sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Repressão e tortura: o horror


por Alessandro Meiguins
“Contra a pátria não há direitos”, informava uma placa pendurada no saguão dos elevadores do prédio da Polícia Civil em São Paulo. Era o templo da “tigrada”, policiais e militares com ordem e permissão para matar, muitos sob o comando de Sérgio Paranhos Fleury. O delegado era violento. Começava estapeando, depois torturava e, se perdia a paciência, atirava mais de uma vez. Filho de legista, Fleury cresceu em delegacias. Desde os 17 anos estava na polícia. Fazia parte de uma unidade particularmente agressiva, a Delegacia de Roubos, quando foi “recrutado” pelo regime militar, em junho de 1969. O delegado viria a ser a peça-chave da Operação Bandeirante, a Oban. A missão era estratégica: criar um organismo que reunisse elementos das Forças Armadas, da polícia estadual e da Polícia Federal, para o trabalho específico de combate à subversão. Na prática, o núcleo reuniu os elementos mais radicais, corruptos e violentos dessas organizações. Fleury e sua trajetória são um retrato acabado do que se passou nos porões da ditadura brasileira. Contra o terror, investiu-se no horror.
A repressão não nasceu com o AI-5, mas foi com ele que viveu seu auge. Houve torturas e mortes desde os primeiros anos de governo militar. O Departamento de Ordem Política e Social (Dops), subordinado ao governo estadual, existia desde os anos 20. O Serviço Nacional de Informações foi criado em 1964. A Polícia do Exército torturou logo após o golpe. As manifestações de 1968 foram reprimidas com dureza. Só que o AI-5 foi entendido como licença para matar e, de fato, quem matou em nome do combate à subversão não foi incomodado nos anos seguintes.
Dizer que a máquina repressiva se organizou após 1968 é uma imprecisão por conta disso. E também porque a desorganização era o fundamento da lógica da repressão. O capitão torturador passava por cima do major, o delegado trabalhava contra o governador. Nesse sentido, a repressão subvertia a ordem mais do que os guerrilheiros. Isso não quer dizer que não houvesse cadeias de comando, mas que os porões criaram sua própria hierarquia – clandestina, com ramificações nos altos escalões e, no mínimo, sua conivência.
Fleury, por exemplo, teve plenos poderes ao chefiar a Oban. Quando se instalara no Dops, já levara com ele todo seu “Esquadrão da Morte”, um grupo de policiais envolvidos em esquemas de corrupção, proteção a traficantes, desvio de contrabandos. Um deles, conhecido como Fininho, carregava no chaveiro, como amuleto, a língua de um dedo-duro que metralhou. “Os comandantes militares sabiam que tinham colocado um delinqüente na engrenagem policial do regime”, diz Elio Gaspari no livro A Ditadura Escancarada, referindo-se a Sérgio Paranhos Fleury.
Quando o delegado esteve em alta, unidades policiais enviavam suspeitos para sua base, uma delegacia na rua Tutóia, no bairro do Paraíso. Atrás daquelas paredes, os presos viviam o inferno. As sessões de tortura desse período estão entre as piores de que se tem notícia, repletas de choques elétricos, afogamentos, palmatórias, queimaduras, espancamentos em pau-de-arara e estupros individuais e coletivos. Algumas vítimas se suicidaram anos depois. A influência do delegado ia além dos limites do estado. Em 1969, Fleury matou Carlos Marighella com ajuda do Centro de Informações da Marinha (Cenimar), que deteve no Rio padres que tinham ligações com o guerrilheiro e os ofereceu à tortura do delegado.
Nos quartéis, também ocorriam maus-tratos e mortes. Houve aulas de tortura, ministradas por oficiais. Os que se destacavam na repressão recebiam medalha cujo título seria irônico, não fosse o contexto macabro: Ordem do Grande Pacificador. Fleury recebeu a sua em 1971. Henning Boilesen, presidente da Ultragás que foi morto pela esquerda, também ganhou uma.
Para os altos escalões da República, a tortura tinha dois resultados práticos: obter informações sobre as atividades clandestinas da esquerda e exterminar seus participantes. O primeiro era visto como uma necessidade. O segundo, como acidente de trabalho. Mas é difícil acreditar que a morte da vítima fosse indesejada quando se olha a extensão dos ferimentos de alguns presos. Chael Charles Schreier, estudante de medicina que pertencia à VAR-Palmares e foi morto em 1969, tinha mais de 50 machucados. Seu queixo exibia um corte com cinco pontos. A cabeça sofrera hemorragia e havia sangue “em todos os espaços” do abdômen. O intestino fora rompido e dez costelas estavam quebradas, segundo relato de Elio Gaspari, que examinou a necropsia de Schreier e a qualifica como “a mais detalhada do regime”.
Fleury se destacou tanto em obter informações quanto em matar os esquerdistas – Marighella era seu maior troféu. A ofensiva de que participou em 1969 colocou a luta armada contra a parede e dizimou os guerrilheiros. Para isso, contou com um passo em falso dado pela esquerda no início do ano. Até 1968, o Exército se ressentia da falta de informação e fora surpreendido seguidamente por ações da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e da Ação Libertadora Nacional (ALN). Empolgada pelo sucesso de seus atentados, roubos a banco e justiçamentos, a VPR planejou atacar o Palácio do Governo paulista e o quartel do 2º Exército. Para isso, esperava a deserção de Carlos Lamarca, campeão nacional de tiro e capitão respeitado no 4º Regimento de Infantaria. Ele iria tomar seu quartel e fugir com 560 fuzis e dois morteiros. Mas o plano é descoberto, seus participantes são presos e Lamarca foge às pressas do quartel com 63 fuzis e uma Kombi – o ex-capitão morreria em 1971.
Após interrogatórios e torturas, os presos deram ao Exército um grande trunfo: conhecer a estrutura da VPR. Era a primeira vez que isso acontecia. Em pouco tempo, ocorreram dezenas de prisões e a organização foi desarticulada. Os presos levaram a integrantes de outras siglas. O Grupo Tático da ALNcaiu, com alguns dos militantes cercados pessoalmente por Fleury. Em Belo Horizonte, o Colina foi destroçado. No Rio, o MR-8 se desfez como pó.
Repressão vira o jogo
A repressão virou o jogo com menos de dois meses de AI-5. Passou à ofensiva e aperfeiçoou suas engrenagens. Cada Arma tinha um centro de informações que, a exemplo do Cenimar, ia a campo contra a subversão. Os Dops se ligaram à estrutura militar pela Oban, iniciada em São Paulo e exportada a outros estados. Em 1970, a Oban integrou-se aos DOIs e aos Codis, que eram regionais e pertenciam ao Exército. Cada órgão tinha agentes que seguiam pessoas, grampeavam telefones, analisavam interrogatórios e recolhiam boatos para “fichar” suspeitos. A repressão compôs dossiês de pelo menos 60 mil nomes. Todos os órgãos caçavam subversivos. Prender mais, matar mais, era motivo de disputa e status.
Essa estrutura precisava de dinheiro. Dados do Projeto Brasil: Nunca Mais indicam que a Oban receberia verbas até de multinacionais, como Ford e General Motors. “Na Federação das Indústrias de São Paulo, convidavam-se empresários para reuniões em cujo término se passava o quepe”, relata Gaspari.
No início da década de 70, a repressão exterminava terroristas e, ao mesmo tempo, ampliava seus alvos – uma forma de justificar sua própria existência. Gente sem vínculo com a guerrilha virou “suspeita de subversão” e foi tratada como “inimiga”. A cúpula do regime aplaudia, a julgar pela Lei Fleury, de 1973, feita para beneficiar o delegado, ao permitir que réus primários aguardassem julgamento em liberdade.
A repressão só iria se modificar em 1974. Pressões da sociedade e a desordem que os porões criaram na própria estrutura militar contribuíram para isso. Fleury então vira motivo de preocupação para o general Ernesto Geisel, ainda antes da posse. “É um bandidaço sem-vergonha”, definiu o general Golbery do Couto e Silva em conversa com o futuro presidente. Desvalorizada, a face mais cruel do regime mergulha na clandestinidade, onde se prolongaria até os anos 80, com ataques a jornais da imprensa alternativa e à Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo.
Fleury morreu em maio de 1979, por suposto afogamento, após cair de seu iate, em Ilhabela (SP). O comando da polícia paulista impediu que fosse feita autópsia no corpo.
 Como funcionavam os porões
As estratégiasdos agentes que torturavame matavam
CAPTURA
Ao descobrir a localização de um suspeito, a polícia o prendia no esconderijo ou na rua. Mas houve gente que foi solta legalmente para depois “sumir” ilegalmente
LAUDO FALSO
Médicos compactuaram com as torturas, forjando autópsias para vítimas que haviam morrido ou mantendo o preso em condições de falar durante interrogatórios
MAUS-TRATOS NA CELA
Choques elétricos e o pau-de- arara foram dois dos métodos mais usados pelos torturadores, que, quando agiam em delegacias, usavam os gritos das vítimas para aterrorizar os demais prisioneiros
GRAMPEADO
Agentes montavam dossiês sobre suspeitos, acompanhando suas atividades e conversas telefônicas, por meio de escuta ilegal. Todas as Forças tinham setor de informações
AULA DE TORTURA
Nos quartéis, houve casos isolados de aulas de tortura, ministradas por oficiais diante de platéias de dezenas de militares. Os presos eram tirados da celas e supliciados “ao vivo” para ajudar nas explicações
MÉTODOS RADICAIS
Espancamentos, palmatória e afogamentos também foram técnicas usadas nos maus-tratos. Contra mulheres, houve estupros individuais e coletivos. Um preso teve a boca presa a escapamento
DESOVA
Quando ocorria um “acidente de trabalho”, com a morte do preso, eram montadas falsas versões de tiroteio, cenas de suicídio ou o corpo era enterrado como indigente
MEDALHA
Militares e civis ganhavam medalha por serviços prestados à repressão. Fleury ganhou a sua. O nome parecia ironia: Ordem do Pacificador

sábado, 8 de setembro de 2012

O Brasil Colonial

A colonização portuguesa na América inicia-se, de fato, em 1530, quando chega às costas brasileiras a expedição de Martin Afonso de Sousa. Entre 1500 e 1530, Portugal limitou-se a reconhecer o litoral brasileiro , tentar defendê-lo de invasores e extrair a única riqueza aparente que a região parecia oferecer : o pau-brasil.
A extração do pau-brasil, portanto, será a atividade básica desse Período Pré-colonial. Concedida com exclusividade a alguns comerciantes, os quais deveriam mandar ao Brasil um número determinado de navios anualmente para recolher a madeira, a extração do pau-brasil utilizou como mão-de-obra os nativos do litoral, que recebiam mercadorias européias de baixo valor como remuneração ao trabalho de derrubada e transporte. Por ter sido uma atividade predatória e que deslocou-se por quase todo o litoral, ela não deu origem a núcleos de povoamento na colônia, mas a feitorias, que serviam como pontos de comércio.
Apesar das idas e vindas dos navios portugueses, a costa brasileira não se viu livre de estrangeiros, principalmente franceses, os quais contrabandeavam o pau-brasil. Com a concorrência de outros países no comércio com as Índias e o perigo de perder as terras brasileiras, Portugal resolve dar início, em 1530, à colonização de fato, ocupando o território e fazendo-o produzir em benefício da metrópole.
A ocupação e administração do território
Portugal, contudo, como Estado mercantilista, não tinha como objetivo aplicar seus recursos na colonização, devendo atrair para a colônia pessoas enriquecidas que estivessem interessadas em investir e defender o território, além de fazê-lo produzir artigos lucrativos para a metrópole.
Para tanto, em 1532, Portugal dividiu o território brasileiro em faixas de terra horizontais, denominadas Capitanias Hereditárias, as quais foram sendo doadas a pessoas endinheiradas por meio de dois instrumentos legais : a Carta de Doação e o Foral. Pelo primeiro, a pessoa que recebia a terra, o donatário, assumia, em nome do Rei, a posse da terra, devendo administrá-la segundo os interesses metropolitanos; pelo segundo, ficavam estabelecidos os critérios econômicos da exploração da terras, sendo que alguns produtos eram monopólio real, e sobre outros o donatário recebia um percentual sobre sua venda. Aos donatários cabia também a tarefa de doarem sesmarias, extensas faixas de terra em suas capitanias, com o objetivo de atrair colonos para o Brasil.
Esse sistema descentralizado, contudo, não deu os resultados esperados, pois foram poucas as capitanias que prosperaram e reduzido o lucro metropolitano. Em 1548, Portugal cria o Governo-Geral, buscando, ao mesmo tempo, auxiliar os donatários e fiscalizar mais de perto a colônia, reduzindo os poderes administrativos dos donatários.
Conforme as capitanias iam progredindo e iam aparecendo vilas, nelas eram criadas as Câmaras Municipais, responsáveis pela administração local e pela intermediação entre os interesses metropolitanos e os coloniais. Desses órgãos faziam parte os homens bons, proprietários de terras e escravos.
Até o século XVIII, a ocupação do território brasileiro limitou-se ao litoral e à construção de fortes e missões religiosas ao longo do rio Amazonas.

Tornando a colônia lucrativa
Somente a ocupação do território brasileiro não satisfazia os interesses mercantilistas portugueses: era necessário que ele servisse como economia complementar àquela de Portugal, produzindo artigos lucrativos para a metrópole. É nesse sentido que a economia colonial estará sempre voltada para um objetivo externo, produzindo açúcar, tabaco, drogas do sertão e metais preciosos, dentre outros.
A produção açucareira no Brasil colonial seguiu o modelo da plantation, e concentrou-se principalmente no litoral nordestino. Contando com investimentos holandeses, o açúcar brasileiro passava, ainda na colônia, por um semi-processamento em moldes manufatureiros, sendo depois vendido a comerciantes portugueses, os quais, por sua vez, vendiam-no aos holandeses, os únicos que detinham a tecnologia do refino, e que acabavam por ficar com os maiores lucros.
Quando o trono português ficou vago e passou a ser ocupado por monarcas espanhóis - a União Ibérica - a Espanha proibiu o comércio com os flamengos, levando às invasões holandesas ao território brasileiro. Permanecendo por 24 anos no litoral nordestino, os holandeses desenvolveram a região e, ao serem expulsos, trataram de produzir açúcar em algumas ilhas antilhanas, passando a fazer concorrência ao produto brasileiro. Apesar disso, o açúcar foi , durante todo o período colonial, o principal produto de exportação brasileiro.
No século XVIII, a descoberta de ouro no interior da colônia solucionou os graves problemas pelos quais Portugal então passava, o que deu origem a uma política fiscalista e tributária intensa. Sobre a produção aurífera recaíam numerosos impostos e foram criados órgãos especiais para seu controle. Ao contrário do que havia ocorrido na região açucareira, contudo, a atividade mineradora deu origem a numerosos núcleos urbanos e a uma sociedade mais diversificada, contando, além de mineradores e escravos negros, de grupos médios como comerciantes, profissionais liberais e funcionários públicos, dentre outros.
O trabalho na colônia
Assim como os espanhóis, os primeiro portugueses a ocuparem a colônia brasileira tinham como objetivo utilizarem-se da mão-de-obra nativa, o que reduziria bastante os custos de produção. A reduzida população indígena brasileira e sua dispersão pelo território, contudo, dificultaram tal propósito, o que facilitou a pressão portuguesa no sentido de que os colonos utilizassem escravos africanos.
Essa opção se explica pela elevada lucratividade que o comércio de escravos africanos gerava tanto para a metrópole, sob a forma de impostos, quanto para os comerciantes metropolitanos, já que os negros eram trocados por mercadorias de baixo valor nas costas africanas. Por outro lado, contando com o auxílio da Igreja Católica, presente na colônia com numerosos religiosos, a escravidão do indígena foi proibida, embora estes fossem utilizados sob formas compulsórias de trabalho, desafiando as ordens metropolitanas.
A mão-de-obra livre também foi utilizada na colônia, mas em menor proporção e vinculada, em geral, a atividades destinadas ao mercado interno, como a pecuária, o comércio e a pequena produção agrícola.
É bom lembrar que a escravidão no Brasil, que durou até 1888, foi sempre marcada pela violência, embora existissem formas diversas de trabalho escravo, como os negros de ganho , e, ainda, a brecha camponesa, que permitia à escravaria obter excedentes agrícolas em terrenos cedidos para seu uso pelos senhores.
 

O Império Brasileiro



A história do Brasil independente inicia-se pela fase imperial, dividida tradicionalmente em três períodos: o Primeiro Reinado ou Primeiro Império, o Período Regencial e o Segundo Reinado ou Segundo Império.
O Primeiro Reinado (1822-1831)
O Primeiro Reinado representa o momento de ajustamento do Brasil à sua condição de país independente. Nesse sentido, era necessário, em primeiro lugar, que o país se organizasse em torno do sistema político previamente escolhido entre as elites e D. Pedro - a Monarquia .
A organização da Monarquia brasileira foi fruto de um intenso debate entre o chamado “grupo português “, constituído por portugueses que permaneceram no Brasil após a Independência e que defendiam a concentração de poderes na figura de D. Pedro I, e o “grupo brasileiro”, formado por membros da elite brasileira que desejavam preservar para si o poder político, conforme havia sido negociado no 7 de setembro.
Derrotados nesse debate, o “grupo brasileiro” foi obrigado a aceitar a imposição de uma carta constitucional - a Constituição de 1824 - que, dentre outras características, foi elaborada por um grupo de pessoas ligadas a D. Pedro e outorgada à Nação, na qual, além dos 3 poderes de praxe, foi inserido um quarto, o Poder Moderador, de uso exclusivo do Imperador e que concedia-lhe a faculdade de intervir em qualquer um dos outros. Com isso, o regime monárquico brasileiro pouco se diferenciava, em essência, de um absolutismo de via constitucional.
Contra essas atitudes autoritárias do Imperador foi desencadeado um movimento separatista no Nordeste, liderado por Pernambuco, conhecido como Confederação do Equador. De inspiração republicana, o movimento reuniu parcelas da elite nordestina e foi violentamente reprimido , demonstrando, mais uma vez, o autoritarismo de D. Pedro I.
A crise econômica pela qual o país passava, explicada pela redução nas exportações de açúcar e pela ausência de um produto agrícola que pudesse substituí-la, aumentou ainda mais o descontentamento dos brasileiros em relação a D. Pedro, fazendo com que , em abril de 1831, ele abdicasse ao trono brasileiro e retornasse a Portugal, deixando seu primogênito e herdeiro, D. Pedro de Alcântara, com cinco anos de idade, no Brasil.
O Período Regencial
Como previsto na Constituição, dada a menoridade de D. Pedro, o governo brasileiro deveria ser exercido por Regentes escolhidos entre os membros da Assembléia. De 1831 a 1835 foram instaladas duas regências trinas, e após 1835, duas regências unas.
O traço mais característico desse período foi a eclosão de inúmeras revoltas por todo o país, colocando em risco a sua integridade territorial. Embora originadas de questões locais, essas revoltas tiveram em comum o fato de expressarem o descontentamento das classes populares com sua exclusão da vida política, com as péssimas condições econômicas do país e os interesses de facções da elite em assumirem o poder local.
Além disso, o Período Regencial ficou também marcado pela intensa disputa política em torno de um tema que até hoje agita o país: o debate em torno de uma orientação federalista, com ampla autonomia provincial como nos Estados Unidos, ou a organização do Estado brasileiro de forma centralizada, com o poder vinculado às decisões do Executivo. Defensores de uma ou outra posição acabaram por constituir as primeiras organizações partidárias brasileiras, as quais transformaram-se, mais tarde, em Partido Liberal e Partido Conservador.
A intensa agitação política que assolava o país acabou por colocar a elite proprietária numa posição de vulnerabilidade. Para superá-la, representantes do Partido Liberal ofereceram a D. Pedro de Alcântara a antecipação de sua maioridade caso ele resolvesse assumir o trono de imediato. Com a anuência do soberano, a regência chegava ao fim e iniciava-se o Segundo Império.

O Segundo Reinado (1840 - 1889)
Ao contrário do Período Regencial, o Segundo Reinado foi um período de maior tranqüilidade política , possibilitada, por um lado, pela expansão econômica por meio da produção cafeeira, e por outro pela conciliação política, em razão da organização do poder sob a forma do Parlamentarismo às avessas. Esse sistema parlamentar, colocado em prática após o final da Revolta Praieira, em 1848, levou o apelido de “às avessas” por funcionar ao contrário do modelo inglês. Enquanto na Inglaterra a figura do soberano é simbólica, e quem governa, de fato , o país é o Primeiro-Ministro, escolhido pelo partido majoritário no Parlamento, no Brasil era o Imperador quem escolhia o Primeiro-Ministro e depois eram realizadas as eleições legislativas.
Para evitar disputas, D. Pedro II revezava no cargo de Primeiro-Ministro políticos tanto do Partido Liberal quanto do Conservador, fato que revela também as poucas diferenças entre as duas agremiações.
No campo econômico, a expansão cafeeira foi a responsável pelo enorme crescimento que o país conheceu, tornando-se, inclusive, o maior exportador mundial do produto. O cultivo do café iniciou-se na região do Vale do Rio Paraíba do Sul, na Província do Rio de Janeiro, e estendeu-se, após 1860, para São Paulo, aonde encontrou terras mais férteis e modernizou-se. As riquezas geradas pelo café, entretanto, aumentaram a dependência brasileira em relação ao exterior, já que o país como um todo dependia do mercado externo para a geração de riquezas.
Essa expansão , contudo, obrigou a que os fazendeiros buscassem cada vez mais mão-de-obra escrava negra, e essa situação chocou-se com os interesses e a pressão inglesa em por fim, em definitivo, ao tráfico de escravos. Com a promulgação da Lei Euzébio de Queirós, em 1850, que proibia a entrada de novos escravos no país, os grandes proprietários foram obrigados a recorrer à imigração européia, diversificando a estrutura social e abrindo espaço para o debate abolicionista. Por outro lado, no mesmo ano, foi promulgada a Lei de Terras, que, ao obrigar a compra de terras devolutas e proibir sua doação, dificultou o acesso à propriedade por parte desses imigrantes, que permaneceram como mão-de-obra livre assalariada.
A Crise do Império
A partir de 1870, contudo, o Império começa a enfrentar problemas internos, que farão com que suas bases de apoio se vejam limitadas, abrindo caminho para a proclamação da República.
O primeiro desses problemas foi decorrente da campanha abolicionista, que a cada dia atraía um maior número de defensores, levando o governo imperial a adotar um abolicionismo gradual : depois da Lei Euzébio de Queirós, foram promulgadas a Lei do Ventre Livre, em 1871, a Lei dos Sexagenários, em 1885 e a Lei Áurea em 1888. Essa política “ a conta gotas “ acabou por colocar contra o Império tanto os abolicionistas, que desejavam uma libertação rápida, quanto os escravistas, que exigiam do governo indenizações que pudessem repor seus investimentos em escravos.
A Guerra do Paraguai, ou Guerra de Tríplice Aliança, foi outro episódio que provocou inúmeros desgastes à Monarquia. Travada entre Argentina, Uruguai e Brasil contra o Paraguai, entre 1865 e 1870, a Guerra exigiu do Brasil custos extremamente elevados, além da promessa de libertação aos escravos que se alistassem e dela participassem. Por outro lado, os militares brasileiros que participaram da Guerra, ao entrarem em contato com colegas dos outros países, constataram o grande poder que as Forças Armadas possuíam naquelas nações e ao retornarem ao Brasil vitoriosos, passaram a exigir do Imperador uma participação direta nos negócios de governo, no que foram impedidos.
Junto a esse quadro, desde 1870 uma facção do Partido Liberal havia fundado o Partido Republicano, que passou a defender publicamente a causa , sendo apoiado por grupos médios como profissionais liberais, estudantes, intelectuais, e fazendeiros do Oeste Paulista, interessados num sistema político menos conservador e centralizador.
Desse conjunto de descontentamentos é que se explica o fim do regime imperial brasileiro, que teve como episódio-marco o golpe militar de 15 de novembro de 1889. Militares liderados pelo Marechal Deodoro da Fonseca acabam por depor o Imperador e anunciar o novo regime republicano, sem, contudo, contar com a participação popular. Segundo uma frase famosa da época, “o povo assistiu bestificado...” .
Fonte: ?  

O "Milagre Econômico" da Ditadura


Um milagre para poucos  
Durante o período de maior repressão no regime militar, os indicadores mostravam uma economia saudável e em ritmo de crescimento acelerado no Brasil. O País vivia o momento mais próspero em termos de crescimento. O milagre econômico, que teve início em 1969 e auge em 1973, foi conduzido pelo general Emílio Garrastazu Médici.

O ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto, era chamado de “czar da economia”. A classe média era adulada com os bons indicadores e com o enriquecimento do País a olhos vistos. O milagre era uma moeda-de-troca: o governo oferecia prosperidade no lugar de liberdade individual e política.

O País chegou a crescer 7% ao ano, mas o preço disso foi alto. A conta seria cobrada nas décadas seguintes. Por causa do autoritarismo na condução da política econômica – que atendeu aos interesses imediatos dos generais de manter uma “ilha de prosperidade num mar de depressão” –, o Brasil não pisou no freio no momento em que a economia mundial se recolhia em conseqüência da crise do petróleo. O resultado disso foi um endividamento externo enorme, que transformou os anos 80 em “década perdida”.

Logo após o golpe de 1964, quando os militares derrubaram o presidente João Goulart e o marechal Castelo Branco assumiu o poder, a economia brasileira estava em crise. A inflação era crescente e o País precisava de um ajuste, feito em quatro anos pelo novo regime. “É mais fácil exigir sacrifícios quando você tem um governo forte do que quando se está numa democracia. O governo militar não precisava explicar nada para ninguém, era só fazer o ajuste”, afirma Jorge Nogueira, chefe do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB).

Economia ajustada, chegou a hora de crescer. O foco do governo era o investimento na infra-estrutura. Os setores de telecomunicações, energia elétrica e petroquímica se desenvolveram. O governo incentivava o consumo, com financiamentos de até 60 meses. “Com as decisões rápidas e fechadas do governo militar, o Brasil cresceu rápido como um foguete”, diz Jorge Nogueira.

Política econômica foi “mãe” da classe média

A política econômica da ditadura privilegiou alguns setores. Empresários que apoiavam o regime militar receberam incentivos. De um modo geral, a situação econômica melhorou para todos, mas de forma desigual. A classe média cresceu. Ricos ficaram muito mais ricos. Pobres ficaram apenas menos pobres. Segundo o professor da UnB, o regime militar estimulou a desigualdade. A classe média foi a “filha querida” do governo.

O entusiasmo com o bom desempenho da economia fez com que o governo militar tomasse a decisão errada quando o mundo enfrentou a primeira crise do petróleo. No final de 1973, o preço do barril do petróleo subiu excessivamente. Em 1979, houve outro choque nos preços do combustível. Todos os países retraíram sua economia, com exceção do Brasil. O grande problema é que o País precisa de capital externo para continuar crescendo. Como não havia mais investimentos, o governo optou pelos empréstimos.

“Os militares, dentro de uma euforia, resolveram manter o desenvolvimento tomando emprestado os chamados petrodólares, que estavam abundantíssimos e a juros baixos”, conta João Paulo de Almeida Magalhães, integrante do Conselho Federal de Economia e pesquisador do Instituto de Estudos Políticos e Sociais. Mas os juros eram flutuantes e ficaram muito altos. “O País ficou muito vulnerável. O aumento das taxas de juros internacionais fez a dívida explodir e o Brasil parar de crescer”, afirma Paulo Vizentini, historiador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O final do governo militar ficou marcado pela crescente dívida externa e inflação galopante. Além da responsabilidade de redemocratizar o País, o governo civil herdou uma economia decadente, distante do milagre vivido anos antes.

Enquanto os brasileiros comemoravam o fim da ditadura no País, em 1985, a equipe econômica do presidente José Sarney se preocupava com o controle da inflação. Ao assumir a Presidência, depois da morte do presidente Tancredo Neves, Sarney lançou o Plano Cruzado e congelou preços e salários.

 
Jornal Estado de Minas, 28 de março de 2004.

Documentos sobre o Regime Militar


1-      Judas – o Dedo duro

De todas as violências e ilegalidades postas em pratica pela quartelada de 1o de abril, a mais repugnante, a mais abjeta é a oficialização e a santificação da delação(...).
(...)Delatar um colega de trabalho, aponta-lo aos algozes de hoje porque ele pensa diferente de nós – não é um ato digno de um homem, e muito menos de um democrata. A oficialização da delação é a arma predileta e inseparável dos regimes de força. Quem melhor se utilizou dela foram nomes recentes para o nosso repúdio: Hitler, Mussolini.
Mas é preciso que haja resistência. Os inquisidores irão embora, a inquisição passará. Mas ninguém esquecerá o delator, ninguém perdoará a delação. Lembro o símbolo universal da Traição: Judas .(...)
CONY, Carlos Heitor. Judas – o dedo-duro. Correio da Manha, 14 de maio 1964.

 

2-      A tortura durante o regime militar(1969)

(...)alguns métodos de tortura consistem na aplicação de choques elétricos em várias partes do corpo, inclusive órgãos genitais e até na língua; no “telefone”(tapas simultâneos nos ouvidos); no “pau-de-arara”(onde a vítima é amarrada e espancada); as pancadas nas plantas dos pés, que raramente deixam marcas; a prisão em “surdas”, que são solitárias de 2 m por 1,20 . Outras violências consistem em deixar presos políticos em celas congestionadas com presos comuns e submeter a interrogatórios  que devem chegar até quarenta horas seguidas. Outros suplícios são o “caldo”, que consiste em submergir o preso ou quase sufoca-lo com grande quantidade de águas nas narinas(...).
Veja, n.65, 3 dez.1969, p.23

3-      O governo responde sobre a tortura(1970)

Há “uma campanha difamatória montada(...) por aqueles que não se conformam  com o desenvolvimento brasileiro(...). Paradoxalmente(...) quanto mais acelera o país sua taxa de crescimento, aumentando exportações(...), construindo escolas e hospitais, observa-se que mais se acentua a atividade soez(vil) de denegrimento do Governo. (...) Não há tortura em nossas prisões. Também não há presos políticos. (...) Há porém, terroristas(...), que respondem a processo regular pelos crimes que praticaram, matando pessoas indefesas, assaltando bancos e particulares e seqüestrando diplomatas.”
NOTA oficial do governo, 9 de maio de 1970.

 


Músicas de Protesto

4-  Cálice


Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice 
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
REPETE
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
REPETE
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
REPETE
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
REPETE
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça 
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça

5-  Apesar de Você


Hoje você é quem manda, falou, tá falado, não tem discussão, não
A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado e inventou de inventar toda a escuridão
Você que inventou o pecado esqueceu-se de inventar o perdão
Apesar de você, amanhã há de ser outro dia
Eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia
Como vai proibir quando o galo insistir em cantar
Água nova brotando e a gente se amando sem parar
Quando chegar o momento, esse meu sofrimento vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido, esse grito contido, esse samba no escuro
Você que inventou a tristeza, ora, tenha a fineza de desinventar
Você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada nesse meu penar
Apesar de você, amanhã há de ser outro dia
'Inda pago pra ver o jardim florescer qual você não queria
Você vai se amargar vendo o dia raiar sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir, que esse dia há de vir antes do que você pensa
Apesar de você
Apesar de você, amanhã há de ser outro dia
Você vai ter que ver a manhã renascer e esbanjar poesia
Como vai se explicar vendo o céu clarear de repente, impunemente
Como vai abafar nosso coro a cantar na sua frente
Apesar de você
Apesar de você, amanhã há de ser outro dia
Você vai se dar mal, et cetera e tal, laraia, laraia ...

6- Meu caro amigo

Meu caro amigo me perdoe por favor
Se não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nesta fita
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n roll
Uns dias chove noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer
Que a coisa aqui está preta
Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
Que a gente vai tomando que também sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que eu não posso me furtar
A lhe contar as novidades
É pirueta pra cavar o ganha-pão
Que a gente vai cavando só de birra, só de sarro
E a gente vai fumando, que também sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo eu quis até telefonar
Mas a tarifa não tem graça
Eu ando aflito pra fazer você ficar
A par de tudo que se passa
**Refrão**
Muita careta pra engolir a transação
E a gente tá engolindo cada sapo no caminho
E a gente vai se amando, que também sem um carinho
Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever
Mas o correio andou arisco
Se me permitem vou tentar lhe remeter
Notícias frescas neste disco(...)
 

7- Roda Viva


Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...
Roda mundo roda gigante
Roda moinho, pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá
A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá
O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...

Alegria, alegria

Caminhando contra o vento,
Sem lenço, sem documento
no sol de quase dezembro eu vou.
O sol se reparte em crimes,
espaçonaves, guerrilhas,
em Cardinales bonitas, eu vou.
Em caras de presidentes,
em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras,
bomba e Brigite Bardot
O sol nas bancas de revistas
me enche de alegria
e preguiça, que lê tanta notícia, eu vou.
Por entre fotos e nomes
os olhos cheios de cores
o peito cheio de amores vãos.
Eu vou, por que não? Por que não?
Ela pensa em casamento
eu nunca mais fui à Escola
Sem lenço, sem documento, eu vou.
Eu tomo uma coca-cola
ela pensa em casamento
E
uma canção me consola, eu vou.
Por entre fotos e nomes
sem livros e sem fuzil
sem fome, sem telefone
no coração do Brasil
Ela nem sabe até
pensei em cantar na televisão
O Sol é tão bonito,
eu vou sem lenço, sem documento,
nada no bolso ou nas mãos.
Eu quero seguir vivendo amor!
Eu vou, por que não?
Por que não?
Por que não?...

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A ditadura apresenta as suas armas


por Carla Aranha
A ditadura começou mansa. Envergonhada, na definição do jornalista Elio Gaspari, que escreveu sobre o período. Lideranças civis que apoiaram o golpe acreditavam que os militares sairiam de cena com a mesma facilidade com que deixaram a caserna para entrar na vida política. Os próprios golpistas tentavam ostentar verniz democrático. Preferiam ser chamados de revolucionários. O Congresso continuou funcionando, embora expurgado dos políticos inconvenientes ao regime, e houve a preocupação de redigir uma Constituição que justificasse a nova ordem. Mas não se colocam tanques nas ruas impunemente, e não tardou para que o autoritarismo apresentasse suas armas.
Tudo começou pela violação de direitos políticos. Já em abril de 1964, foram cassados 41 deputados federais, 29 líderes sindicais, 122 oficiais das Forças Armadas simpáticos a João Goulart e várias personalidades públicas, como o antropólogo Darcy Ribeiro – então reitor da Universidade de Brasília –, o economista Celso Furtado e o ex-presidente Jânio Quadros. Em breve, nem o ex-presidente JuscelinoKubitschek escaparia. Tratava-se de suspender, por até dez anos, o direito de ocupar cargo público, assim como o de votar e ser eleito. Os funcionários públicos que foram considerados ameaça à “segurança do país” foram demitidos. Os expurgos atingiram em cheio as Forças Armadas, que teve quase 3 mil integrantes punidos em 1964.
Eleição indireta
A perseguição política estava amparada pelo Ato Institucional número 1 (AI-1), assinado em 9 de abril pela Junta Militar que governou provisoriamente o país, formada pelo vice-almirante Augusto Grünewald, da Marinha, o tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia Melo e o general Arthur da Costa e Silva – que, anos depois, viria a ser presidente. O AI-1 também determinou a “eleição” do novo presidente de forma indireta. O escolhido para o cargo foi o general Humberto de Alencar Castello Branco, empossado em 15 de abril para um governo que ficaria marcado por um estilo mais vacilante do que propriamente brando.
Também houve as prisões e as torturas. Documentos do Departamento de Estado dos Estados Unidos mencionam 5 mil detenções feitas em poucas semanas após a derrubada de Jango. No balanço de 1964, nada menos que 203 denúncias de maus-tratos foram registradas. No ano seguinte, o presidente Castello Branco baixou o Ato Institucional número 2, instituindo que os processos políticos seriam julgados, daí em diante, pela Justiça Militar. “Deu-se assim o primeiro grande passo no processo de militarização da ordem política nacional”, sustenta Elio Gaspari, no livro A Ditadura Envergonhada. Os tribunais não escaparam dos expurgos, contribuindo para deixar a Justiça nas mãos de parceiros do regime.
O AI-2 também acabava com os partidos existentes. O governo obrigou todos os políticos a se enquadrarem em duas novas legendas: a Arena (Aliança Renovadora Nacional), pró-ditadura, que recebeu os quadros da UDN, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), no qual se agruparam os restos de PTB e PSD. “Com vários deputados de centro e esquerda cassados, na prática quem dava as cartas era o governo, ou seja, a Arena”, afirma o historiador Jorge Ferreira, da Universidade Federal Fluminense. As cassações de parlamentares prosseguiram em 1965 e 1966. Em outubro de 1966, a situação chega a tal ponto que até as moderadas lideranças do Congresso reclamam desse expediente, por considerá-lo exagerado. Em represália, Castello Branco decreta recesso parlamentar por um mês.
O mandato de Castello Branco iria até 1967, e o fechamento do Congresso deixa claro que a Casa, desfigurada e de mãos atadas, irá apenas referendar a escolha de um sucessor militar. Outro mau sinal nessa direção tinha sido o AI-3, editado no início do ano, que estipulava eleições indiretas também para governador. “Se em 1964 ainda se tentava segurar um pouco a linha dura dos militares e dar uma aparência de legitimidade ao novo governo, em 1966 a ditadura já começava a mostrar que iria endurecer”, diz Ferreira.
No final do ano, os brasileiros conheceram mais um AI, o número 4, feito só para obrigar os deputados a se reunirem às pressas, até janeiro de 65, para que fosse aprovada uma nova Constituição – na verdade, pronta há seis meses. O novo texto só entrou em vigor em 15 de março de 1967 – data em que tomou posse um novo presidente, escolhido entre os militares e incensado pelo Congresso, o general Arthur da Costa e Silva.
Nada disso chegou a intimidar demais a oposição, na avaliação de Jorge Ferreira. “Naquela época ainda se acreditava que a democracia pudesse voltar ao país em pouco tempo”, comenta o historiador. Figuras de expressão no tempo dos civis, como o ex-presidente Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda e João Goulart, no exílio, confabularam no segundo semestre de 1967 para criar uma aliança contra o governo militar, a Frente Ampla. Meses depois, em março de 1968, a iniciativa é declarada ilegal.
Na mesma época, a esquerda começava a pegar em armas. Com a ajuda de Cuba, Leonel Brizola prepara vários grupos para ação armada, que não vão adiante. Mais efetiva é a ação da Ação Libertadora Nacional (ALN), que é criada pelo líder comunista Carlos Marighella e por estudantes, no final de 1967. A organização faz os primeiros assaltos a banco para arrecadar fundos para o movimento, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Era um início tímido. “A esquerda, os intelectuais e os estudantes ainda não haviam se dado conta de que a ditadura não iria largar o osso”, diz Jorge Ferreira.
Combate à inflação
Na economia, o governo militar fez grandes mudanças logo que assumiu. Os ministros Roberto Campos, do Planejamento, e Otávio Bulhões, da Fazenda, criaram um plano para controlar a inflação, que chegava a 80% ao ano. Também fizeram uma reforma tributária e outra administrativa inéditas. “A dupla Campos-Bulhões unificou os impostos, o que representou mais arrecadação para o governo federal”, explica o economista Frederico Lustosa, da Fundação Getúlio Vargas, do Rio. Nessa época ainda foram introduzidos os planos de orçamento do governo, outra inovação, e um sistema unificado de Previdência – até 1964, eram os sindicatos que, pela contribuição mensal dos trabalhadores, garantiam a aposentadoria de cada categoria. “Foram reformas positivas”, opina Lustosa. É uma opinião controversa. José Maurício Soares, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), é um dos que discordam. “Começou em 1964 a política de achatamento do salário mínimo como forma de conter a inflação, segurando a emissão de dinheiro”, relata. “A concentração de renda, um dos maiores problemas do Brasil hoje, também teve início aí, com os empresários e investidores das bolsas ganhando mais, pois o país crescia, e os trabalhadores ganhando menos”, analisa.
Segundo números do Dieese, o salário mínimo de 1964 seria hoje equivalente a R$ 823; em 1965, caiu para R$ 793; em 1966, para R$ 676,76. Depois, em 1967, foi para R$ 640. No ano do AI-5, o salário mínimo já tinha baixado para o que, atualmente, representaria R$ 626. “Se muita coisa mudou na economia, a meu ver nocivamente, na política também era uma surpresa depois da outra”, comenta Soares, que em meados dos anos 60 estava terminando o segundo grau.
A verdade é que a semente da ditadura violenta que se instalaria em 1968 foi plantada em 1964 e germinou nos anos seguintes. Uma frase do preâmbulo do AI-1 é reveladora desse processo: “A revolução legitima-se a si própria”.

Congresso é fechado pela primeira vez
Para manter aparências,militares só suspenderam trabalho sem fases excepcionais
Durante toda a ditadura, o Congresso só foi formalmente fechado em três períodos. O primeiro começou em 20 de outubro de 1966 e teve ares de escândalo, com o plenário sendo invadido por forças militares do governo Castello Branco dias antes. Essa suspensão foi até 22 de novembro de 1966. Após a decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, o Parlamento foi novamente fechado. Até 21 de outubro de 1969, a Casa não voltou a funcionar. A terceira suspensão foi entre 1º e 14 de abril de 1977, para a edição de um pacote de medidas eleitorais que visava garantir a vitória dos candidatos do governo. Para gerir o país de forma arbitrária, os governos militares usaram as cassações e a legislação que era editada sem passar pelo Congresso. A idéia era tentar manter uma fachada democrática. “Mesmo aberto, o Congresso funcionava de forma canhestra, porque só havia dois partidos e o governo é que legislava, por meio dos decretos-leis e atos institucionais”, diz o historiador Jorge Ferreira.
Vista grossa para torturas
Mesmo antes doAI-5, até as mortesficaram sem punição
Até o final de 1968, ano do AI-5, a tortura ainda não tinha se tornado praxe nos cárceres brasileiros. “Ela já começava a ser praticada, mas não com a freqüência do final dos anos 60 e começo dos 70”, diz o historiador Jorge Ferreira, da Universidade Federal Fluminense. Entre 1964 e 1968, foram torturados e mortos 34 opositores do regime. Sabe-se até quem foi o primeiro torturado: o líder comunista pernambucano Gregório Bezerra, que no dia 2 de abril foi preso, arrastado pelas ruas de Recife, amarrado em um jipe e depois espancado por um oficial do Exército com uma barra de ferro. Como ainda havia alguma liberdade de imprensa, os jornais trataram de colocar a boca no mundo, em reportagens sobre o caso de Bezerra e outros semelhantes. O jornalista Carlos Heitor Cony, que à época trabalhava no jornal O Globo, no Rio, lançou-se em 1964 em uma campanha contra a tortura. O governo se incomodou com as denúncias, e Castello Branco decidiu enviar o general Ernesto Geisel, então chefe do Gabinete Militar, em viagem de averiguação por vários estados brasileiros. “A viagem teve ao menos o mérito de paralisar as torturas”, afirmou o jornalista Márcio Moreira Alves, em seu livro Torturas e Torturados, de 1966. Mas como os torturadores não foram punidos, sentiram-se apoiados pelos superiores, analisa o jornalista Elio Gaspari em A Ditadura Envergonhada.
Fonte: http://historia.abril.com.br/politica/ditadura-apresenta-suas-armas-434186.shtml

O REGIME MILITAR


Márcio Ramos

O regime militar instaurado em 1964 estendeu-se por 21 anos, nos quais a presidência da republica foi ocupada sucessivamente por generais do exército. Foi um período de forte repressão social, onde os militares impuseram à força o seu sistema de governo.
            O país começou a ser governado pelos atos institucionais, que eram as decisões das juntas militares.  Já no Primeiro, o AI 1 foi realizada a suspensão das garantias constitucionais e estabelecimento de prazo de 60 dias para cassar mandatos e direitos políticos . No governo de Castelo Branco (1964-67) foram instalados outros atos:  Promulgação do AI2 :
-         presidente poderia intervir nos estados e municípios
-         eleições indiretas para presidente
-         instalação do bipartidarismo – Arena (conservadores ,  direita , apoio aos militares ) e MDB
       Promulgação do AI3 : eleições indiretas para governador ate 1974.
       Promulgação do AI4 : normas para a elaboração de uma nova constituição .
            Em 1967 Costa e Silva foi eleito por eleições indiretas presidente da Republica. Do grupo militar da linha dura, ele promulga a Constituição de 1967, que possuía as características seguintes: eleição indireta para presidente, somente ao executivo cabe a proposta de leis, manutenção do decreto lei, ampliação da intervenção nos Estados,direito do presidente decretar estado de sitio,mantém o foro militar para o julgamento de civis .
       As manifestações estudantis e greves  voltam a ocorrer de forma intensa, criticando o autoritarismo e  o arrocho salarial . A resposta do governo foi o fechamento do Congresso e a  decretação do AI5.
       O AI-5 previa dentre outras coisas o fechamento do legislativo, a suspensão dos direitos políticos e garantias constitucionais e a possibilidade de o presidente decretar o estado de sítio sem autorização do congresso. Além disso foi imposta a  pena de morte e prisão perpetua para crimes políticos.
        A perda da liberdade de expressão acabou por fazer surgir vários movimentos sociais e culturais que questionavam o poder militar e lutavam para derrubá-lo. Vários grupos musicais e cantores através de suas músicas criticavam o governo, como, por exemplo, Chico Buarque, Geraldo Vandré e o grupo Tropicália. Os estudantes de todo o país se uniram à vários intelectuais brasileiros para pedirem o retorno à democracia. Greves surgiram em várias cidades brasileiras. Os militares começaram a utilizar a tortura  e várias atrocidades como forma de contenção do movimento.
       De 1968 a1974 o Brasil foi governado pelo general Emílio Garrastazu Médici, que continuou a repressão aos movimentos sociais. Vários intelectuais e artistas tiveram que se exilar, deixando o país. Outros foram presos. A luta contra o regime assume a forma de guerrilhas armadas, com vários grupos tentando desestabilizar o governo. Um exemplo foi a Guerrilha do Araguaia, que foi organizada pelo PC do B no meio da floresta Amazônica.
Na área econômica o país passou por um rápido crescimento, no chamado “milagre econômico brasileiro”. O milagre deveu-se ao ingresso maciço de capital estrangeiro, o que provocou o aumento de nossa divida externa, e a concentração de rendas nas mãos da elite empresarial. O ministro Delfim Netto dizia que o povo deveria esperar o bolo econômico crescer, para depois dividi-lo.Foi o momento em que varias empresas multinacionais chegaram ao país, atraídas pela infra-estrutura e pelos baixos salários pagos aos trabalhadores. A classe média pôde atingir seus objetivos de consumo, com o surgimento de vários eletrodomésticos, do aumento do número de automóveis, etc. O governo militar passou a utilizar isso para fazer propaganda do regime. Surgia o mito do Brasil Potência, alimentado pelos slogans divulgados pela propaganda oficial: “Ninguém segura este país”, “Brasil, ame-o ou deixe-o”, “Pra frente Brasil”. Foi o período das obras faraônicas, como a Transamazônica e a ponte Rio-Niterói.

Em 1974 o governo passou para as mãos do general Ernesto Geisel. O país começou a enfrentar crises econômicas mais fortes com o esgotamento do “milagre econômico” e com isso o descontentamento da população aumentou, fortalecendo os opositores do regime. O partido da oposição, MDB, começou a vencer o partido governista, a Arena, nas eleições nas grande cidades.   Para conter a oposição é outorgado  o Pacote de abril, com a  amplia mandato presidencial, criação dos  senadores “biônicos ‘ e fim da propaganda na televisão .
A partir de 1977 se inicia o processo de abertura política, com a revogação do AI-5 e a anistia aos exilados políticos. Em 1978 o presidente eleito pelo colégio eleitoral foi o general João Batista Figueiredo, que governou até 1984. Nesse partido surgem vários partidos de esquerda que exercem bastante influencia no meio popular, como o PT, o PDT e o PP. Humor contra a Ditadura        
Em 1984 surge o movimento das Diretas-Já, que contou com intensa participação popular, e que tinha por objetivo realizar manifestações para que houvesse mudanças políticas no Brasil, e os governantes fossem eleitos pelo povo. Infelizmente eles não foram atendidos, e em 1985 as eleições ocorreram de forma indireta, sendo eleito Tancredo Neves.