. A segunda grande questão que o preocupava era a “relação entre
corpo e alma”. Estas duas problemáticas determinariam a discussão filosófica
dos cento e cinqüenta anos seguintes.
- Então ele
estava adiantado em relação à época.
- Mas as
questões já andavam no ar na época. Na questão de como podemos alcançar saber
seguro, alguns exprimiram o seu total “ceticismo” filosófico. Achavam que os
homens tinham de se conformar com o fato de nada saberem. Mas Descartes não se
conformou com isso. Se o tivesse feito, não teria sido um verdadeiro filósofo.
De novo, podemos fazer um paralelismo com Sócrates, que não se contentou com o
ceticismo dos sofistas. Justamente na época de Descartes, a nova ciência da
natureza desenvolvera um método que havia de fornecer uma descrição totalmente segura
e exata dos processos naturais. Descartes se interrogou não havia um método igualmente
seguro e Exato para a reflexão filosófica.
- Entendo.
- Mas esse era
apenas um dos problemas. A nova física colocara também a questão sobre a
natureza da matéria, ou seja, sobre o que determina os processos físicos na
natureza. Cada vez mais pessoas defendiam uma compreensão materialista da
natureza. Mas quanto mais o mundo físico era concebido de forma mecanicista,
mais urgente se tornava a questão da relação entre corpo e alma. Antes do
século XVII, a alma fora descrita geralmente como uma espécie de "espírito
vital" que percorria todos os seres vivos. Aliás, o significado original
de "alma" e "espírito" é também "sopro vital" ou
"respiração". É esse o caso em quase todas as línguas européias. Para
Aristóteles, a alma é algo que está presente em todo o organismo como
"princípio vital" desse organismo - e que é inconcebível separada do
corpo. Por isso também podia falar de uma "alma vegetativa" e de uma
"alma sensitiva". Foi só no século XVII que os filósofos estabeleceram
uma separação radical entre alma e corpo, porque todos os objetos físicos -
também um corpo animal ou humano – eram explicados como processos mecânicos.
Mas a alma humana não podia ser uma parte desta "máquina
fisiológica"? O que era então? Tinha que se esclarecer como é que algo "espiritual"
podia dar origem a um processo mecânico.
-Essa é
realmente uma idéia bastante estranha.
- O que queres
dizer com isso?
- Eu decido
levantar o meu braço - e o braço eleva-se. Ou eu decido correr para o ônibus e
imediatamente as minhas pernas começam a mover-se. Por vezes, penso numa coisa
triste: as lágrimas vêm-me logo aos olhos. Assim, tem de haver alguma ligação
misteriosa entre o corpo e a consciência.
- Foi
precisamente este problema que levou Descartes a refletir. Tal como Platão, ele
estava convencido de que há uma divisão rígida entre espírito e matéria. Mas
Platão não conseguiu dar resposta ao problema de como o espírito influencia o
corpo, ou a alma o corpo.
- Eu também não,
por isso estou desejosa de saber o que Descartes descobriu. Ouçamos as suas
próprias reflexões. Alberto indicou o livro que estava entre eles na mesa e
prosseguiu:
- Neste pequeno
livro, “Discurso do Método”, Descartes levanta a questão de qual o método
filosófico que um filósofo deve utilizar para resolver um problema filosófico.
As ciências da natureza já tinham desenvolvido o seu novo método...
-Já falaste
nisso.
- Descartes
explica em seguida que não podemos dar nada como verdadeiro enquanto não
tivermos reconhecido claramente que é verdadeiro. Para conseguirmos isso, temos
que decompor um problema complexo em tantas partes simples quanto possível. Podemos
começar então pela idéia mais simples. Talvez se possa dizer que cada idéia é
"pesada e medida" - mais ou menos do mesmo modo que Galileu queria
medir tudo e tornar mensurável o não mensurável. Descartes achava que o
filósofo podia prosseguir do simples para o complexo. Deste modo poderia ser
construído um novo conhecimento. Até ao final, é necessário verificar que não se
omitiu nada, por meio de um controlo e de uma verificação constantes. Só assim
se pode atingir conclusões filosóficas.
- Isso parece um
problema matemático.
- Sim, Descartes
queria aplicar o "método matemático" à reflexão filosófica. Queria
provar verdades filosóficas aproximadamente do mesmo modo que um teorema matemático.
Queria usar exatamente o mesmo instrumento que usamos ao trabalhar com números,
a “razão”, porque só a razão nos fornece conhecimento seguro. Não estabelece de
modo algum que se possa confiar nos sentidos. Já referimos a
sua afinidade
com Platão. Também este dissera que a matemática e as relações numéricas fornecem
conhecimento mais seguro do que os testemunhos dos nossos sentidos.
- Mas é possível
responder desse modo a questões filosóficas?
- Voltemos ao
raciocínio de Descartes. O seu objetivo é, portanto, obter conhecimentos
seguros acerca da natureza da realidade, e ele torna claro em primeiro lugar que
no início devemos duvidar de tudo. Ele não queria edificar o seu sistema
filosófico sobre areia.
- Porque se o
fundamento cede, toda a casa se desmorona.
- Obrigado pela
ajuda, Sofia. Descartes não achava sensato duvidar de tudo, mas
pensava que, em
princípio, podemos duvidar de tudo. Em primeiro lugar, não é certo que
façamos
progressos na nossa busca filosófica pela leitura de Platão ou Aristóteles.
Talvez
alarguemos com
isso o nosso saber histórico, mas não descobrimos mais acerca do mundo.
Descartes achava
importante lançar ao mar o patrimônio intelectual antigo antes de iniciar a
sua própria investigação
filosófica.
- Ele queria
remover todos os velhos materiais do terreno de construção, antes de
iniciar a
construção da nova casa?
- Sim, para ter
a certeza de que o novo edifício de idéias era estável, ele queria usar
apenas material
de construção novo e sólido. Mas as dúvidas de Descartes vão ainda mais
longe. Segundo
ele, nunca podemos confiar no que os nossos sentidos nos transmitem,
porque podemos
ser enganados por eles.
- Como é que
isso é possível?
- Mesmo quando
sonhamos, acreditamos estar a viver uma situação real. E haverá
alguma coisa que
distinga as nossas sensações, quando estamos despertos, das sensações
"sonhadas"?
"Quando reflito cuidadosamente nesta questão, não encontro nenhum indício
pelo qual possa
distinguir com segurança a vigília do sono", escreve Descartes. E ele
prossegue:
"São ambos tão semelhantes que eu fico totalmente perplexo e não sei se
não
estarei a sonhar
neste momento".
- Jeppe também
achava que tinha sonhado ter estado deitado na cama do barão.
- E enquanto
estava deitado na cama do barão achava que a sua vida como
camponês pobre
era um sonho. Assim, Descartes duvida de tudo. Muitos filósofos antes
dele já tinham
terminado as suas reflexões filosóficas neste ponto.
- Nesse caso,
não foram muito longe.
- Mas Descartes
tentou continuar a trabalhar a partir do zero. Ele chegou à
conclusão de que
duvidava de tudo e que isso é a única coisa de que se pode ter uma
certeza
absoluta. E em seguida, há algo que se lhe torna claro: há um fato, do qual ele
pode
ter toda a
certeza: duvida.
Mas se duvida,
tem que concluir que pensa, e se pensa tem de concluir que é um
ser pensante.
Ou, como ele próprio diz: "cogito, ergo sum".
-E o que
significa?
- Penso, logo
existo.
-Não me
surpreende que ele tenha chegado a essa conclusão.
- Está bem. Mas
não te esqueças com que certeza intuitiva ele se concebe
subitamente como
um eu pensante.
Talvez ainda te
lembres que para Platão é mais real o que compreendemos com a
razão do que o
que obtemos dos sentidos. Com Descartes, passava-se exatamente o mesmo.
Ele não
compreende apenas que é um eu pensante, entende simultaneamente que este eu
pensante é mais
real do que o mundo físico, que apreendemos com os sentidos. E a partir
daqui, ele
prossegue, Sofia. Ainda não concluiu de modo algum a investigação filosófica.
- Prossegue tu
também com calma.
-Descartes
interrogou-se então sobre se havia algo mais que ele pudesse apreender
com a mesma
evidência intuitiva, além do fato de ser um ser pensante. Ele descobre que
tem também uma
idéia clara e nítida de um ser perfeito.
Teve sempre essa
idéia e, para Descartes, é evidente que essa idéia não pode provir
dele mesmo. A
idéia de um ser perfeito não pode provir de um ser imperfeito. Por isso, a
idéia de um ser
perfeito tem de provir desse mesmo ser perfeito -por outras palavras, de
Deus.
Que Deus existe
é deste modo tão imediatamente evidente para Descartes como o
fato de alguém
que pensa ter de ser um eu pensante.
- Agora, acho
que ele precipita um pouco as conclusões. E era tão atento no
princípio!
- Sim, houve
quem afirmasse ser este o ponto mais fraco de Descartes. Mas tu
estás a falar de
deduções. Na verdade, não se trata aqui de uma demonstração. Descartes
queria apenas
dizer que todos nós temos uma idéia de um ser perfeito, e que esta idéia
implica que este
ser perfeito existe. Porque um ser perfeito não seria perfeito se não
existisse. Além
disso, não teríamos a idéia de um ser perfeito se esse ser não existisse. Nós
somos
imperfeitos e, por isso, a idéia do perfeito não pode provir de nós.
A idéia de um Deus
é, segundo Descartes, uma idéia inata que nos foi implantada
ao nascermos -
"tal como a marca que o artista imprimiu na sua obra", como ele
escreve.
- Mas mesmo que
eu tenha uma idéia de um crocofante, isso não significa que
existam
crocofantes.
- Descartes
teria dito que o conceito de "crocofante" não implica que ele exista.
Mas o conceito
de "ser perfeito" implica que este ser exista.
Para Descartes
isto é tão certo como o fato de a idéia de círculo implicar que todos
os pontos do
círculo estão à mesma distância do centro do círculo. Logo, não podes falar de
um círculo se
ele não preenche estes requisitos. E também não podes falar de um ser
perfeito se lhe
falta a mais importante de todas as qualidades, a existência.
- É um modo de
pensar muito especial.
- Isto é um modo
de pensar claramente "racionalista".
Tal como
Sócrates e Platão, Descartes via uma conexão entre pensamento e
existência.
Quanto mais evidente uma coisa é para o pensamento, mais certa é a sua
existência.
- Até aqui, ele
reconheceu que é um ser pensante, e que existe um ser perfeito.
- E, a partir
destas certezas, prossegue. Todas as idéias que temos da realidade
exterior - por
exemplo, Sol e Lua -, podiam também ser apenas visões oníricas. Mas a
realidade
exterior também tem algumas características que podemos conhecer com a razão.
Por exemplo, as
relações matemáticas, ou seja, aquilo que pode ser medido, o
comprimento, a
altura e a profundidade. Estas “propriedades quantitativas” são tão claras
para a razão
como o fato de eu ser um ser pensante. “Propriedades qualitativas” como cor,
cheiro e sabor
estão por seu lado relacionadas com os nossos sentidos e não descrevem
nenhuma
realidade exterior.
- Então afinal a
natureza não é um sonho?
- Não. E, neste
ponto, Descartes recorre novamente à nossa idéia de um ser
perfeito. Se a
nossa razão conhece algo muito clara e distintamente -que é o caso das
relações
matemáticas na realidade exterior - é porque é assim mesmo. Um Deus perfeito
não faria pouco
de nós.
Descartes
recorre a Deus como garantia de que aquilo que conhecemos com a
nossa razão
corresponde a uma coisa real.
- Está bem. Ele
descobriu que é um ser pensante, que Deus existe e ainda que
existe uma
realidade exterior.
- Mas entre a
realidade exterior e a realidade das idéias há uma diferença essencial.
Descartes
pressupõe que existem duas formas diferentes de realidade - ou duas
“substâncias”.
Uma substância é o “pensamento” ou a alma, a outra a “extensão” ou a
matéria.
A alma é apenas
consciente, não ocupa espaço e, por isso, também não pode ser dividida em
partes menores. A matéria, por seu lado, é extensa, ocupa espaço e pode ser
dividida em
partes cada vez menores - mas não é consciente. Descartes afirma que ambas
as substâncias
provêm de Deus, porque apenas Deus existe independentemente de todas as
outras coisas.
Mas mesmo
provindo pensamento e extensão de Deus, as duas substâncias são
completamente
independentes uma da outra. O pensamento é livre na sua relação com a
matéria - e
vice-versa: os processos materiais operam de forma totalmente independente do
pensamento.
-E assim, a
Criação ficou dividida em dois.
- Exato. Dizemos
que Descartes é “dualista”, e isso significa que ele traça uma clara
linha de
separação entre a realidade espiritual e a realidade em extensão. Por exemplo,
apenas o homem
tem alma. Os animais pertencem totalmente à realidade em extensão. A
sua vida e os
seus movimentos são puramente mecânicos. Descartes via os animais como
uma espécie de
autômatos complexos. Em relação à realidade em extensão, ele tem dela
uma concepção
mecanicista - tal como os materialistas.
- Mas eu duvido
muito que Hermes seja uma máquina ou um autômato. Certamente,
Descartes nunca
gostou de um animal. E em relação a nós? Também somos autômatos?
-Sim e não.
Descartes chegou à conclusão de que o homem é um ser duplo que
pensa e ocupa
espaço. O homem tem uma alma e um corpo extenso.
S. Agostinho e
S. Tomás de Aquino já tinham afirmado algo semelhante.
Acreditavam que
o homem tem corpo tal como os animais, mas também espírito como os
anjos. Para Descartes,
o corpo é um mecanismo muito sofisticado. Mas o homem tem
também alma que
pode operar independentemente do corpo. Os processos corporais não
têm essa
liberdade, seguem as suas próprias leis. Mas aquilo que pensamos com a razão
não
acontece no corpo.
Acontece na
alma, que é independente da realidade extensa. Eu posso ainda
acrescentar que
Descartes não queria excluir a possibilidade de também os animais
pensarem. Mas,
se possuírem essa faculdade, também tem de existir neles a mesma divisão
entre pensamento
e extensão.
- Já falamos
sobre isso.
Quando eu decido
correr para o ônibus, todo o "autômato" se põe em movimento.
E se perco o
ônibus, vêm-me as lágrimas aos olhos.
- Nem Descartes
podia contestar que existe sempre esse efeito recíproco entre alma
e corpo.
Enquanto a alma está no corpo, segundo ele, está ligada ao corpo através de um
órgão do cérebro
muito especial, uma glândula, na qual se dá uma reação constante entre o
espírito e a
matéria. Deste modo, segundo Descartes, a alma pode ser permanentemente
confundida com
os sentimentos e sensações que têm a ver com as necessidades do corpo. O
objetivo é
transmitir à alma a ordem:
Seja qual for a
gravidade das minhas dores de barriga, a soma dos ângulos num
triângulo é
sempre cento e oitenta graus. Deste modo, o pensamento pode elevar-se acima
das necessidades
do corpo e proceder "racionalmente". Deste ponto de vista, a alma é
totalmente
independente do corpo. As nossas pernas podem ficar velhas e fracas, as nossas
costas tortas, e
os nossos dentes podem cair - mas dois mais dois serão sempre quatro,
enquanto ainda
houver razão em nós. Porque a razão não fica velha e caduca. Os nossos
corpos é que
envelhecem. Para Descartes, a própria razão é a alma. Paixões e humores
inferiores como
a concupiscência e o ódio estão estreitamente ligados às funções corporais
- e
conseqüentemente à realidade extensa.
- Eu não me
conformo com o fato de Descartes ter comparado o corpo com uma
máquina ou um
autômato.
- O motivo da
comparação é o fato de as pessoas, no tempo de Descartes, estarem
completamente
fascinadas com as máquinas e os mecanismos dos relógios, que
aparentemente
funcionavam por si mesmos. A palavra "autômato" designa precisamente
algo que se move
por si mesmo. Mas eles moverem-se por si era apenas uma ilusão. Por
exemplo, os
homens construíram nessa época um relógio astronômico e deram-lhe corda.
Descartes
acentua que estes mecanismos artificiais são compostos muito simplesmente por
poucas partes,
em comparação com as quantidades de ossos, músculos, nervos, artérias e
veias que
compõem os corpos de homens e animais. Mas porque é que Deus não havia de
produzir um
corpo animal ou humano com base nas leis mecânicas?
- Hoje fala-se
muito de "inteligência artificial".
- Estás a pensar
nos nossos autômatos atuais. Construímos máquinas que por vezes
nos podem
convencer realmente da sua inteligência. Essas máquinas teriam certamente
posto Descartes
em pânico.
Talvez ele se
interrogasse se a razão humana é realmente tão livre e autônoma
como ele tinha
pensado. Há filósofos que pensam que a vida espiritual humana é tão pouco
livre como os
processos corporais. A alma de um homem é infinitamente mais complexa do
que qualquer
programa de computador, mas há também quem pense que em princípio
somos tão pouco
livres como esses programas. "
Se gostou e quer ler o livro, baixe aqui e boa leitura.