sábado, 30 de julho de 2011

A condição da mulher na Primeira República

Márcio Ramos

O Brasil passa por um momento ímpar em sua história em relação à busca pela igualdade de fato a todos os seus cidadãos. Apesar dos vários obstáculos,  os grupos sociais que se sentem excluído de alguma forma estão lutando para efetivar essa paridade nas relações humanas. Podemos citar o reconhecimento pelo STF do direito à união estável aos casais homossexuais como um exemplo desse movimento. Logo após a proclamação da República em 1889, a sociedade brasileira enfrentava esses questionamentos em relação às mulheres. Tentaremos mostrar nesse texto como era a concepção de família e do lugar da mulher nos anos iniciais do século passado, e ao fazermos isso poderemos compreender as permanências da discriminação  na atualidade, e da necessidade de combatê-la.

             Assim como na economia e na política, o comportamento feminino passou por muitas transformações no início  do século XX no Brasil. A tradicional sociedade patriarcal fundada desde o início da colonização começou a se desfazer, o que provocou uma forte reação em muitos conservadores, que viam nisso um perigo alarmante, que poderia acabar com toda a estrutura familiar brasileira.


            

Essas mudanças aconteciam devido ao processo de urbanização que se iniciava no país, que se caracterizava por possibilitar o ajuntamento de tantas contradições social nas áreas urbanas. A nova paisagem urbana era formada por imigrantes, ex-escravos e representantes das elites que tinham mudado do campo para a cidade. Muitas mulheres começaram a trabalhar fora de casa, mas continuavam a ser tratadas como cidadãs de segunda categoria. Isso fazia mulheres como a escritora Cecília Bandeira de Melo afirmar que “nós queremos liberdade, ou pelo menos a igualdade com o homem nosso déspota, o nosso tirano”. Exigiam mudanças na sua relação com os homens na sociedade. Essas mudanças não ocorreram tão rápido como esperavam.

             Mas vamos falar da moral da época. A Ideia predominante era que  “a mulher é em tudo o contrário do homem”. Ela precisava se encaixar no papel de “rainha do lar” para ser benquista. Era a responsável pela promoção do “lar feliz”, pela compreensão do marido e pela manutenção da harmonia em casa. Essa era a perspectiva social defendida.

                A lei na época reforçava a ideia da inferioridade da mulher ao marido. Segundo o Código Civil de 1916 o homem era o chefe da família e a mulher considerada incapaz para a realização de certos atos, sendo que até para trabalhar fora de casa tinha que ser autorizada pelo homem. O homem era o provedor da casa e a mulher a “cuidadora” da casa. A ela cabia a obediência. Vejamos um trecho do livro do Diário de Bitita da escritora Carolina Maria de Jesus, que mostra essa visão:

                “Quando vovô veio almoçar, não tinha farinha. Ele não comia sem farinha porque na época da escravidão os negros eram obrigados a comer o angu e a farinha. À tarde, quando foi jantar, encontrou farinha. Perguntou a siá Maruca:

-Onde e quando conseguiste dinheiro para comprar esta farinha?

            Os seus olhos voaram para o rosto de siá Maruca, que havia mordido os lábios. Por fim ela resolveu responder:

Eu lavei roupas para dona Faustina, ela pagou e eu comprei cinco quilos de farinha, lavei duas dúzias por um mil réis. O quilo da farinha custou duzentos réis.

             O meu avô retirou a cinta da cintura e espancou-a. Dizia:

 É a última vez  que a senhora vai fazer compras sem o meu consentimento. Quando quiser sair, peça-me permissão. Quem manda na senhora sou eu! Se a senhora não obedecer vai embora”.

Foi contra essa visão machista e discriminatória que a mulher brasileira teve que lutar. Na realidade as atividades masculinas eram mais valorizadas do que as das mulheres e foi o trabalho fora de casa que conferiu ao marido maior poder na família, dando a ele a “responsabilidade” pela família.

A família como era imaginada pelas elites da época era preservada através da condenação de qualquer outra organização familiar fora do padrão convencional. Qualquer relacionamento sexual fora do casamento era considerado imoral e inadequado. Como dizia na época o médico eugenista Renato Kehl, não havia felicidade senão no casamento, pois era nele que “a mulher se transformava em Esposa e o homem em Esposo, e que a Esposa e o Esposo se transfiguravam em Mãe e Pai”.

As revistas femininas da época buscavam ensinar as mulheres como deveriam ser. Não apenas mães e boas donas de casa, mas como se portar socialmente, respeitando os bons costumes e a moral. No quesito moda, herdaram do século XIX a cintura de vespa, e para consegui-la, tinham que se sujeitar ao espartilho, que tortura e atrofiava as ultimas costelas e prejudicava o baço, o fígado e os rins. A partir da década de 1910 alguns médicos denunciaram os prejuízos do espartilho e aos poucos ele foi caindo em desuso.  A preocupação com o pudor era enorme.  As roupas não podiam mostrar nem mesmo os tornozelos.

Ao longo do tempo também isso foi mudando, e já em 1917 a imprensa já denunciava que as mulheres estavam determinadas a gastar “menos seda”: primeiro foram os decotes que abaixaram e depois as saias subiram. Mesmo em meio a essa estrutura social as mulheres sempre lutaram contra a desigualdade.



Exemplo disso são personagens citados pelo site www.brasilcultura.com.br, como  Nísia Floresta (1809-1885), abolicionista, republicana e feminista nascida no Rio Grande do Norte e ardorosa defensora da educação feminina. A baiana Violante Bivar e Velasco fundou em 1852 o primeiro jornal dirigido por mulheres: o Jornal das Senhoras e, em 1873, a professora Francisca Senhorinha da Motta Diniz criou em Campanha, Minas Gerais, o jornal feminista O Sexo Feminino.

Ainda segundo o site, “no início deste século, o comércio e as fábricas passam a absorver cada vez mais a mão-de-obra feminina e essa incorporação na produção social criou as raízes dos movimentos da libertação feminina. A incorporação possibilitava uma independência econômica e, conseqüentemente, quebraria os laços da dominação do homem e da família. Em novembro de 1917, a Professora Leolinda Daltro, depois de fundar em 1910 o Partido Republicano Feminino, lidera uma passeata exigindo a extensão do voto às mulheres (desde o século passado o voto era acessível aos homens), mesmo ano em que Anita Malfati realiza a que é considerada a primeira mostra de arte moderna brasileira.”

Após todas essas manifestações e organizações, em 1932 foi garantido o direito de voto às mulheres como o novo Código Eleitoral de Getúlio Vargas. Essa foi uma grande conquista, mas as mulheres lutaram durante todo o século XX, e ainda lutam, para que haja igualdade de fato, não apenas legal, entre homens e mulheres.

Fontes:
Maluf, Marina; Mott, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: Sevcenko, Nicolau. República: da belle époque à era do rádio. Säo Paulo, Companhia das Letras, 1998. p. 367-421

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