quinta-feira, 26 de março de 2020

O negro

Produto de um maquinário social e técnico indissociável do capitalismo, de sua emergência e globaliza
cão, esse termo foi inventado para significar exclusão, embrutecimento e degradação, ou seja, um limite sempre conjurado e abominado. Humilhado e profundamente desonrado, o negro é, na ordem da modernidade, o único de todos os humanos cuja carne foi transformada em coisa e o espírito em mercadoria a cripta viva do capital. Porém e esta
é sua patente dualidade numa reviravolta espetacular, tornou-se o símbolo de um desejo consciente de vida, força
pujante, flutuante e plástica, plenamente engajada no ato de criação e até mesmo no ato de viver em vários tempos e várias
histórias simultaneamente. Sua capacidade de fascinação, ou mesmo de alucinação, não fez senão se multiplicar. Alguns nem sequer hesitariam em reconhecer no negro o limo da terra, o veio da vida, por meio do qual o sonho de uma humanidade reconciliada com a natureza, com a plenitude da cria
ção, voltaria a ganhar cara, voz e movimento.
Crítica da razão negra. Achille Mbembe