Entre
1946 e 1964, o Brasil conheceu o apogeu do populismo, representado, sob
aspectos diversos, nos governos de Dutra, Getúlio Vargas, JK, Jânio Quadros e
João Goulart.
Esse estilo
de governo apresentava como características fundamentais:
- A
intenção de incorporar, à vida política, as massas urbanas , que passaram
então a se constituir na maioria da população brasileira. Ao contrário do
ocorrido na República Velha, quando a maioria do eleitorado encontrava-se
na área rural, a crescente urbanização e migração campo-cidade fez com que
também o poder político se concentrasse no eleitorado urbano.
- A
personificação do poder em lideranças carismáticas, homens com grande
apelo pessoal, os quais buscavam estabelecer vínculos diretos entre
governante e governados. Nesse sentido é que Getúlio Vargas, em seu
segundo mandato, alimenta a imagem de “Pai dos pobres”, por exemplo,
trazendo para si a responsabilidade de “doar” aos mais humildes alguns
benefícios.
- A
manipulação dessas massas urbanas, por meio do carisma pessoal dos
governantes ou através dos meios de comunicação de massa, como o rádio e,
posteriormente, a televisão
- Um
Estado autoritário, dependente da vontade pessoal de seus governantes, sob
uma aparente democracia, expressa em eleições regulares e na manipulação
das medidas governamentais, sempre apresentadas em nome da defesa dos mais
pobres.
GOVERNO DUTRA
Eurico Gaspar Dutra
governa de 1946 até o final de seu mandato, em 31 de janeiro de 1951. O início
de seu governo é marcado por mais de 60 greves e intensa repressão ao movimento
operário. Dutra congela o salário mínimo, fecha a Confederação Geral dos
Trabalhadores e intervém em 143 sindicatos. Conservador, proíbe o jogo e ordena
o fechamento dos cassinos. No plano internacional alinha-se com a política
norte-americana da Guerra Fria. Rompe relações diplomáticas com a União Soviética,
decreta novamente a ilegalidade do PCB e cassa o mandato de seus representantes.
Dutra criou o Plano Salte, que visava coordenar os gastos
do governo(especialmente nas áreas de saúde, alimentação, transporte e energia).
O Plano fez a economia crescer em média 6% ao ano, porém, o desperdício das
reservas cambiais e a expansão da divida externa não nos permitem considerá-lo
um sucesso econômico.
GOVERNO VARGAS
Getúlio Vargas vence
as eleições presidenciais de 1950 e assume o poder em 31 de janeiro de 1951.
Governa até 24 de agosto de 1954. Apoiado pela coligação PTB/PSP/PSD, retoma as
plataformas populistas e nacionalistas, mantém a intervenção do Estado na
economia e favorece a implantação de grandes empresas públicas, como a
Petrobrás, que monopolizam a exploração dos recursos naturais. Com uma imagem
de adversário do imperialismo, é apoiado por setores do empresariado nacional,
por grupos nacionalistas do Congresso e das Forças Armadas, pela União Nacional
dos Estudantes e pelas massas populares urbanas. Em 1952 cria o Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico (BNDE), com o objetivo de fomentar o
desenvolvimento industrial, e também o Instituto Brasileiro do Café (IBC).
A campanha pela
nacionalização do petróleo começa em 1949 e divide a opinião pública. Sob o
lema "O petróleo é nosso", reúnem-se sindicatos, organizações
estudantis, militares nacionalistas, alguns empresários, grupos de intelectuais
e militantes comunistas. Os setores contrários ao monopólio e favoráveis à
abertura ao capital estrangeiro incluem parte do empresariado, políticos da UDN
e do PSD e a grande imprensa. O debate toma conta do país e a solução
nacionalista sai vitoriosa: em 3 de outubro de 1953 é criada a Petrobrás (lei
2.004), empresa estatal que monopoliza a exploração e refino do petróleo. A
decisão desagrada aos Estados Unidos que, em represália, cancelam acordos de transferência
de tecnologia estabelecidos com o Brasil.
O nacionalismo
varguista faz crescer a oposição e o presidente aproxima-se do trabalhismo. Em
dezembro de 1951 assina nova lei do salário mínimo. No ano seguinte cria a
Carteira de Acidentes do Trabalho e outros benefícios, como o adicional de
insalubridade. Em junho de 1953 nomeia João Goulart, conhecido como Jango, para
ministro do Trabalho com a missão de reorganizar a estrutura sindical,
tornando-a ainda mais ligada à máquina do governo. Em 1o de maio de
1954 aumenta em 100% o salário mínimo, que mantinha o mesmo valor desde 1943.
Em 1954 políticos da
UDN, boa parte dos militares e da grande imprensa conspiram abertamente pela
deposição do presidente. A crise se agrava com a tentativa de assassinato do
jornalista da UDN Carlos Lacerda, dono do jornal Tribuna da Imprensa e um dos
mais ácidos opositores ao governo. Lacerda fica apenas ferido, mas o major da
Aeronáutica Rubens Vaz morre. Gregório Fortunato, chefe da segurança pessoal de
Vargas, é acusado e preso como mandante do crime (e depois assassinado na
prisão). Em 23 de agosto, 27 generais exigem a renúncia do presidente em um
manifesto à nação.
Na manhã de 24 de
agosto de 1954 Vargas suicida-se. Seu último ato político é uma
carta-testamento : "Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha
morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade.
Saio da vida para entrar na História". No Rio de Janeiro a reação popular
é violenta: chorando, populares saem às ruas, empastelam vários jornais de oposição,
atacam a embaixada dos EUA e muitos políticos udenistas, entre eles Lacerda,
têm de se esconder.
GOVERNO JUSCELINO
Juscelino Kubitschek
assume em 31 de janeiro de 1956 e governa até o final de seu mandato, em 31 de janeiro de 1961. Sua candidatura e a
do vice João Goulart são apoiadas pelo PSD e pelo PTB.
Com o slogan
"Cinqüenta anos em cinco", o Plano Nacional de Desenvolvimento,
conhecido como Plano de Metas, estimula o crescimento e
diversificação da economia. Juscelino investe na indústria de base, na
agricultura, melhora a educação, os transportes, o fornecimento de energia e
transfere a capital do país para o Planalto Central. Projetada pelos arquitetos
Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, a construção de Brasíliacomeça em fevereiro de
1957. É inaugurada em 21 de abril de 1960 .
Durante o governo JK
o país vive um clima de confiança e otimismo. Juscelino consegue conciliar os
interesses de diferentes setores da sociedade. No plano internacional, estreita
as relações com os EUA e cria a Operação Pan-americana(OPA), uma aliança para
superar o subdesenvolvimento. Apesar do crescimento econômico, os empréstimos
externos e os acordos com o FMI resultam em aumento da inflação e arrocho
salarial. O mandato de Juscelino chega ao fim em meio a várias manifestações de
descontentamento popular. Cresce o número de greves no campo e nos principais
centros industriais. Nas eleições de 1960, vence o candidato da oposição, Jânio
Quadros.
GOVERNO JÂNIO QUADROS
Jânio assume em 31
de janeiro de 1961 e renuncia sete meses depois, em 25 de agosto. Herda de JK
um país em acelerado processo de concentração de renda e inflação galopante.
Adota uma política de austeridade econômica ditada pelo FMI: restringe o
crédito e congela salários. Com isso, obtém novos empréstimos, mas desagrada ao
movimento popular e aos empresários. No plano externo, exerce uma política
não-alinhada. Apóia Fidel Castro diante da tentativa fracassada de invasão da
baía dos Porcos pelos norte-americanos. Em 18 de agosto de 1961 condecora o
ministro da Indústria de Cuba, Ernesto "Che" Guevara, com a Ordem
Nacional do Cruzeiro do Sul, a mais alta comenda brasileira.
No Dia 24 de agosto
de 1961, Carlos Lacerda, governador da Guanabara, denuncia pela TV que Jânio
Quadros estaria articulando um golpe de estado. No dia seguinte, o presidente
surpreende a nação: em uma carta ao Congresso afirma que está sofrendo pressões
de "forças terríveis" e renuncia à Presidência da República.
JOÃO GOULART
O
declínio e a queda do populismo, contudo, ocorreram ao longo do governo de João
Goulart
Eleito vice-presidente junto a Jânio Quadros, Jango , como ele era
conhecido, era tido pelas oposições conservadoras como um político
demasiadamente vinculado ao trabalhismo de Vargas e com fortes tendências
socialistas. Sua posse, após a renúncia de Jânio, só foi possível por meio da
Emenda Constitucional que alterou o regime republicano brasileiro de
presidencialista para parlamentarismo, no qual os poderes do presidente ficavam
bastante reduzidos.
Quando
Jango consegue, por meio de um plebiscito, retomar o presidencialismo e lança o
programa das Reformas de Base, que incluíam reformas na educação, nos bancos e
na propriedade da terra, a oposição conservadora, formada por empresários ligados
ao capital estrangeiro, classes médias urbanas, setores do clero e do
empresariado nacional, passa a desestabilizar seu governo, abrindo espaço para
uma polarização política que colocava, de um lado, as massas, interessadas em
reformas cada vez mais amplas, e de outro os grupos conservadores, certos de
que o país rumava em direção ao socialismo. É nesse quadro que os militares, em
nome da Segurança Nacional, articulam e desencadeiam o golpe militar de 1964,
instaurando a ditadura no país.
Texto complementar
O Poeta da ação
Juscelino Kubitschek
é um raro político de quem se pode falar bem com sinceridade. Diamantinense de
1902, médico de formação, começou vida pública em 1933, como chefe da Casa
Civil do governador mineiro Benedito Valadares. Deputado federal, teve o
mandato cassado pelo Estado Novo de Vargas. Prefeito de Belo Horizonte em 1940,
fez tanta mudança e obra que foi chamado de furacão. Governador em 1950,
sacudiu Minas. Investiu forte em energia e transportes, estimulou a
industrialização, priorizou educação e saúde.
Elegeu-se presidente
da República em outubro de 1955, sonhando avançar 50 anos em cinco. Impossível,
claro. Mas tentou com tanta vontade que alterou o referencial do país. Há o
Brasil de antes dele e o de depois. Seu governo pôs o desenvolvimento no
coração da agenda nacional, atropelou a sonolenta burocracia pública,
transformou a estrutura econômica.
Impressionou no
exterior, fez a marcha para o interior. Construiu Brasília em 42 meses. Trouxe
a indústria automobilística, construiu hidrelétricas, multiplicou a produção de
petróleo, implantou siderúrgicas, rasgou mais de 13 mil quilômetros de rodovias
e mais de 3 mil de ferrovias. A economia cresceu mais de 40%, descontada a
inflação - já então assanhada e preocupante.
Anos JK, anos dourados.
Elevação da auto-estima, afirmação da capacidade do empresário, do trabalhador,
do engenho e arte dos brasileiros. Juscelino passa o cargo a Jânio Quadros no
final de janeiro de 1961. Seguem-se renúncia do presidente, instabilidade
política, golpe militar. Em junho de 1964, a ditadura cassa de JK o mandato de
senador e suspende seus direitos políticos. Por motivação eleitoral, sabe-se
hoje: era considerado imbatível nas eleições previstas para outubro do ano
seguinte. Seu slogan: "JK-65: cinco anos de agricultura para 50 de
fartura."
Vítima de
perseguição e acusações não comprovadas, amarga três anos de exílio e retorna
em 1967. Chega a ser preso em dezembro de 1968, durante o parto do sinistro Ato
Institucional nº 5. Tenta a vida empresarial, escreve livro de memórias.
Depois, compra tosca fazenda no cerrado bruto de Luziânia, perto de Brasília,
onde viveria seus dois últimos anos. No final da tarde cinzenta de 22 de agosto
de 1976, Juscelino morre. Mito em vida, vira saudade. Comoção nacional. Há quem
considere o desastre suspeito. Oficialmente, foi acidente de estrada.
Além do mar de
realizações, deixou lições fundamentais. Mostrou, por exemplo, que é indispensável
negociar, mas sem abrir mão de princípios. Escolher bem rumos e prioridades,
governar com a melhor equipe possível, não descuidar do social, não atrapalhar
o desenvolvimento do setor privado e sobrepor os interesses do Brasil a tudo.
Perseguir o sonho, mas com olhos atentos à viabilidade. JK é o poeta da ação -
reconheceu o adversário Afonso Arinos. Dizem em Minas que ele é o melhor
presidente que o Brasil já teve e Tancredo Neves o melhor presidente que o
Brasil não teve.
O Brasil
desenvolvido que JK tanto sonhou não se concretiza. Depois dele há muita
instabilidade econômica e turbulência política. Mudam os governos, as
prioridades, os métodos, os homens. Muita energia desperdiçada. Muda o país,
muda o mundo. Nos 21 anos de ditadura, o crescimento foi expressivo, mas o
projeto de Brasil-potência e o milagre econômico foram abatidos pela crise do
petróleo de 1973.
Lá fora despontaram
o fim da Guerra Fria e o fenômeno da globalização dos mercados, criando
oportunidades na integração mundial, mas também ameaças e riscos. Era o ocaso
do velho intervencionismo brasileiro. Aqui dentro veio o reencontro com a
democracia, mas não com o desenvolvimento sustentável. Mais liberdade, bastante
modernização, pouco crescimento. A economia de mercado se consolida,
indicadores sociais pioram, as questões ambientais se agravam e assim por
diante, exigindo políticas compensatórias e reformas nunca suficientes.
Por que o Brasil
sonhado por JK ainda não aconteceu? Questão superiormente complexa, polêmica,
difícil. Mas algo parece claro: ou o país cuida direito da educação ou nunca
vai chegar lá.
*Ronaldo Costa Couto é escritor,
economista e doutor em história pela Universidade de Paris-Sorbonne. Ocupou
quatro ministérios diferentes durante o governo do presidente José Sarney
(1985-1989).
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