Nas
últimas décadas do século XVIII ocorreram grandes transformações no mundo
ocidental. Filósofos e cientistas propunham novas maneiras de "olhar"
o mundo, e de se relacionar com ele. A concepção de uma sociedade estática e
estratificada, na qual o homem já encontrava o seu destino traçado ia sendo
transformada. O homem passava a ser o construtor de seu tempo, de sua história.
A Revolução Industrial Inglesa, a Independência dos Estados Unidos e a
Revolução Francesa foram os marcos dessa modernidade.
Na Europa ocidental,
o novo pensamento liberal impulsionou a queda dos regimes absolutistas levando,
para suas colônias, o rastilho da Independência. Na América portuguesa os
colonos percebiam que estava em suas mãos a possibilidade de mudar o rumo dos
acontecimentos, tornando-se autores de sua própria história. Nas sociedades
literárias e nas lojas maçônicas discutiam-se, em segredo, "as infames idéias
francesas" de Felicidade, Fraternidade, Igualdade e Liberdade. Tramavam-se
os movimentos conhecidos como Conjurações, que tiveram lugar em vários pontos
da Colônia, nos últimos anos do século XVIII.
O
processo de independência do Brasil
Para compreender o verdadeiro significado histórico da independência do Brasil, levaremos em consideração duas importantes questões: Em primeiro lugar, entender que o 07 de setembro de 1822 não foi um ato isolado do príncipe D. Pedro, e sim um acontecimento que integra o processo de crise do Antigo Sistema Colonial, iniciada com as revoltas de emancipação no final do século XVIII. Ainda é muito comum a memória do estudante associar a independência do Brasil ao quadro de Pedro Américo, "O Grito do Ipiranga", que personifica o acontecimento na figura de D. Pedro.Em segundo lugar, perceber que a independência do Brasil, restringiu-se à esfera política, não alterando em nada a realidade sócio-econômica, que se manteve com as mesmas características do período colonial.
Desde as últimas
décadas do século XVIII assinala-se na América Latina a crise do Antigo Sistema
Colonial. No Brasil, essa crise foi marcada pelas rebeliões de emancipação,
destacando-se a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana. Foram os primeiros
movimentos sociais da história do Brasil a questionar o pacto colonial e
assumir um caráter republicano. Era apenas o início do processo de
independência política do Brasil, que se estende até 1822 com o "sete de
setembro". Esta situação de crise do antigo sistema colonial, era na
verdade, parte integrante da decadência do Antigo Regime europeu, debilitado
pela Revolução Industrial na Inglaterra e principalmente pela difusão do
liberalismo econômico e dos princípios iluministas, que juntos formarão a base
ideológica para a Independência dos Estados Unidos (1776) e para a Revolução
Francesa (1789). Trata-se de um dos mais importantes movimentos de transição na
História, assinalado pela passagem da idade moderna para a contemporânea,
representada pela transição do capitalismo comercial para o industrial.
Os Movimentos de Emancipação
A Inconfidência
Mineira destacou-se por ter sido o primeiro movimento social
republicano-emancipacionista de nossa história. Eis aí sua importância maior,
já que em outros aspectos ficou muito a desejar. Sua composição social por
exemplo, marginalizava as camadas mais populares, configurando-se num movimento
elitista estendendo-se no máximo às camadas médias da sociedade, como
intelectuais, militares, e religiosos. Outros pontos que contribuíram para
debilitar o movimento foram a precária articulação militar e a postura
regionalista, ou seja, reivindicavam a emancipação e a república para o Brasil
e na prática preocupavam-se com problemas locais de Minas Gerais. O mais grave
contudo foi a ausência de uma postura clara que defendesse a abolição da
escravatura. O desfecho do movimento foi assinalado quando o governador
Visconde de Barbacena suspendeu a derrama – seria o pretexto para deflagar a
revolta - e esvaziou a conspiração, iniciando prisões acompanhadas de uma
verdadeira devassa.
Os líderes do
movimento foram presos e enviados para o Rio de Janeiro responderam pelo crime
de inconfidência (falta de fidelidade ao rei), pelo qual foram condenados.
Todos negaram sua participação no movimento, menos Joaquim José da Silva
Xavier, o alferes conhecido como Tiradentes, que assumiu a responsabilidade de
liderar o movimento. Após decreto de D. Maria I é revogada a pena de morte dos
inconfidentes, exceto a de Tiradentes. Alguns tem a pena transformada em prisão
temporária, outros em prisão perpétua. Cláudio Manuel da Costa morreu na
prisão, onde provavelmente foi assassinado.
Tiradentes, o de
mais baixa condição social, foi o único condenado à morte por enforcamento. Sua
cabeça foi cortada e levada para Vila Rica. O corpo foi esquartejado e
espalhado pelos caminhos de Minas Gerais (21 de abril de 1789). Era o cruel
exemplo que ficava para qualquer outra tentativa de questionar o poder da
metrópole.
O exemplo parece que
não assustou a todos, já que nove anos mais tarde iniciava-se na Bahia a Revolta dos Alfaiates, também chamada
de Conjuração Baiana. A influência
da loja maçônica Cavaleiros da Luz deu um sentido mais intelectual ao movimento
que contou também com uma ativa participação de camadas populares como os
alfaiates João de Deus e Manuel dos Santos Lira.Eram pretos, mestiços, índios,
pobres em geral, além de soldados e religiosos. Justamente por possuír uma
composição social mais abrangente com participação popular, a revolta pretendia
uma república acompanhada da abolição da escravatura. Controlado pelo governo,
as lideranças populares do movimento foram executadas por enforcamento,
enquanto que os intelectuais foram absolvidos.
Outros movimentos de emancipação
também foram controlados, como a Conjuração do Rio de Janeiro em 1794, a
Conspiração dos Suaçunas em Pernambuco (1801) e a Revolução Pernambucana de
1817. Esta última, já na época que D. João VI havia se estabelecido no Brasil.
Apesar de contidas todas essas rebeliões foram determinantes para o agravamento
da crise do colonialismo no Brasil, já que trouxeram pela primeira vez os
ideais iluministas e os objetivos republicanos.
A Família Real no Brasil e a Preponderância Inglesa
Se o que define a condição de colônia é o monopólio imposto pela metrópole, em 1808 com a abertura dos portos, o Brasil deixava de ser colônia. O monopólio não mais existia. Rompia-se o pacto colonial e atendia-se assim, os interesses da elite agrária brasileira, acentuando as relações com a Inglaterra, em detrimento das tradicionais relações com Portugal. Esse episódio, que inaugura a política de D. João VI no Brasil, é considerado a primeira medida formal em direção ao "sete de setembro". D. Joao VI
Há muito Portugal
dependia economicamente da Inglaterra. Essa dependência acentua-se com a vinda
de D. João VI ao Brasil, que gradualmente deixava de ser colônia de Portugal,
para entrar na esfera do domínio britânico. Para Inglaterra industrializada, a
independência da América Latina era uma promissora oportunidade de mercados,
tanto fornecedores, como consumidores.Com a assinatura dos Tratados de 1810
(Comércio e Navegação e Aliança e Amizade), Portugal perdeu definitivamente o
monopólio do comércio brasileiro e o Brasil caiu diretamente na dependência do
capitalismo inglês.
Em 1820, a burguesia
mercantil portuguesa colocou fim ao absolutismo em Portugal com a Revolução do
Porto. Implantou-se uma monarquia constitucional, o que deu um caráter liberal
ao movimento. Mas, ao mesmo tempo, por tratar-se de uma burguesia mercantil que
tomava o poder, essa revolução assume uma postura recolonizadora sobre o
Brasil. D. João VI retorna para Portugal e seu filho aproxima-se ainda mais da
aristocracia rural brasileira, que sentia-se duplamente ameaçada em seus
interesses: a intenção recolonizadora de Portugal e as guerras de independência
na América Espanhola, responsáveis pela divisão da região em repúblicas.
O Significado Histórico da Independência
A aristocracia rural
brasileira encaminhou a independência do Brasil com o cuidado de não afetar
seus privilégios, representados pelo latifúndio e escravismo. Dessa forma, a
independência foi imposta verticalmente, com a preocupação em manter a unidade
nacional e conciliar as divergências existentes dentro da própria elite rural,
afastando os setores mais baixos da sociedade representados por escravos e trabalhadores
pobres em geral.
Com a volta de D.
João VI para Portugal e as exigências para que também o príncipe regente
voltasse, a aristocracia rural passa a viver sob um difícil dilema: conter a
recolonização e ao mesmo tempo evitar que a ruptura com Portugal assumisse o
caráter revolucionário-republicano que marcava a independência da América
Espanhola, o que evidentemente ameaçaria seus privilégios. A maçonaria
(reaberta no Rio de Janeiro com a loja maçônica Comércio e Artes) e a imprensa
uniram suas forças contra a postura recolonizadora das Cortes.
D. Pedro é sondado
para ficar no Brasil, pois sua partida poderia representar o esfacelamento do
país. Era preciso ganhar o apoio de D. Pedro, em torno do qual se
concretizariam os interesses da aristocracia rural brasileira. Um abaixo
assinado de oito mil assinaturas foi levado por José Clemente Pereira
(presidente do Senado) a D. Pedro em 9 de janeiro de 1822, solicitando sua
permanência no Brasil. Cedendo às pressões, D. Pedro decidiu-se: "Como é
para o bem de todos e felicidade geral da nação,estou pronto. Diga ao povo que
fico".
É claro que D. Pedro
decidiu ficar bem menos pelo povo e bem mais pela aristocracia, que o apoiaria
como imperador em troca da futura independência não alterar a realidade
sócio-econômica colonial. Contudo, o Dia do fico era mais um passo para o
rompimento definitivo com Portugal. Graças a homens como José Bonifácio de
Andrada e Silva (patriarca da independência), Gonçalves Ledo, José Clemente
Pereira e outros, o movimento de independência adquiriu um ritmo surpreendente
com o cumpra-se, onde as leis portuguesas seriam obedecidas somente com o aval
de D. Pedro, que acabou aceitando o título de Defensor Perpétuo do Brasil (13
de maio de 1822), oferecido pela maçonaria e pelo Senado. Em 3 de junho foi
convocada uma Assembléia Geral Constituinte e Legislativa e em primeiro de
agosto considerou-se inimigas as tropas portuguesas que tentassem desembarcar
no Brasil.
São Paulo vivia um clima de
instabilidade para os irmãos Andradas, pois Martim Francisco (vice-presidente
da Junta Governativa de São Paulo) foi forçado a demitir-se, sendo expulso da
província. Em Portugal, a reação tornava-se radical, com ameaça de envio de
tropas, caso o príncipe não retornasse imediatamente. José Bonifácio,
transmitiu a decisão portuguesa ao príncipe, juntamente com carta sua e de D.
Maria Leopoldina, que ficara no Rio de Janeiro como regente.
No dia sete de
setembro de 1822 D. Pedro que se encontrava às margens do riacho Ipiranga, em
São Paulo, após a leitura das cartas que chegaram em suas mãos, bradou: "É
tempo... Independência ou morte... Estamos separados de Portugal".Chegando
no Rio de Janeiro (14 de setembro de 1822), D. Pedro foi aclamado Imperador
Constitucional do Brasil. Era o início do Império, embora a coroação apenas se
realizasse em primeiro de dezembro de 1822.A independência não marcou nenhuma
ruptura com o processo de nossa história colonial. As bases sócio-econômicas
(trabalho escravo, monocultura e latifúndio), que representavam a manutenção
dos privilégios aristocráticos, permaneceram inalteradas. O "sete de
setembro" foi apenas a consolidação de uma ruptura política, que já começara
14 anos atrás, com a abertura dos portos.
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