quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Candomblé Bantu e a importância dos afro-saberes na educação


Kamila Gomes Borges – Maganza Muxinandê, de Uambulu N`sema, mona kwa nkisi Nzo Tumbansi, Itapecerica da Serra/SP

O CANDOMBLÉ CONGO-ANGOLA: MANIFESTAÇÃO BANTU A IMPORTÂNCIA DOS SABERES AFRO-RELIGIOSOS NA EDUCAÇÃO
Kamila Gomes Borges [1]

RESUMO
O presente artigo analisa o terreiro tradicional de Candomblé Congo-Angola Inzo Tumbansi de tradição Bantu, que busca aprofundar em seus costumes de tradição africana. A história dessa manifestação cultural-religiosa é de extrema importância, para entender a nossa identidade brasileira.  A intenção aqui é mostrar que a história do povo de santo não é uma história invertebrada, ao contrário, é longo o caminho que temos que percorrer para aprofundar nesse conhecimento que foi tão deturpado ao longo dos anos.                                                                                                     
INTRODUÇÃO
Após serem submetidos a um processo de invisibilidade, em virtude da folclorização das manifestações religiosas de matrizes africanas que privilegiavam os modos de ser da liturgia dos Candomblés de origem nagô, os terreiros Bantu reinventam-se não como uma manifestação milongada [2] apenas, mas como comunidades autênticas e mantenedoras da memória africana reproduzida em seus espaços. Atitude que prevaleceu durante todo o processo escravocrata no qual foi imposta a desumanização aos africanos escravizados que nesta circunstância, para manter o espaço perdido tanto geográfico, como a dimensão subjetiva, reafirmaram nos terreiros suas dinâmicas de conhecimento e posicionamento existencial frente ao mundo, pois foram essas uma das formas que dispuseram de manter sua humanidade alijada de seu território e símbolos originais.

A produção desse conhecimento tem muito a contribuir com a temática da diversidade étnico-racial, também serve como estratégia de combate a intolerância religiosa e contra o racismo. Aponta ainda para a emergência de novos paradigmas à prática educativa pautada hoje por um discurso no qual se afirma a inserção de todos e todas independente de cor, sexo e condição econômica. Através do conhecimento sobre os costumes educativos praticados nos Candomblés é possível ter novos subsídios para o ensino de história e da cultura afro- brasileira.

A compulsória falta de conhecimento relacionado às questões raciais resulta, sobretudo, no despreparo dos profissionais da educação diante dos conflitos étnicos presentes no cotidiano de alunos e alunas submetidos a uma estrutura social racista, onde muitas vezes são esses profissionais os reprodutores de práticas discriminatórias onde se reafirma as atrocidades direcionadas à população afro-descendente e o sofrimento a ela imposto.

O diálogo nas escolas voltado para o combate ao racismo e para o respeito à diversidade cultural no Brasil, pode ajudar os educadores e educadoras a compreenderem melhor seu lugar como sujeito histórico e a partir desse ponto de vista desenvolverem e fortalecerem as diversas identidades envolvidas em um processo social.

Alguns avanços resultantes das pressões do movimento negro sobre as diretrizes do Estado no que tange a população afro-descendente resultou na lei 10.639 de 9 de janeiro 2003, que  altera a Lei Federal nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 em que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.

Como medida compensatória a mutilação imposta à população afro-descendente no Brasil, essa lei impõe a necessidade de levar a história africana e do negro no Brasil para as escolas e salas de aula, ou seja, criar a visibilidade das tradições africanas, os saberes de seus povos, sistematicamente ocultados e distorcidos por estereótipos.

A escola enquanto instituição burocrática está empobrecida de símbolos e ritos, pesquisar um terreiro de candomblé, rico de mitos e ritos, pode ser um meio interessante de mostrar como práticas simbólicas, portanto educativas, ainda desconhecidas e /ou segregadas podem nos indicar novos caminhos para uma educação inclusiva (BOTELHO, 2005:6).

Para Botelho o bojo simbólico das tradições africanas e especificamente o Candomblé pode sugerir novas dinâmicas de aprendizado e estímulos para alunos e alunas das instituições educacionais. Divulgar o conhecimento sobre religião de matriz africana é uma maneira de ampliar a compreensão da diversidade cultural no nosso país, pois sabemos da dificuldade de aceitação que existe com relação aos cultos de Candomblé em virtude da sistemática racista na sociedade brasileira. Pensar a diversidade na educação é possibilitar inclusões, solidariedade e respeito.

CANDOMBLÉS

O Candomblé é o resultado da reelaboração de diversas culturas africanas. É uma religião de matriz africana, mas recriado em novo território, é, portanto uma religião afro- brasileira .

Lugar para onde está voltada a memória, onde aqueles que viveram a condição- limite de escravo podiam pensar-se como seres humanos, exercer essa humanidade, e encontrar os elementos que lhes conferiam e garantiam uma identidade religiosa diferenciada, com características próprias, que constitui um patrimônio simbólico do negro brasileiro (a memória cultural da África), afirmou-se aqui como território político-mítico-religioso, para sua transmissão e preservação (SODRÉ, 1988:50).

É o lugar onde as comunidades construíram seus templos, lugar de orgulho, fonte cultural de matriz africana.
Essa reconstrução das religiões africanas no Brasil ocorreu não só como uma forma coletiva de resistência cultural, mas, em primeira instância, como uma necessidade para enfrentar o infortúnio ou os tempos de experiência difícil, dos quais a escravidão é sem dúvida um dos casos mais extremos (PARÉS,2007:109).
Quando os portugueses chegaram a terras brasileiras já havia pelo menos 50 anos que traficavam escravos em África. É bem possível admitir a presença de africanos escravizados nas primeiras embarcações chegadas ao Brasil.“A primeira notícia documentalmente comprovada da presença de escravos em tripulações lusitanas, no Brasil, é a que envolve a viagem comercial da nau Bretoa, em 1511” (TINHORÃO, 2008:16)

Ao iniciar-se o século XVII já havia cerca de 20 mil africanos e afro-descendentes no Brasil. Ainda no século XVII temos o registro das manifestações de culto afro-baiano registrada na poesia de Gregório de Matos que chamavam de calundu. “Que de quilombos que tenho/Com mestres superlativos/Nos quais se ensina de noite / Os calundus e feitiços” (PARÉS, 2007:113)

O poeta informava que em terreiros abertos nos matos próximos das cidades, os negros realizavam sessões de religiões africanas em que mestres de cachimbos invocavam calundus para saber o destino.
Podemos entender então o calundu como um conjunto de práticas religiosas praticadas principalmente pelos africanos e seus descendentes. Praticavam danças em locais ermos, em roças, onde havia altares, sacrifícios de animais e oferendas alimentícias, sugerindo serem os antecedentes dos futuros candomblés do século XIX. “Os sacrifícios animais as oferendas de comidas rituais nos altares dedicados às divindades constituem a base da religiosidade africana, especialmente das tradições da África Ocidental” (PARÉS, 2008:116)

No século XVIII, calundu foi um termo genérico utilizado para designar atividades religiosas de várias índoles, porém de origem africana em oposição às práticas católicas. A palavra calundu é de origem Bantu segundo Yeda Pessoa de Castro a palavra “kalundu significa obedecer a um mandamento, realizar um culto, invocar espíritos, com músicas e danças.” ( CASTRO apud SOUZA 2002:3)

O Candomblé que é também palavra Bantu remete especificamente ao local e ao culto de práticas religiosas afro – brasileiras. No Candomblé as nações se dividem e diferenciam-se por vários elementos rituais como danças, instrumentos, línguas e músicas. “O termo nação foi perdendo sua conotação política para se transformar num conceito quase exclusivamente teológico” (PARÉS, 2008:102).

Desde o início do século XIX existem registros dos primeiros Terreiros de Candomblés na cidade de Salvador. “O primeiro foi à Casa Branca ou Ilê ya Naso  fundada em 1830.” ( CARNEIRO apud BARROS,2003:34 )
Adeptos desse Candomblé relatam que sua Casa teria sido fundada por três mulheres chamadas Iá Adetá, Iá Kala e Iá Naso . Contam que também seriam provenientes de Ketu, cidade hoje localizada no Benin, África, e que o nome Iá Naso, correspondia a um título altamente honorífico na corte de Alafim (rei) de Oió, do reino de mesmo nome situado na atual Nigéria. (BARROS 2003:34)

O povos africano de origem sudanesa chegaram no último período da escravatura, “foram concentrados nas zonas urbanas em pleno apogeu , nas regiões suburbanas ricas e desenvolvidas dos estados do Norte e do Nordeste , Bahia  e Pernambuco, particularmente  nas capitais desses estados , Salvador e Recife.” (SANTOS 1975:31)

Outro fator é que havia uma intensa comunicação entre África e Bahia através do comércio, sendo que propiciou aos “Nagôs do Brasil um contato permanente com suas terras de origem.” (SANTOS 1975:31) Esta ligação, portanto, propiciou uma melhor manutenção de seus costumes.

Os africanos de origem Bantu principalmente de Angola e do Congo foram os povos africanos que chegaram primeiro durante um período difícil, início da colônia, foram espalhados pelas zona rural e nesse período não havia muito contato com as cidades. Os africanos que chegaram primeiro foram escravizados junto com os índios, eles receberam dos indígenas os segredos das plantas da terra.

Tudo indica que o Candomblé Bantu foi criado nos meados do século XIX.  A história do Candomblé Congo- Angola está amparada basicamente na oralidade do povo de santo, seus registros bibliográficos são muito poucos.

Uma das principais referências que temos são algumas obras de Edison Carneiro, mas que muitas vezes são pouco esclarecedoras. Pois ele utiliza alguns termos como candomblé de caboclo para se referir a candomblé Bantu , o que reduz muito o significado dessa manifestação.Afirma muitas vezes que os Bantu não tinham mitologias.Segundo Raimundo Nonato da Silva [3], na história do candomblé Congo- Angola temos referência de cinco grandes famílias. Temos a família de Maria Neném, de Gregório Makwende, de Amburaxó ,de  Mariquinha Lemba  e a família Goméia.

A Matriarca Maria Neném a Maria Genoveva do Bonfim, Mametu Tuenda Dia Nzambi nascida no Rio Grande do Sul em 1865, era filha de santo de Roberto Barros Reis, africano de Cabinda ela assumiu o terreiro Tumbensi em 1909. Segundo depoimento oral dos antigos era mulher muito enérgica, de semblante fechado, riso difícil, mas de caráter irrepreensível e bom coração, como prova o ato de adotar inúmeras crianças que criou como filhos até a fase adulta.  A matriarca que tira a mão do morto [4] de Bernadino da Paixão em 1910 e inicia Manoel Ciriáco . Bernardino da Paixão foi iniciado por Manoel Nkosi, sacerdote iniciado em África. Foi Manuel Ciríaco que criou o Tumba Junçara e Bernardino da Paixão que fundou o Bate-Folha, outras importantes referências de Candomblé Congo-Angola no Brasil.

A família de Gregório Makwende é uma referência para história do Candomblé Congo-Angola, filho carnal de Constâncio Silva e Sousa, angolano de nascimento de quem herdou o terreiro, nasceu em 1874 e faleceu em 1934. Temos Mariquinha Lemba, sabe-se pouquíssimo sobre ela, retratam-na como uma mulher de gênio difícil. Sabe-se que deixou inúmeros descendentes, mas a maioria das casas encontra-se no Estado da Bahia.
A família Amburaxó, do Sr. Miguel Arcanjo de Souza em sua grande maioria adotou os rituais da nação ketu. Temos então a família Goméia que é uma das maiores famílias de santo da nação Congo-Angola. Esta espalhada nas regiões sul, sudeste e nordeste do Brasil. João da Goméia foi para o Rio de Janeiro, era bailarino profissional, levou para os palcos a dança dos deuses.

POVO BANTU

Os Bantu são formados pelo conjunto de vários povos que falam línguas que tem uma mesma origem. Abarca praticamente todas as etnias do sul, leste e centro de África, possuem, no entanto, características culturais semelhantes e são povos falantes de línguas comuns.

A palavra Bantu foi utilizada pela primeira vez em 1862, por W.H.I .Bleck, para designar as numerosíssimas falas aparentadas [...] que cobrem uma superfície de uns nove milhões de quilômetros quadrados ao sul de uma linha quase horizontal , a cortar o continente africano , da baía de Biafra a Melinde.O termo banto aplica-se , hoje, também aos povos e somam mais de duzentos milhões de pessoas que utilizam um daqueles idiomas. (SILVA, 2006:209 )

O universo lingüístico Bantu, ocupam grande porção do continente africano, do centro em direção ao sul, sendo milhares de falantes, compondo numerosos países. O termo Bantu faz referência a centenas de línguas e povos diferentes.

Os Bantu saíram das regiões equatoriais (a região que é hoje ocupada pelos Camarões e pela Nigéria) e dividiram-se em dois movimentos diferentes: para o sul e para o leste criando a maior migração jamais vista na África. Por motivo ainda desconhecido, esta migração continuou até ao século XIX.

O nome Bantu não se refere a uma unidade racial. Da sua formação e migração originou uma enorme variedade de gêneses.  Assim, não podemos falar de uma raça Bantu, mas sim de povo Bantu, isto significa uma comunidade cultural com uma civilização comum e linguagens similares. Depois de muitos séculos de movimentações, guerras e doenças, os grupos Bantu mantiveram as raízes da sua origem comum. Os povos Bantu, além do semelhante nível lingüístico, mantiveram uma base de crenças, rituais e costumes muito similares; uma cultura com características idênticas e específicas que os tornam semelhantes e agrupados.

Segundo a tese de alguns lingüistas, as línguas bantas seriam derivadas de uma única língua comum, denominadas por eles de protobanto.De acordo  com os estudos destes lingüistas, é possível reconstruir um pouco do modo de vida dos primeiros povos bantos através do estudo de sua língua. (SCAMARAL, 2008:46)
Era possível saber os alimentos que eles produziam através do estudo do vocabulário, por exemplo, era mais escasso o vocabulário referente à caça e mais fácil encontrar sobre a pesca.

Pelos estudos lingüísticos e arqueológicos, estamos diante, portanto de pescadores, que praticavam a agricultura nas bordas da mata, coziam a cerâmica, teciam panos de ráfia e outras fibras vegetais, faziam cestos, estavam organizados em extensas famílias, baseadas no prestígio dos mais velhos. (SCAMARAL, 2008:46)

As populações bantas submetidas à escravidão chegaram ao Brasil, mesmo pertencendo a etnias diferentes, acabaram ao longo do tempo sendo denominados de angola ou congo. As demais etnias foram pouco registradas e com o passar do tempo outras denominações acabaram sendo incorporadas a essa nomenclatura redutora – escravo congo ou escravo angola – independente do local de origem dessas pessoas.

“Entre os bantu foram os Bakongos e os Ambundos os dois povos que vieram em número mais expressivo para o Brasil na condição de escravizados e, conseqüentemente aqui deixaram sua marca, assim como em toda a América, continente que ajudaram a construir.” (ADOLFO, 2010:07)

As principais línguas do tronco Bantu utilizadas no terreiro Inzo Tumbansi são Quicongo e Quimbundo. No Brasil essas línguas são utilizadas para fins litúrgicos, na Angola, Congo e em outros países que são fronteiras são utilizadas como meios de comunicação cotidiana, faladas por milhares de pessoas.
Quando falamos desses grupos Bakongos e Ambundos no Brasil, temos que perceber a importância fundamental desses grupos na formação sócio-cultural do país, nas danças, língua que falamos, na culinária, modo de ser e religiões.

INZO TUMBANSI

O termo “Inzo” ou “casa” é utilizado no cotidiano dos que acreditam nos inkissi para determinar lugar onde habita a família. Nesse espaço denominado terreiro existem as construções que abrigam os assentamentos de cada divindade. É o lugar da memória, das tradições, onde se preserva uma língua ancestral, onde são entoadas as rezas. Existe ai um parentesco mítico, os deuses cultuados são os Mukissis [5], de origem africana.
O terreiro Inzo Tumbansi é composto por um espaço de aproximadamente 1000m², com matas em volta, no meio do terreno está construído o barracão, os quartos de santo, o quarto de dormir, banheiro, cozinha e sala de jogo. Do lado de fora temos o quarto de Nvumbi, quarto de Kavungo, outro de Mpambu Njila [6] e logo na entrada do terreiro no tempo temos um assentamento de Kitembo .

INzo Ia Tumbansi Twa Nzambi Ngana Kavungu – Casa Pedaço de Terra do Deus Senhor dos Mistérios – Terreiro Candomblé que mantém e conserva a cultura e tradição ancestral congo-angola(Bantu), é dirigido e organizado pelo Nganga-Nkisi Katuvanjesi –  Walmir Damasceno.O Tata Katuvanjesi é baiano do município de Barra do Rocha, região cacaueira do sul da Bahia foi iniciado no Candomblé aos 11 anos de idade no dia 22 de setembro de 1974 quando sofria de uma doença grave que o impedia de andar .Passou 3 meses recolhido no terreiro Santa Luzia Tumbenci Filho, no bairro de boca do rio, em Salvador. Tomou suas obrigações de 1,3 e 7 anos com Nengwa Kwa Nkisi Nvujiká, do terreiro Nvujiká em Ipiáu em 1986.

Em 1989 tomou obrigação de 14 anos por d.Ilza Rodrigues e seu filho Gilvan Rodrigues do terreiro Matamba Tombenci Neto a obrigação ocorreu no Inzo Ia Tumbansi a (casa fundada por ele), quando funcionava na zona norte de São Paulo.

A obrigação de 21 anos foi realizada no Inzo Tumbansi quando esse funcionava na região leste de São Paulo, em maio de 2003 pelas mãos de Nengwa Kwa Nkisi Lembamuxi d. Gereuna Passos Santos a sacerdotisa responsável pelo Kioxi Tumbenci localizado no bairro Tancredo Neves na periferia de Salvador. Espaço onde está guardado os pertences sagrados da Nengwa kwa Nkisi Tuenda Kwa Nzambi, a Sra.Genoveva do Bonfim , a matriarca Maria Nenén.

Segundo o Tata Katuvanjesi, o Tumbansi está num processo de reafricanização ou pelos menos num processo de revisão lingüística e litúrgica, tentando afastar-se do modelo nagô e aproximar-se cada vez mais de suas raízes Bantu.

As principais divindades cultuadas no Inzo Tumbansi são: MpambuNjilla,Nkosi,Mavambo,Mutakalambô,Ngunzu,Nkongobila,Katendê,Mpanzo, Kingongo, Nsumbu, Kavungu, Hangolô,Nzinga Lubondo Nzazi,Luango , Matamba, Uambulu´n´sema ,Kaiongu,Kapanzu, Ndanda Lunda, Kianda, Samba Kalunga ,Kuku’eto, Nzumbarandá , Lemba Dilê,Lemba Gima. Essas divindades são chamadas de Nkissi, mas no universo lingüístico Bantu iremos encontrar vários outros termos para nomear essas divindades.

O Nkisi segundo o entendimento dos adeptos é uma força que vem das manifestações da natureza, como o trovão, o raio, a chuva, a água salgada, a água doce. Todas as coisas vivas estão interligadas ao ser humano e pode transmiti-lo nguzu em maior ou menor grau. Na cosmovisão Bantu as realidades humanas, vegetal, mineral são consideradas sagradas e fazem parte de um mesmo universo. Também as pessoas vivas, mortas e as que estão por vir formam essa cadeia.

A força ou energia que perpassa essas realidades é chamada de Nguzu que está sempre à disposição dos homens vivos que poderão utilizá-la tanto pro bem como para o mal.

No Brasil os candomblés de congo-angola são dirigidos pelos sacerdotes conhecidos como Nganga através dos cantos e orações. Os assentamentos das divindades são feitos em vasilhas de barro e em seu conteúdo há várias especiarias, bebidas e folhas.Essa força é manifestada nas Kizombas [7] através do transe mediúnico, através da manifestação da dança sagrada.

CANDOMBLÉ E EDUCAÇÃO

Os espaços de Candomblés servem para a preservação da tradição cultural e religiosa africana, dentro de uma dinâmica social caracterizada pela secularização e avanços industriais, no qual o processo de produção e reprodução social são pautados pelo neoliberalismo e sua perspectiva de formação de novos mercados que para se expandirem necessitam globalizar cada vez mais as diferenças culturais, nesta conjuntura, os ritos da tradição africana configuram-se como elementos de  resistência identitária aos seus integrantes que em maioria são pertencentes a uma população que  cotidianamente tem sua auto-estima esmagada.

Foi através da religiosidade dessas diversas formas de celebrar o divino que a religião trouxe o que há de mais importante para os africanos submetidos à diáspora, é a celebração do divino que traz a imagem do território perdido. Tendo o terreiro uma função importantíssima de recuperar esse território mesmo que de maneira simbólica: através de amuletos, do círculo mágico e outros objetos litúrgicos que carregam referências de seu lugar de origem.

O terreiro é o lugar onde se celebra a vida, espaço da memória. Em África o culto ao inkissi, estava ligado a cidade ou região. No Brasil a diáspora impôs uma recriação do culto, aqui ocorre o culto de várias divindades no mesmo templo. Existem várias crianças, vários jovens, adultos e idosos adeptos do Candomblé.
Esses adeptos hoje no Brasil sofrem graves rejeições e discriminações. Na realidade, nas escolas existem vários casos onde estudantes precisam esconder suas visões de mundo, suas religiões para conseguirem se inserir na visão dominante. É necessário transformar essas relações, implementar políticas públicas , transformar essas práticas racistas.

Sabemos que em muitas escolas, nas aulas de ensino religioso são estudadas somente a bíblia, ou cartilhas de padres e pastores. Muitas vezes são realizadas orações diárias e as crianças mesmo adeptas de outras religiões são induzidas a participarem e não encontram em nenhum momento da vivência escolar assuntos pertinentes aos referenciais simbólicos de sua religião. Por isso elas se sentem muitas vezes na obrigação de esconder e mentir sobre suas convicções.

Percebemos também que a memória coletiva, da história e cultura das identidades dos alunos negros estão apagadas do sistema educativo formal, o problema está nas escolhas ideológicas feitas pelas instituições educacionais, segundo Botelho, torna-se muito importante: “A denúncia dos modelos hegemônicos educacionais , que elegem a vertente judaico –cristã como única detentora de saberes e verdades sócio-religiosas” (BOTELHO 2005 :24), os saberes e conhecimentos de tradição africana devem ser ampliados  e fazê-los migrar do lugar de folclore, do fetichismo,   para o lugar de conhecimento entre as demais disciplinas do sistema educacional de ensino. A meta e luta é rumo à valorização das questões da negritude, para a construção de uma prática anti-racista nas escolas.

Crescer em um terreiro de candomblé é aprender a conviver com as múltiplas diferenças e partilhar, com isso, uma nova perspectiva de educação anti-racista e plural. Há muito a escola perde essa experiência porque é longa sua prática de silenciar culturas não hegemônicas (CAPUTO, 2006:28).
O Candomblé através da sua riqueza de símbolos enriquece o imaginário, oferece um universo poético, enquanto as instituições de ensino muitas vezes através da burocracia e prática desumanizadora escondem as desigualdades sócio-histórico racial.

Outro fator relevante é que no Brasil a língua que falamos é imensamente caracterizada pelas línguas africanas principalmente Quimbundo e Quicongo que são línguas Bantu. A assessora técnica em Línguas Africanas do museu da língua Portuguesa em São Paulo, Yeda Pessoa de Castro (2005) afirma que dos cerca de quatro milhões de indivíduos transplantados da África subsaariana para o Brasil, 75 por cento foram trazidos do mundo Bantu – falante, de territórios situados atualmente em Angola e nos dois Congos.
Conhecer o Brasil é aprender a história de cada matriz cultural para compreender a contribuição de cada cultura na história do país. A historiografia oficial ao longo dos anos na maioria dos livros didáticos que conhecemos, apresenta assuntos sobre história da África numa ótica estereotipada.                                                                                                                                                                                             
CONSIDERAÇÕES FINAIS

De modo geral o povo brasileiro tem suas origens na América, Europa, África e Ásia e cada um desses povos trouxeram elementos para formação do povo e da história brasileira. Para entender nossa história e nossa identidade não há outro caminho se não pelo estudo de todas as matrizes culturais.

A herança cultural africana constitui uma das matrizes fundamentais da chamada cultura nacional e deveria por esse motivo, ocupar uma posição igual às outras. [...] Juntas essas heranças constituem a memória coletiva do Brasil, uma memória plural e não mestiça ou unitária. (MUNANGA, 2004:4)

Os africanos influenciaram por vários séculos na manutenção sócio- econômica e cultural da sociedade brasileira. Eméritos estudiosos têm demonstrado, com abundância de provas e com riquíssima documentação que a História do Brasil é inseparável da História de Angola; antropólogos têm confirmado que é decisiva a contribuição Bantu, em particular a angolana e conguesa, para a edificação da cultura nacional.

Vários estudos acadêmicos qualitativos e quantitativos, realizados por instituições de pesquisa de prestígio como o IBGE e o IPEA, não deixam dúvidas sobre a gravidade da exclusão sócio cultural ao longo dos anos no Brasil. A exclusão do negro na sociedade brasileira é evidente. Nas estatísticas podemos perceber que a escolaridade e emprego são privilégios de alguns:

  • do total dos universitários brasileiros, 97% são brancos, 2% negros e 1% descendentes de orientais.
  • sobre 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, 70% deles são negros.
  • sobre 53 milhões de brasileiros que vivem na pobreza, 63% deles são negros

(HENRIQUES apud MUNANGA, 2001:33)
Com esses dados podemos perceber a dificuldade das pessoas negras se inserirem no sistema de educação.
Os jovens negros não conseguiu ingressar de modo representativo no sistema de educação existente que, embora não contemplasse sua história, cultura e visão de mundo, é indispensável para sua inclusão e mobilidade no mercado de trabalho e em outros setores da vida nacional (MUNANGA,2004:4 ).

Depois de 116 anos de abolição foi criado a partir de reivindicações do movimento negro a lei 10.639, para incluir a história no negro no Brasil, porém não há como nenhuma lei acabar com os preconceitos que existem em nossas cabeças.

Há um problema grave que é a idéia de “democracia racial apoiada entre outros na idéia de sincretismo cultural, de cultura e identidades mestiças, de povo mestiço que se contrapõem às idéias de diversidade e de pluralismo cultural” (MUNANGA, 2004:4).

A educação pode oferecer a possibilidade dos indivíduos questionarem certos mitos e idéias racistas. Essa história omitida na historiografia oficial é importante para todos os alunos, das várias descendências étnicas porque todos tiveram seus imaginários afetados por um sistema educacional que vêm deturpando a história dos povos não hegemônicos.

A questão da identidade é de extrema importância para compreender os problemas da educação [...] Em todos os países do mundo hoje pluralistas as relações entre democracia, cidadania e educação não podem ser tratadas sem considerar o multiculturalismo. Cada país deve formular os conteúdos do seu multiculturalismo de acordo com suas peculiaridades de seus problemas sociais, étnicos e de gêneros. (MUNANGA, 2004:6)
Por isso já vem sendo organizado há algum tempo esses novos paradigmas para as emergências do sistema educacional. Para isso é fundamental esse olhar para os diversos segmentos da sociedade. Ensinar para os alunos e alunas as contribuições dos vários grupos culturais na formação da identidade nacional. O racismo é um dos aspectos do colonialismo, através dele o colonizador tenta desvalorizar o colonizado para então ressaltar sua imagem.

A corrente pós-colonialista busca entender a dominação colonial como cerceamento da resistência, através de uma imposição que torna a fala do colonizado desqualificada e por isso a silencia. Esses estudos buscam a desconstrução dessa mentalidade, a descolonização da imaginação, diluir essas fronteiras culturais impostas pelo colonialismo. É importante uma reinterpretação da história, reinscrever o colonizado não como referência de atraso, mas como parte fundamental do que foi construído nas diversas partes do mundo. A existência de ciências antes de ser parte da história européia é parte de uma história global. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADOLFO, Sérgio Paulo. As famílias de santo no Candomblé Congo-Angola.Disponível em <http://www.inzotumbansi.org> Acesso em: 12 jul.2010
ADOLFO, Sérgio Paulo. Nkissi – Tata dia Ngunzo – estudos sobre o candomblé congo-angola ,Ed Eduel. Londrina, 2010.
BARROS, José Flávio Pessoa de.Na Minha Casa:Prece aos Orixás e Ancestrais Ed: Pallas,2003.
BOTELHO, Denise Maria. Educação e OrixásProcessos Educativos no Ilê Axê Iyá Mi. São Paulo: Agba, 2005.
CAPUTO, Stela Guedes, Crianças de Candomblé, não! Revista Caros Amigos, número 110, maio 2008 p.28.
CASTRO, Yeda Pessoa. Falares africanos na Bahia. Um vocabulário afro-brasileiro, 2ª ed. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras: Topbooks Editora, 2005
MUNANGA, Kabengele.Políticas de ação afirmativa em benefício da população negra no Brasil: um ponto de vista em defesa das cotas. Sociedade e Cultura v.4 n.2, jul./dez. 2001,
MUNANGA, Kabengele. A importância da história da África e do negro na escola brasileira. 2004
PARÉS, Luis Nicolau. A formação do Candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia. 2 ed.rev.-Campinas ,SP:Editora Unicamp,2007.
SANTOS, Juana Elbein dos. Os Nagô e a morte. 12.ed, Vozes ,2007.
SCAMARAL, Eliesse (Org.) Para estudar história da África. (Projeto Abá estudos africanos para qualificação de professores do Sistema básico de Ensino / Coordenação Geral / Projeto Abá/ Leo Carrer Nogueira). Anápolis:Núcleo de Seleção ,UEG, 2008.
SILVA, Alberto da Costa.A enxada e a lançaA África antes dos portugueses, 3ª Ed. revista e ampliada Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2006
SODRÉ, Muniz. O terreiro e a cidade. A forma social negro-brasileira. Vozes, Petrópolis, RJ, 1988.
SOUZA,Laura de Mello e.Revisitando os Calundus.São Paulo,2002
TINHORÃO, José Ramos.Os sons dos negros no Brasil.Cantos,danças, folguedos:origens.São Paulo: Ed 34, 2008.

[1]  Graduanda  do Curso de Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Tocantins, Campus de Porto Nacional-TO.
[2] Termo usado pelos candomblecistas da vertente congo-angola para designar aqueles templos muito misturados com ritos de outras nações.
[3] Em um artigo intitulado TOMA KWIIZA KYA KIZOONGA BANTU! NZAAMBI KAKALAYETO! de Tata Lubitu Konmannanjy – Unzó kwa Mpaanzu – Raimundo Nonato da Silva,publicado no site http://www.inzotumbansi.org
[4] Tirar a mão do morto – cerimônia que acontece quando morre o iniciador, e o iniciado procura um outro sacerdote para continuar sua iniciação
[5] Mukissis-sing. Nkissi- Divindade bantu
[6]Mpambu Njila – Senhor dos caminhos e das encruzilhadas.
[7] Kizomba – cerimônia sagrada, festa.

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PARA OS JORNAIS PAULISTANOS, O GOLPE MILITAR FOI A DEFESA DA LEI E DA ORDEM

O Sol sem peneira: 
 O APOIO DA SOCIEDADE CIVIL FOI FUNDAMENTAL PARA A LONGA VIDA DA DITADURA MILITAR NO BRASIL

Não à guerra civil

Fonte: Revista de História

Provas do Segundo Trimestre



Pessoal, se quiserem um bom resumo sobre a matéria discutida em sala, dê uma olhada nos textos a seguir:


8o. Ano:



9o. Ano: 



Não à guerra civil

Sem resistir ao golpe, João Goulart partiu para o exílio e evitou uma luta sangrenta entre reformistas e golpistas

Jorge Ferreira

Percebendo o risco de uma guerra civil, Jango decide evitar o confronto e partir para o exílio. Acima, o presidente num comício ao lado da esposa.

Manhã do dia 31 de março de 1964. No Palácio Laranjeiras, no estado da Guanabara, o presidente João Goulart (1919-1976) acordou cedo. Na noite anterior, ele discursara para cerca de 2.000 sargentos no Automóvel Clube. Assustado, Jango leu as manchetes. O Jornal do Brasil e o Correio da Manhãpediam a sua deposição. O presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, divulgou manifesto rompendo com o governo e incitando as Forças Armadas a restabelecer a ordem no país.
As crises políticas e militares se sucediam desde setembro do ano anterior, quando sargentos tomaram Brasília pelas armas. Mas a Revolta dos Marinheiros no dia 25 de março e a anistia que receberam provocaram enorme insatisfação nas Forças Armadas. A presença de Jango no Automóvel Clube agravou a crise militar. Para grande parte da oficialidade, inclusive a que defendia a legalidade, o governo estava subvertendo os pilares básicos da instituição: a hierarquia e a disciplina.
Depois de ler os jornais, o presidente soube que o general Olímpio Mourão Filho, vindo de Juiz de Fora, marchava com recrutas para a Guanabara com o objetivo de derrubá-lo da Presidência da República. Mourão participava do grupo conspirador de Minas Gerais, cujo líder civil era o governador Magalhães Pinto.
A primeira atitude de Goulart, com o apoio de seus ministros, foi resistir ao golpe. Jango ordenou que o Regimento Sampaio, na Vila Militar, o Grupamento de Obuses, no bairro de Deodoro, e o 1º Batalhão de Caçadores, em Petrópolis, tropas profissionalizadas do Exército, detivessem Mourão. A seguir, planejou sustar a tentativa de golpe depondo Magalhães Pinto do governo de Minas Gerais e nomeando um interventor.
Poucas horas antes, San Tiago Dantas, deputado federal e amigo de Goulart, soubera que o governo dos Estados Unidos apoiava o movimento e que reconheceria o “estado de beligerância” de Minas Gerais, fornecendo suporte financeiro, diplomático e militar a Magalhães Pinto. As informações que Dantas recebeu do governo mineiro eram de que os Estados Unidos poderiam interferir militarmente na crise política, se necessário. Navios de guerra norte-americanos estavam se dirigindo para o litoral brasileiro. A intervenção em Minas Gerais, portanto, poderia deflagrar uma guerra civil com intervenção estrangeira. Após conversa com San Tiago Dantas, Goulart recuou, e o decreto de intervenção em Minas Gerais foi sustado.
Na tarde do dia 31, os governadores Carlos Lacerda (GB) e Ademar de Barros (SP) defendiam o golpe nas rádios, com o apoio do governador Ildo Meneghetti (RS). O Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) declarou greve geral, mas a iniciativa paralisou os transportes, impedindo que a população fosse para as ruas.
Jango tentou convencer os comandantes das quatro jurisdições do Exército a garantir a legalidade. Ele encontrou apoio dos comandantes do I (GB, RJ, ES e MG) e  do III Exército (PR, SC e RS), mas não do IV (estados do Nordeste). Restava conversar com o comandante do II Exército (SP), general Amaury Kruel, seu amigo. Kruel declarou que só o apoiaria se o CGT fosse declarado ilegal e os comunistas perseguidos. Jango recusou.
Naquele momento, decisões pessoais dos comandantes militares valiam pouco. O que contava eram as inclinações do conjunto da oficialidade e dos generais que formavam o Estado-Maior de cada um dos quatro Exércitos.
No fim da noite, tropas do II Exército marcharam para a Guanabara. Os comandantes do Regimento Sampaio, do Batalhão de Caçadores e do Grupamento de Obuses decidiram apoiar Mourão, que continuaria sua marcha acompanhado por tropas profissionais.
Nas primeiras horas do dia 1º de abril, diversos comandos militares declararam apoio ao movimento de deposição do presidente. Quando amanheceu,,o editorial do jornal Correio da Manhã era “Fora”.
Na Guanabara, os fuzileiros navais esperavam ordens do presidente para prender Lacerda – seria uma resposta do governo aos golpistas. Mas a ordem não veio. Naquela manhã, San Tiago Dantas dissera a Jango que a frota norte-americana invadiria a Baía da Guanabara se Lacerda fosse preso.
Jango percebeu que não eram grupos civis e militares minoritários que tentavam golpear as instituições, como ocorrera em episódios anteriores. Era um movimento conjunto das Forças Armadas com apoio de empresários, de amplos setores das classes médias e dos meios de comunicação. O movimento ainda contava com os governadores da Guanabara, de Minas Gerais, de São Paulo e do Rio Grande do Sul, com suas polícias civis e militares. No Congresso Nacional, grande parte dos parlamentares deu aval ao golpe. O Supremo Tribunal Federal calou-se diante da crise política. Além disso, o movimento golpista tinha o apoio do governo norte-americano. Jango compreendeu a extensão do golpe que estava em curso. A convocação para a resistência deflagraria uma guerra civil com consequências imprevisíveis. Na manhã do dia 1º de abril, ele iniciou o recuo. Ao meio-dia, partiu para Brasília – atitude interpretada como capitulação.
No final da tarde, Arthur da Costa e Silva (1899-1969), general pouco conhecido, entrou na sede do Ministério da Guerra e declarou-se ministro. A seguir, instituiu o “Comando Supremo da Revolução”.
Em Brasília, Jango emitiu comunicado denunciando os golpistas. Alegou que as medidas nacionalistas e populares que tomou em seu governo uniram forças políticas e econômicas impatrióticas cujo objetivo era “impedir que ao povo brasileiro fossem assegurados melhores padrões de cultura, de segurança e de bem-estar social”. Depois, partiu para Porto Alegre. Enquanto o avião seguia para o Sul, nas primeiras horas do dia 2 de abril, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, impedindo debates, declarou vago o cargo de presidente da República. Um pouco mais tarde, com a presença do presidente do Supremo Tribunal Federal, Andrade empossou o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, na Presidência da República. A participação ativa das lideranças do Poder Legislativo e a omissão do Poder Judiciário foram decisivas para o sucesso do golpe.
Em Porto Alegre, o comandante do III Exército, general Ladário Telles, e Leonel Brizola (1922-2004) tinham esperança de reverter o golpe. O III Exército era mais poderoso do que os outros juntos, e Brizola planejava reeditar a Campanha da Legalidade. Naquele episódio, ocorrido em agosto e setembro de 1961, os três ministros militares, diante da renúncia do presidente Jânio Quadros, tentaram impedir a posse do vice-presidente João Goulart. Brizola reagiu e, utilizando cadeia de rádio, mobilizou o país em defesa da Constituição. Com a adesão do III Exército à causa da legalidade, o golpe contra a posse de Jango fracassou. Brizola, portanto, acreditava que poderia repetir em 1964 o que ocorrera em 1961. Às 8 horas da manhã do dia 2 de abril. reuniram-se Goulart, Brizola, Ladário Telles e os generais do Estado-Maior do III Exército. Telles demonstrou otimismo, mas a maioria dos generais do III Exército comunicou lealdade ao novo ministro da Guerra, enquanto a Brigada Militar obedecia ao governador do estado. Jango percebeu que não havia como resistir.
Hoje sabemos que o golpe resultou em 21 anos de ditadura. Mas os personagens que participaram daqueles conflitos não conheciam o futuro. Ditadura militar não estava nos planos dos líderes civis golpistas, como Carlos Lacerda (1914-1977) e Magalhães Pinto, ambos presidenciáveis nas eleições de 1965. Jornais que defenderam a deposição de Goulart, como oCorreio da Manhã, também não apoiavam a instituição de governos militares. Entre os próprios militares golpistas não havia planos de poder. Seus depoimentos confirmam que não existia um projeto a favor de algo, apenas contra. Os planos imediatos eram depor Goulart e fazer uma “limpeza”, retirando do cenário político os comunistas, os trabalhistas e os sindicalistas identificados com ele.
Jango, por sua vez, acreditou que o golpe repetia o que acontecera com Vargas em outubro de 1945: o presidente é deposto, fica exilado no próprio país e depois o processo político retorna à normalidade.
Nos anos que se seguiram, Goulart foi bastante criticado por não resistir ao golpe. Atualmente, admite-se a extensão destrutiva que o chamado de resistência provocaria na sociedade brasileira. O jornalista Paulo Markun afirma que “Jango deve ser valorizado por aquilo que não fez: jogar o sangue de outros na luta política”. Zuenir Ventura concorda: “Jango teve um dos seus momentos mais bonitos ao evitar aquilo que imaginava que viria a ser uma guerra civil com um milhão de mortos”. Goulart compreendia que guerra civil é algo que se sabe como começa, mas não como termina. Como ocorre nesses conflitos, toda a sociedade padece, mas são os trabalhadores e a população mais pobre os maiores prejudicados. Esta foi a principal razão para o gesto de Goulart de não resistir aos golpistas.

Jorge Ferreiraé professor da Universidade Federal Fluminense e autor de Jango, uma biografia (Civilização Brasileira, 2011).

Saiba Mais
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O governo João GoulartAs lutas sociais no Brasil – 1961-1964. Edição revista e ampliada. São Paulo: Editora da Unesp, 2010.
D'ARAÚJO, Maria Celina, SOARES, Gláucio A. D. e CASTRO, Celso (orgs.). Visões do Golpe. Amemória militar de 1964. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
MORAES, Dênis. A esquerda e o golpe de 64. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
OTERO, Jorge. João Goulart. Lembranças do exílio. Rio de Janeiro: Casa Jorge Editorial, 2001.
Saiba Mais - Filme
“Jango”, de Sílvio Tendler (1984).

O sol sem peneira

O apoio da sociedade civil foi fundamental para a longa vida da ditadura militar no Brasil

Daniel Aarão Reis

A conferência nacional dos Bispos do Brasil esteve junto com as Marchas no apoio ao golpe. Acima, foto ilustra a relação entre o clero e os militares.

Tornou-se lugar-comum denominar o regime político que existiu de 1964 a 1979 de “ditadura militar”. Trata-se de um exercício de memória, em contradição com numerosas evidências, e que só se mantém graças a poderosos e diferentes interesses, e também a hábitos adquiridos e à preguiça intelectual. O problema é que esta memória em nada contribui para a compreensão da história recente do país e da ditadura em particular. 
É inútil esconder a participação de amplos segmentos da população no movimento que levou à instauração da ditadura em 1964. É como tapar o sol com a peneira. As Marchas da Família com Deus pela Liberdade mobilizaram dezenas de milhões de pessoas, de todas as classes sociais, contra o governo João Goulart. A primeira marcha realizou-se em São Paulo, em 19 de março de 1964, reunindo cerca de meio milhão de pessoas. Foi convocada em reação ao Comício pelas Reformas que teve lugar uma semana antes, no Rio de Janeiro, com 350.000 pessoas. Depois da de São Paulo, houve a chamada Marcha da Vitória, para comemorar o triunfo do golpe, no Rio de Janeiro, em 2 de abril. Narra a lenda que um milhão de pessoas compareceram. Um exagero. No entanto, esteve ali, no mínimo, a mesma quantidade de pessoas que em São Paulo. Em seguida, sucederam-se marchas em todas as capitais dos estados, sem falar em outras, incontáveis, em cidades médias e pequenas. Até setembro de 1964, marchou-se sem descanso no país. Mesmo descontada a tendência humana de aderir aos vencedores, ou, simplesmente, à Ordem, tratava-se de um impressionante movimento de massas de apoio ao golpe.
Nas marchas desaguaram sentimentos disseminados na sociedade, entre os quais, e principalmente, “o medo, um grande medo”. De que as gentes que marcharam tinham medo? Tinham medo das anunciadas reformas. O que estas preconizavam? Entre outras coisas, prometiam acabar com o latifúndio e a presença dos capitais estrangeiros, conceder o voto aos analfabetos (então, quase 45% dos adultos) e aos soldados, proteger os assalariados e os inquilinos, mudar radicalmente os padrões de ensino e aprendizado, alterar o sistema bancário e estimular a chamada cultura nacional. Se aplicadas, as reformas revolucionariam o país. Por isso entusiasmavam tanta gente. Mas metiam medo em outras tantas. Iriam abalar e subverter tradições consagradas, questionar hierarquias de saber e de poder. E se o país mergulhasse no caos, na negação da religião? O Brasil viraria uma grande Cuba? Viria o comunismo? É certo que pouca gente sabia o que significava esta palavra, mas a associavam a tudo o que de mal existia – doença, miséria, destruição da família e dos valores éticos.
É preciso recuperar a atmosfera da época, os tempos da Guerra Fria, de radical polarização. De um lado, os EUA e os grandes países capitalistas, o chamado mundo “livre, ocidental e cristão”. De outro, a União Soviética, Estados e partidos socialistas e comunistas, os movimentos de libertação nacional na Ásia e na África, que reivindicavam igualdade e justiça sociais. Demonizavam-se mutuamente, e não havia espaço ali para meios-termos ou posições intermediárias. A luta do Bem contra o Mal. Para muitos, Jango era o Mal; a ditadura, um Bem.
No Brasil, estiveram com as Marchas a maioria dos partidos, lideranças empresariais, políticas e religiosas, e tradicionais entidades da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), “as direitas”. A favor das reformas, uma parte ponderável das entidades sindicais de trabalhadores urbanos e rurais, alguns partidos e movimentos, “as esquerdas”. Difícil dizer quem tinha a maioria. Mas é impossível não ver as multidões – civis – que apoiaram ativamente a instauração da ditadura.
A ampla frente política e social que apoiou o golpe era bastante heterogênea. Muitos que dela participaram queriam apenas uma intervenção rápida. Que fosse brutal, mas rápida. Lideranças civis como Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, Ademar de Barros, Ulysses Guimarães, Juscelino Kubitschek, entre tantos outros, aceitavam ou queriam mesmo que os militares fizessem o “trabalho sujo” de prender e cassar, e depois, logo depois, fosse retomado o jogo político tradicional, marginalizadas as forças de esquerda mais radicais. Não foi isto que aconteceu.
Para surpresa de muitos, os “milicos” vieram para ficar. E ficaram por longo tempo. Assumiram um protagonismo insuspeitado – e inesperado. Como se sabe, o país conheceu cinco generais-presidentes. Ditadores. Eleitos indiretamente por Congressos ameaçados, mas não menos participativos. Passou-se a dizer que os três poderes republicanos eram o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. Os militares mandavam e desmandavam. Ocupavam postos estratégicos em toda parte. No aparelho de segurança e nas empresas estatais. Choviam verbas. Os soldos em alta e toda sorte de mordomias e créditos. Nunca fora tão fácil “sacrificar-se pela Pátria”. 
E os civis? O que fizeram os civis no período da ditadura? Apenas se encolheram? Reprimidos? A resposta é positiva para os que rejeitaram a ditadura. Também aqui houve muita heterogeneidade. Mas todos os oposicionistas – fossem moderados ou radicais, reformistas ou revolucionários – sofreram o peso da repressão. Entretanto, expressivos segmentos apoiaram a ditadura. Houve, é claro, zigue-zagues, metamorfoses, indecisões, ambiguidades, ambivalências. Gente que apoiou desde o início e até o fim. Outros aplaudiram a vitória e depois migraram para as oposições. Outros, ainda, foram e voltaram. Vaiaram ou aplaudiram, segundo as circunstâncias. A favor e contra.  Sem falar nos que não eram contra nem a favor – muito pelo contrário.
Na história da ditadura, como sempre acontece, a coisa não foi linear, sucedendo-se conjunturas mais e menos favoráveis. Houve um momento de apoio forte – entre 1969 e 1974. Paradoxalmente, os chamados “anos de chumbo”. Porque foram também, e ao mesmo tempo, “anos de ouro” para não poucos. O Brasil festejou então a conquista do tricampeonato mundial em 1970 e os 150 anos da Independência em 1972. Quem se importava que as comemorações fossem regidas pela ditadura? É elucidativa a trajetória da Aliança Renovadora Nacional – a Arena, partido criado em 1965 para apoiar o regime. A quantidade e a qualidade das lideranças civis aí presentes, disseminadas em todos os rincões deste vasto país, atestam a articulação dos civis no apoio à ditadura.  Em certo momento, um dos presidentes da Arena se referiu à agremiação como “o maior partido do Ocidente”. Caiu em merecido ridículo. Mas era, realmente, um grande partido, um partidão. Enquanto existiu, ganhou quase todas as eleições. 
Também seria interessante pesquisar melhor as empresas estatais, os ministérios, as comissões e os conselhos de assessoramento, os cursos de pós-graduação, as universidades, as academias científicas e literárias, os meios de comunicação, a diplomacia, os tribunais. Estiveram ali, contribuindo construtivamente, eminentes personalidades, homens de Bem; alguns seriam mesmo tentados a dizer que estavam acima do Bem e do Mal. E o mais triste, e mais ilustrativo: enquanto a tortura comia solta nas cadeias, como produto de uma política de Estado, o general Médici era ovacionado nos estádios de futebol.
Na segunda metade dos anos 1970, a partir do governo Geisel (1974-1979), acentuou-se a migração de políticos e instituições, antes favoráveis à ditadura, no sentido da restauração do regime democrático. Em 1979, os Atos Institucionais foram, afinal, revogados. Deu-se início a um processo de “transição democrática” que durou até 1988, quando uma nova Constituição foi aprovada por representantes eleitos pela sociedade. Entre 1979 e 1988, ainda não havia uma democracia plenamente constituída, mas é muito claro que já não existia uma ditadura. E que fique registrado que os “milicos” saíram do governo sem levar uma pedrada – assim como tinham entrado nele sem precisar dar um tiro. Entretanto, a obsessão em caracterizar a ditadura apenas como militar levou, e leva até hoje, muitos a assinalarem o ano de 1985 como o que marcou o fim do regime, porque ali se encerrou o mandato do último general-presidente. A ironia é que ele foi sucedido por um político – José Sarney – que desde o início apoiou a ditadura, tornando-se, ao longo do tempo, um de seus principais dirigentes… civis.  Mas nada tem impedido a incongruência de estender a ditadura até 1985. O adjetivo “militar” o requer. 
Ora, desde o início de 1979, “o estado de exceção”, que existe enquanto os governantes podem editar, revogar ou ignorar as leis pelo exercício livre – e arbitrário – de sua vontade, estava encerrado. Não existiam mais presos políticos. O Poder Judiciário recuperara a autonomia. Havia pluralismo político-partidário e sindical. Liberdade de expressão e de imprensa. Grandes movimentos sociais e políticos livres de repressão, como, para citar o mais emblemático, a Campanha das Diretas-Já, que mobilizou milhões de pessoas entre 1983 e 1984. Como sustentar que tudo isso podia ocorrer no contexto de uma ditadura?   Um equívoco?
Não, não se trata de um equívoco a ser “esclarecido”, mas de desvendar uma interessada memória e suas bases de sustentação. São interessadas na memória atual as lideranças e entidades civis que apoiaram a ditadura. Se ela foi “apenas” militar, todas elas, automática e sub-repticiamente, passam para o campo das oposições. Desde sempre. Desaparecem do radar os civis que se beneficiaram do regime ditatorial. Os que financiaram a máquina repressiva. Os que celebraram os atos de exceção. O mesmo se pode dizer dos expressivos segmentos sociais que em algum momento apoiaram – direta ou indiretamente – a ditadura. E mesmo muitas forças de esquerda, porque de suas concepções míticas fazia e ainda faz parte a ideia não demonstrada, mas assumida como verdade inquestionável, de que a maioria das pessoas sempre fora – e foi – contra a ditadura.  
Por estas razões, é injusto dizer – outro lugar-comum – que o povo não tem memória. Ao contrário, a história atual está saturada de memória. Seletiva e conveniente, como quase toda memória. No exercício desta, absolve-se a sociedade de qualquer tipo de participação neste triste – e sinistro – processo. Apagam-se as pontes existentes entre esta ditadura e o passado próximo e distante, assim como os desdobramentos dela na atual democracia, emblematicamente traduzidos na recente decisão do Supremo Tribunal Federal impedindo a revisão da Lei da Anistia. Varridos para debaixo do tapete os fundamentos sociais e históricos da construção da ditadura.
Enquanto tudo isso prevalecer, serão escassas as chances de a História deixar de ser uma simples refém da memória, e mais escassas ainda as possibilidades de compreensão das complexas relações entre sociedade e ditadura.

Daniel Aarão Reisé professor da Universidade Federal Fluminense e autor de Ditadura militar, esquerdas e sociedade(Zahar, 2000).

Saiba Mais - Bibliografia

GRINBERG, Lucia. Partido político ou bode expiatório, um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional/Arena1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad, 2009.
ROLLEMBERG, Denise. “AsTrincheirasdaMemória. A Associação Brasileira de Imprensa e a ditadura (1964-1974)”. In: Denise Rollemberg; Samantha Viz Quadrat (orgs.). A construção social dos regimes autoritáriosLegitimidadeconsenso econsentimento no século XX. Volume 2: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
ROLLEMBERG, Denise. A Ordem dos Advogados do Brasil sob a Ditadura (1964-1974). In: Daniel Aarão Reis; Denis Rolland (orgs.). Modernidades Alternativas, vol. 1. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 2008.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Sessenta e quatro: anatomia da crise. São Paulo: Vértice, 1986.