A América Latina
A
América Latina, cuja independência política fora adquiri da no primeiro quartel
do século XIX, continuou produzindo minerais e gêneros agrícolas para o mercado
externo, nos moldes do período colonial mercantilista porém, sem a presença da
Espanha e de Portugal, substituídos pela burguesia européia, principalmente
inglesa. a penetração financeira se deu através de empréstimos, aparelhamento
de portos, investimentos em transportes e serviços urbanos. a intermediação era
feita pelas classes dirigentes locais, sem necessidade de administração direta
por parte das potências européias.
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Brasil não fugiu à regra. de 1822 a 1930 (império e 1a. república), o país
continuou a fornecer à Europa e aos Estados Unidos café, açúcar e a importar
manufaturados. a elite dominante brasileira, formada por fazendeiros e
exportadores de café e de açúcar, defendia o livre comércio e não se interessou
em incentivar a industrialização do país. os governos da república, nas mãos da
burguesia cafeeira paulista, buscaram empréstimos na Inglaterra para financiar
a expansão da cafeicultura, melhorar os portos, abrir ferrovias e criar
serviços urbanos que atendessem ao setor agro-exportador, o que representava
ótimos investimentos para banqueiros, industriais e acionistas britânicos,
criando, ao mesmo tempo, forte dependência econômica.
A IDÉIA DE PROGRESSO
A Europa,
deixando de lado o resto do mundo, estava dividida evidentemente em “nações” cujas
aspirações em fundar Estados não deixava, pelo certo ou pelo errado, nenhuma
dúvida, e em “nações” a cerca das quais havia uma boa dose de incerteza quanto
a aspirações semelhantes. O melhor guia para o primeiro tipo era o fato
político, a história institucional ou a história cultural das tradições. A
França, Inglaterra, Espanha e Rússia eram inegavelmente “nações” porque
possuíam Estados identificados com os franceses, ingleses, etc. (...)
A Alemanha
era uma nação por força de que seus numerosos principados (apesar de nunca
unidos em um único estado territorial) terem constituído outrora o então
chamado “Sagrado Império Romano da Nação Germânica” e formado por outro lado a
Federação germânica, mas também porque todos os alemães de educação elevada
partilhavam a mesma língua escrita e literatura. A Itália, apesar de nunca ter
sido uma entidade política enquanto tal, possuía talvez a mais antiga das
literaturas comuns à sua própria elite. (...)
O critério
“histórico” de nacionalidade implicava portanto a importância decisiva das
instituições e da cultura das classes dominantes ou elites de educação elevada,
supondo-as identificadas, ou pelo menos não muito obviamente incompatíveis, com
o povo comum. Mas o argumento ideológico para o nacionalismo era bem diferente
e muito mais radical, democrático e revolucionário. Apoiava-se no fato de que,
o que fosse que a história ou a cultura pudessem dizer, os irlandeses eram
irlandeses e não ingleses, os tchecos eram tchecos e não alemães, os
finlandeses não eram russos e nenhum povo deveria ser explorado ou dirigido por
outro. (...)
O ponto
significativo aqui é que a típica nação “a-histórica” ou “semi-histórica” era
também uma pequena nação, e isto colocava o nacionalismo do século XIX diante
de um dilema que tem sido raramente reconhecido. Pois os grandes defensores da
“nação-estado” entendiam-se não apenas como nacional, mas também como
“progressista”, isto é, capaz de uma economia, tecnologia, organização de
Estado e força militar viáveis, ou em outras palavras, que precisava ser
territorialmente grande. Terminava por ser, na realidade, a unidade
“natural”'do desenvolvimento da sociedade burguesa, moderna, liberal e progressista.
“Unificação”, assim como “independência”, era o princípio básico, e onde
argumentos históricos para unificação não existissem – como era o caso da
Alemanha e Itália – esta era, quando possível, formulada como um programa.
(...)
O argumento
mais simples daqueles que identificavam nações-estados com o progresso era
negar o caráter de “nações reais” aos povos pequenos e atrasados, ou então
argumentar que o progresso iria reduzi-los a meras idiossincrasias dentro das
grandes “nações reais”, ou mesmo levá-los a um desaparecimento de fato por
assimilação a algum Kulturvolk. Isso não parecia fora da realidade. Depois de
tudo, a participação como membro na Alemanha não impedia os mecken-burgueses de
falar em seu dialeto, que era mais próximo do holandês que do alto-alemão e que
nenhum bávaro conseguia entender, como também não evitava que os eslavos
lusatianos não aceitassem (como ainda discutem) um estado basicamente alemão. A
existência dos bretões, e uma parte dos bascos, catalães e flamengos, para não
mencionar aqueles que se comunicam em provençal ou na Langue d’oc, parecia
perfeitamente compatível com a nação francesa da qual faziam parte, e os
alsacianos criaram um problema apenas porque uma outra grande nação-estado – a
Alemanha – disputava-os. Além disso, havia exemplos de pequenos grupos
lingüísticos, cujas elites de instrução elevada olhavam para frente sem
remorsos em relação ao desaparecimento de seus próprios idiomas. Muitos
gauleses em meados do século XIX estavam resignados a isto, e alguns viam mesmo
com prazer este processo, na medida em que facilitasse a penetração do
progresso numa região atrasada.
Havia um
forte elemento de diferenciação e talvez um mais forte de patrocínio especial
em tais argumentos. Algumas nações – as maiores, as “avançadas”, as
estabelecidas, incluindo certamente a própria nação do ideólogo – estavam
destinadas pela história a prevalecer ou (se o ideólogo preferisse uma conceituação
darwinista) a serem vitoriosas na luta pela existência; e outras não. Todavia
isso não deve ser entendido como simplesmente uma conspiração de parte de
algumas nações para oprimir outras, embora porta-vozes das nações desprezadas
não devessem ser repreendidos por pensar assim. Pois o argumento era dirigido
não apenas contra as línguas e culturas regionais das nações como também contra
intrusos; também não pretendia seu desaparecimento, mas apenas seu
“rebaixamento” da qualidade de “língua” para a de “dialeto”. Cavour não negou
aos habitantes da Savóia o direito de falar sua própria língua (mais próxima do
francês do que do italiano), numa Itália unificada: ele mesmo falava-a por
razões domésticas. Ele e outros italianos nacionalistas apenas insistiam em que
deveria haver somente uma língua e um meio de instrução oficiais, em outras
palavras o italiano, e que as outras deveriam sumir, evaporar-se da melhor
forma que pudessem. Da maneira como as coisas seguiam, nem os sicilianos nem os
sardenhos insistiram na sua nacionalidade separada, portanto seus problemas
poderiam ser redefinidos, na melhor das hipóteses, como “regionalismo”. Este
fenômeno apenas se tornou politicamente significativo uma vez que um pequeno
povo reclamou pela sua nacionalidade, como os tchecos fizeram em 1848, quando
seus porta-vozes recusaram o convite dos liberais alemães para tomar parte no
parlamento de Frankfurt. Os alemães não negaram que eles fossem tchecos. Apenas
entenderam, o que era correto, que todos os tchecos de boa cultura liam e
escreviam alemão, partilhavam da alta cultura alemã e que, portanto
(incorretamente) eram alemães. O fato de que a elite tcheca também falasse
tcheco e partilhasse da cultura do povo simples local parecia ser politicamente
irrelevante, como as atitudes do povo simples em geral e do campesinato em
particular.
[1] Hobsbawn, Eric J. A Era do Capital
(1848-1875). 3' ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982, pp. 103-6.
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