segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O Golpe Civil-Militar de 1964

Márcio Ramos


O regime militar instaurado em 1964 estendeu-se por 21 anos, nos quais a presidência da republica foi ocupada sucessivamente por generais do exército. Foi um período de forte repressão social, onde os militares impuseram à força o seu sistema de governo.
Essa é a visão que tradicionalmente é apontada como explicação para o que aconteceu no Brasil após a derrubada de João Goulart. Entretanto, é preciso relativizar essa expressão “regime militar”. Apesar dos presidentes-ditadores desse período serem militares, eles governaram apoiados por vários setores da sociedade civil, que viam nesse tipo de governo a possibilidade de ganhos econômicos e políticos, ao mesmo tempo em que se perseguia as ideias comunistas, vistas como a própria encarnação do  mal naqueles anos de Guerra Fria. O golpe foi civil e militar. Ele foi deflagrado por segmentos importantes da sociedade, como grande parte do empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais, da Igreja Católica e por influentes governadores de estado.
O golpe foi uma resposta às tentativas de mudanças sociais do governo de João Goulart, as chamadas Reformas de Base. As reformas tinham por objetivo “acabar com o latifúndio(com a reforma agrária) e a presença do capital estrangeiro no país, conceder o voto aos analfabetos e aos soldados, proteger os assalariados e mudar radicalmente os padrões de ensino e aprendizagem, além de alterar o sistema bancário e estimular a chamada cultura nacional[1]”.
Diante dessas propostas, a classe média, os empresários, a mídia, a Igreja e os militares se unem para derrubar o governo democrático do Jango. Ocorrem então as famosas Marchas da Família com Deus pela Liberdade, que mobilizaram dezenas de milhões de pessoas contra o governo. Representavam o “medo” espalhado na sociedade. O medo das reformas que poderiam acabar com os privilégios sociais.
Como foi dito acima, o mundo estava em plena Guerra Fria e os Estados Unidos, que se julgavam “guardiões da democracia” no mundo, não queria aceitar a ideia de um governo mais de esquerda, ou seja, com projetos mais sociais, no Brasil. Achavam que o país estava a caminho do comunismo e por isso apoiaram o golpe. Havia um plano de contingência, elaborado em dezembro de 1963 pela embaixada dos EUA no Brasil que previa a ajuda americana. “A ‘operação Brother Sam’ deslocaria navios de guerra e petroleiros para as costas brasileiras, a fim de apoiar os golpistas em caso de guerra civil”[2].
Os jornais também apoiaram o golpe. “os comunistas invadiram o Brasil”. Era esta a impressão de qualquer leitor de jornais no inicio dos anos 1960[3]. Essas  manchetes, editoriais e matérias de vários jornais, como a Folha de São Paulo , O Globo, Correio da Manhã e o Estado de S. Paulo não tinham por objetivo a informação à sociedade, mas sim criar uma crise política que viesse desestabilizar e derrubar o governo de então. Quando o golpe ocorreu em 1º. de abril de 1964 esses jornais continuaram a apoiar a ditadura, a Folha chegou a afirmar que “não houve rebelião contra a lei. Na verdade, as Forças Armadas destinam-se a proteger a pátria e garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem”. O Estado de S. Paulo estampou a manchete: “Democratas dominam toda a Nação”.  O Correio Braziliense noticiava em 16 de abril a posse do primeiro general ditador: “Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República... O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve”. . Podemos concluir que os militares representavam o interesse de vários setores conservadores do Brasil.

Veja o que Daniel Aarão Reis sobre a cooperação entre civis e militares:

A ampla frente política e social que apoiou o golpe era bastante heterogênea. Muitos que dela participaram queriam apenas uma intervenção rápida. Que fosse brutal, mas rápida. Lideranças civis como Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, Juscelino Kubitschek, Ademar de Barros, Ulysses Guimarães,  entre tantos outros, aceitavam ou queriam mesmo que os militares fizessem o “trabalho sujo” de prender e cassar, e depois, logo depois, fosse retomado o jogo tradicional, marginalizadas as forças de esquerda mais radicais. Não foi isso que aconteceu.[4]

Ao contrário do esperado os militares ficaram vinte e um ano no governo, em uma das piores ditaduras da América Latina. João Goulart foi deposto e partiu para o exílio. Tivemos cinco generais-presidentes, ditadores eleitos indiretamente pelo Congresso Nacional dominado. Mandaram e desmandaram no país durante todo esse tempo.




[1] REIS, Daniel Aarão. “O sol sem peneira”, In, Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 7, no. 83. Agosto de 2012.
[2] MARTINS FILHO, João Roberto. “O 1º. Abril”, In, Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 7, no. 83. Agosto de 2012
[3] DIAS, Luiz Antonio. “A Salvação da pátria”, In , Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 7, no. 83. Agosto de 2012
[4] REIS, Op. Cit.

domingo, 26 de agosto de 2012

A democracia na Grécia Antiga

Márcio Ramos

            O surgimento de uma cultura democrática, onde a participação dos cidadãos nos negócios públicos é a essência da sociedade, se dá na Grécia Antiga, mais especificamente em Atenas, uma das mais importantes e conhecidas cidades-estados gregas. Entender como os gregos criaram essa cultura é importante para a compreensão dos Estados Modernos ocidentais atuais, já que quase todos se consideram democráticos.
Mas o que é cultura política e como ela se manifesta em cada sociedade? Ela é um sistema de representação que é responsável pela motivação do agir politicamente.  Esses sistemas de normas e valores são coletivos, e são referencias para determinado grupo social[1]. É determinada  cultura política que permite a participação ou exclusão dos indivíduos da vida em sociedade. A proposta do presente texto é entender como a cultura política democrática surgiu e influenciou a organização da vida do povo ateniense. 
A democracia surge em Atenas no final do século VI a.C. como uma rejeição à tirania. Apresenta-se como um sistema oposto ao tirânico, tendo a soberania no conjunto dos cidadãos, e não mais em um líder ou grupo. O principal líder político nesse momento foi Clístenes, que buscou a ajuda do povo para formar o novo governo. Clístenes realizou as mudanças que permitiriam o desenvolvimento da democracia, acabando com os privilégios da aristocracia tradicional e tornando todos os cidadãos iguais perante a lei(isonomia).
A partir desse período, várias instituições democráticas foram se organizando e se estabelecendo na sociedade grega. Foram essas instituições que permitiram a criação de uma cultura política de envolvimento e participação dos cidadãos na vida publica.
Dentre as novas instituições, temos o ostracismo, lei que permitia que a Assembléia votasse e determinasse o exílio para quem supostamente oferecesse o risco de se tornar tirano. A pessoa ficava até dez anos fora de Atenas, mas quando voltava continuava a possuir e a exercer  seus direitos políticos. Nesse período a cidade ficava livre de sua suposta influencia negativa.
A Assembléia era a instância máxima da soberania popular. Decidia praticamente sobre tudo.Eram realizadas cerca de quarenta vezes ou mais ao ano, e todos os cidadãos podiam participar.  A democracia ateniense era direta, ou seja, as decisões eram tomadas pelos cidadãos e não por representantes,  por isso as assembléias eram importantes, sendo  o lugar das decisões da organização da vida de cada ateniense. As discussões ocorriam durante o dia, e até a noite,o que havia sido proposto era votado, ganhando o que a  maioria simples decidisse.
Outro órgão importante era o Conselho (Boulé), formado por  quinhentos representantes sorteados das dez tribos de Atenas. Eram responsáveis dentre outras coisas, pela preparação dos decretos que seriam votados pela Assembléia, além de elaborarem a pauta da reunião. Era também  sua função cuidar da administração da cidade. O Conselho zelava pela preservação da monarquia e pelo combate a qualquer tipo de golpe tirânico.
O interessante é perceber que todos os cidadãos poderiam participar em algum momento de sua vida da administração da cidade. Isso porque havia uma rotatividade no exercício dos cargos, sendo que praticamente todos, inclusive o Conselho de Quinhentos eram preenchidos através de sorteios, o que garantia a participação de um número elevado de cidadãos.  Somente os cargos dos dez generais e os funcionários das embaixadas é que eram preenchidos por eleição.
Essa participação garantia uma familiaridade dos cidadãos com os assuntos de interesse publico, de sorte que o processo político fazia parte de sua vida cotidiana. As votações nas Assembléias eram precedias de discussões sobre os temas nas ruas, nas casas, no comércio,  e isso contribuía para a  criação e a difusão de uma cultura política democrática,  que teve longevidade em Atenas.
Nessa organização política a fala, o discurso,  é de extrema importância. Isso porque tudo é debatido e decidido pela Assembléia, e todo cidadão pode falar. Essa é outra característica da democracia grega, a isegoria, o direito de todo cidadão de debater e defender suas idéias diante da comunidade. Qualquer cidadão podia fazer discursos e propostas. Porém, ele sabia que sua fala seria julgada por todos. Dependendo de sua proposta ele até poderia ser julgado como traidor da democracia, podendo ser multado ou preso.
Na Assembléia todos eram iguais, independente do cargo que a pessoas estivesse exercendo, o poder não residia na força do cargo e sim na capacidade de cada cidadão de argumentar e quem sabe convencer a Assembléia.
Até na guerra os cidadãos exerciam seu poder de participação. Eram eles que decidiam a entrada ou não de Atenas no conflito,e  os passos seguintes que deveriam ser tomados pela liderança militar.
Participar da vida cívica da cidade era  visto como dever de todos cidadãos. Quem não participava era considerado inútil. A Assembléia e a vida em comunidade era a fonte de educação para os atenienses, o lugar da aprendizagem da política, do agir em sociedade. É ali que se decide o aumento dos impostos e a participação em guerras. E as pessoas sobre quem essas decisões iriam recair estavam ali votando, o que tornavam as tais decisões mais legitimas.
A Batalha de Maratona, por volta de 490 a.C, é considerada, politicamente, o momento fundador da democracia. Atenas estava sendo atacada e a população sai da cidade, sendo essa destruída parcialmente. Apesar da destruição da cidade geográfica, a cidade civil continua a existir. Ou seja, podiam destruir a cidade física, mas as instituições democráticas de Atenas estavam de pé. Essa concepção esteve presente na visão de mundo ateniense, ou seja, a democracia residia no corpo de cidadãos que se reunia nas assembléias.
Até o conflito contra Esparta, a Guerra do Peleponeso (430 a. C.), apesar da participação de todos os cidadãos na ágora, as principais lideranças políticas ainda eram pessoas ligadas a nobreza. A guerra vai mudar essa situação. Sua longa duração(cerca de 27 anos), aliada a uma peste que  dizima grande parte da população,  permite o surgimento de um novo tipo de liderança, vindo  das camadas mais populares.Um exemplo foi Alcibíades. Dessa forma a democracia passa a ser de fato o governo de todo “corpo de cidadãos”, incluindo pessoas que não faziam parte das oligarquias tradicionais de Atenas.
No primeiro ano da Guerra do Peloponeso, um dos lideres políticos da cidade chamado Péricles fez um discurso em honra aos mortos no conflito, que nos revela muito sobre a cultura política dos gregos.
O discurso era uma oração fúnebre e Péricles, conforme relata Tucidides[2], começa louvando os antepassados, apontando-os como responsáveis pela criação de instituições que serviam de modelo para outros povos. A democracia é vista como uma construção essencialmente grega .Eles teriam tido a capacidade de criar um novo modelo de organização política que possibilitou a participação real dos cidadãos. Ele mostra as principais características dessa forma de governo da cidade-estado, como a igualdade de todos perante a lei, o acesso de todos à participação da vida política e aos cargos políticos e administrativos, não por ter nascido nobre, mas por seus méritos. Péricles afirma que em Atenas havia o respeito às liberdades individuais e à lei.Ninguém era oprimido, tendo seus direitos preservados.
O autor do discurso mostra a riqueza da vida cultural grega, como os concursos, as festas religiosas e o teatro. A partir da análise da experiência história grega, podemos afirmar que essas atividades eram mecanismos de educação civil e política, pois  faziam com que os gregos se reconhecessem como tal, criassem uma identidade política coletiva  e defendessem seu modo de vida. Era um momento de comunhão , de convivência entre os atenienses. Momento de inculcar na mente dos cidadãos e das novas gerações a superioridade grega. Além disso, esses encontros públicos podia demonstrar o poderio econômico e cultural de Atenas.
Conforme Péricles, os gregos amavam a beleza e a filosofia, mas não eram indolentes, participavam ativamente da vida, conciliando sua vida privada com a defesa dos interesses públicos. Percebe-se nesse discurso uma idealização de participação dos cidadãos na vida publica. Eles seriam abnegados pelo bem da coletividade.
Os gregos se achavam de fato superiores aos outros povos. Atenas era apresentada como a “escola de toda Hélade”, o ideal a ser buscado pelos povos vizinhos e, também pelos futuros.  Para Péricles o sistema era tão perfeito que seria copiado pela posteridade.
Um detalhe interessante no discurso é que ele afirma que “simples artesãos podem ter bastante compreensão sobre  questões da política”. Conforme apontamos acima, isso era possível devido ao envolvimento e participação efetiva que as pessoas tinham com a vida política, tanto nas Assembléias como na ocupação dos cargos públicos. Elas eram chamadas a ocupar parte importante de suas vidas nos debates e no exercício da atividade política.
Para que todos os cidadãos pudessem ocupar os cargos públicos, independentes de sua situação financeira, o serviço prestado ali era recompensado financeiramente. Dessa forma, até os artesãos mais pobres podiam se dedicar e ter  experiência administrativa e política. A questão do nível de conhecimento formal não era tão importante quanto a pratica política. A formação se dava na realização das Assembléias.
Essa organização era possível pois havia uma concepção dominante na Grécia que os ricos deveriam arcar com os custos do governo. Nenhum imposto recaia sobre as atividades exercidas pelos cidadãos. Mas os ricos  tinham que financiar as “liturgias”: manutenção de navios e pagamento da tripulação, realização dos festivais religiosos, dentre outras obrigações. Além disso, o governo obtinha receitas através do aluguel de suas propriedades, de cobrança de multas, de tarifas portuárias, dentre outras.
Não podemos esquecer do imperialismo ateniense, do seu domínio sobre outras cidades da Grécia. Alguns autores[3] afirmam que a democracia  em Atenas só foi possível devido ao domínio e à exploração econômica sobre outras regiões, além da exploração dos não-cidadãos na cidade. Essa desigualdade interna em Atenas deve ser lembrada. Na concepção política ateniense  vida política não era destinada às mulheres, nem aos escravos e estrangeiros.
Uma questão merece reflexão. Até que ponto os cidadãos gregos que iam à Assembléia votavam de acordo com a sua consciência, ou se eles eram induzidos pelos demagogos, mestres da oratória. A manipulação da população pelos oradores era algo possível, mas não parece ter sido o que predominou em Atenas. O orador tinha que tomar cuidado com a sua fala pois ele seria julgado a partir dela. Quando ele pregava a ida à guerra, a Assembléia podia chamá-lo para dirigir a forças militares.
 Era essa mesma Assembléia que julgava as ações desses lideres, muitas vezes voltando atrás em suas decisões, como aconteceu no inicio da Guerra do Peloponeso, quando  a Assembléia decide matar os homens da cidade de Mitilene que tinham se levantado contra Atenas, e no outro dia essa mesma Assembléia muda de idéia, revogando a condenação à morte, mesmo contra a vontade do líder político da época, Cleon.
As Assembléias eram incontroláveis, principalmente porque havia uma grande rotatividade dos participantes  a cada dia. Era possível que houvesse mudança na platéia, o que poderia resultar em um decisão diferente.
É preciso compreender  que o conflito, como em todas as sociedades, fazia parte da vida e da organização de Atenas. Na realidade, podemos afirmar que havia interesses conflitantes, como por exemplo a questão da participação de todos nas Assembléias. As antigas oligarquias não concordavam com essa concepção, e volta e meia tentam restabelecer a oligarquia ou a tirania. Continuam querendo podar o poder do povo, e por isso muitos sofreram o processo do ostracismo. As classes baixas não queriam perder o poder que haviam conquistado.
Uma prova desses conflitos foram as diversas constituições que Atenas possuiu, demonstrando as constantes mudanças provocadas por esses grupos que estavam em conflitos. A questão da terra é outra fonte de conflitos entre os gregos. Como o território era muito pequeno, as pessoas das camadas mais populares tentavam pressionar a Assembléia para resolver tal problema. Uma possível solução encontrada foi o imperialismo, com a ocupação de terras fora de Atenas, muitos atenienses acabaram recebendo um pedaço de terra e isso possivelmente diminuiu tais  conflitos.
Mesmos esse conflitos contribuíram para o fortalecimento de uma cultura democrática. Os cidadãos quando participavam das Assembléias faziam isso pensando no bem da coletividade, mas também em busca de respostas para problemas como esses.
Em 404 a.C., depois da longa guerra, a população de Atenas estava faminta e arrasada, sendo vencida por Esparta . A cidade muda de regime, destrói as suas muralhas e adota novamente um regime oligárquico,  exercido pelos chamados 30 tiranos. Adotam um regime de repressão e autoritarismo. Porém, um ano depois, esses tiranos são derrotados e a democracia restabelecida.
Atenas havia perdido o império e sua população não estava em uma situação social nem um pouco confortável. Muita gente estava arruinada, outras até passando fome. A necessidade de tentar o ganha pão acabou afastando muita gente das atividades políticas. Para incentivar a participação nas Assembléias, começa-se a pagar a presença dos cidadãos, o equivalente a meio dia de trabalho. Isso acaba provocando um desequilíbrio nas finanças publicas, o que leva a adoção de um imposto sobre o patrimônio provocando um sentimento de revolta entre os nobres.  A nobreza se considerava prejudicada e espoliada, começando a sonegar impostos.
Atenas passa por uma crise financeira nesse período pós Guerra de Poleponeso. Ela sofre algumas reformas  econômicas com Calistrato, obtendo uma pequena recuperação.  Mas no final do século IV  a.C. a democracia ateniense não resiste e cai.
Contudo, podemos perceber a importância da formação histórica e cultural grega para a história. A formação de uma cultura democrática,  cultura essa que se espalha por todos os setores da sociedade, que permite a participação dos cidadãos sem levar em conta a sua posição social e que faz da arte do debate uma razão de ser da vida política.
 A partir do século XVIII, os pensadores iluministas e revolucionários vão voltar sua atenção para a Grécia e para a Antiguidade de forma geral[4], em busca de inspiração para a formatação de um novo pensamento político que rompesse com a tradição cristã predominante. Cada um buscou na Antiguidade a fonte de pensamentos e experiências que justificasse  suas idéias e propostas políticas. Alguns buscaram o exemplo de democracia ateniense, outros a experiência de Esparta, outros de Roma. 
O interessante é que essas experiências histórias serviram de fonte de inspiração  para a criação de várias culturas políticas modernas, de diversas experiências democráticas,que continuam a influenciar e a organizar a vida de pessoas.O dilema atual é como é conseguir retomar essa cultura de participação vivenciada pelos gregos atenienses.  Como será possível, em um regime representativo o envolvimento dos cidadãos na vida publica? Essa é a grande questão colocada para a ciência política moderna.

            
           
Bibliografia

DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Historia e Culturas Políticas: definições, usos, genealogias. Varia Historia, Belo Horizonte, n. 28, pp. 13-28.
FINLEY, M. Política no mundo antigo. Lisboa, Edições 70.
FLORENZANO, M.B. O mundo antigo: economia e sociedade. São Paulo, Brasiliense.
GUARIBELLO, Noberto Luiz .“Cidade-estado na Antiguidade Clássica”, in PINSKY, Jaime (coord), História da cidadania .Sao Paulo: Contexto, 2003, pp. 29-47
MOSSÉ, Claude. Atenas: a história de uma democracia.-  3ª. Ed. – Brasília:UnB
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. A história política e o conceito de cultura política. Anais do X Encontro Regional da ANPUH/MG. Mariana, 1996, pp. 83-91.
TRABULSI, José Antonio Dabdab. Liberdade, Igualdade, Antiguidade: a Revolução Francesa e o Mundo Clássico. Phoenix / UFRJ. Laboratório de História Antiga, Ano IV – 1998. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998. pp. 205-255.



[1] Cf. DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Historia e Culturas Políticas: definições, usos, genealogias. Varia Historia, Belo Horizonte, n. 28, p. 13-28.
[2] TUCIDIDES, Historia da Guerra do Peloponeso .Brasilia, UnB. Tradução: Maria da Gama Kury.
[3]Cf. MOSSÉ, Claude. Atenas: a história de uma democracia.-  3ª. Ed. – Brasília:UnB

[4] TRABULSI, José Antonio Dabdab. Liberdade, Igualdade, Antiguidade: a Revolução Francesa e o Mundo Clássico. Phoenix / UFRJ. Laboratório de História Antiga, Ano IV – 1998. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998. (pgs 205 a 255).


 


sábado, 18 de agosto de 2012

Os Motins no Início da Era Moderna

Márcio Ramos

            A história dos movimentos sociais nos mostra que a plebe se organizou de diversas formas em sua luta política. A partir do século XVIII, uma das principais formas de organização foi através dos motins de fomes, onde ela  fazia uso de um repertório de ações  coletivo na luta por seus direitos.
            Quando as pessoas comuns percebiam e entendiam que certas circunstancias e atitudes governamentais e econômicas, como o aumento de impostos ou do preço de pão eram prejudiciais, elas se uniam e se organizavam em motins, realizando revoltas e atacando quem eles percebiam causador do distúrbio da ordem natural da vida em comunidade.
            Analisando os movimentos do século XVIII na Inglaterra,  Thompson afirmou que os motins de fome buscavam sua legitimação nos costumes, na tradição, possuindo formas complexas de ação, já  que tinham  objetivos específicos e eram direcionados a interferir na esfera política para conservar determinada estrutura social[1]. Não eram atitudes de seres famintos irracionais.
            A Europa nesse período passava por grandes mudanças econômicas, através do desenvolvimento do capitalismo, mas as pessoas não se adequavam a esse novo tempo, e buscavam o retorno a antiga organização social. Reivindicavam a manutenção dos direitos consuetudinários, e por isso faziam motins. Suas ações eram legitimadas pelo consenso de grande parte da sociedade sobre tal questão, que temiam a novidade.
            Apesar das mudanças provocadas pelo capitalismo, “a economia dos pobres era local e regional, derivadas de uma economia de subsistência”[2], portanto, a plebe não aceitava as transformações provocadas por essa nova realidade e agiam no intuito de conservar como válida a sua antiga noção de direito, e mais do que isso, sua antiga forma de sobrevivência, que se baseava no respeito do soberano a tradição local.
            A reação popular apresentava um padrão de comportamento, ou seja, o povo era chamado a partir do toque do sino da Igreja, se reunindo na praça e indo em direção ao lugar onde o a origem do problema era detectada, como por exemplo,  os armazéns.As revoltas eram  iniciadas quase sempre com as mulheres, as mais envolvidas  com o valor dos produtos. Elas reagiam defendendo “uma espécie de reflexo biológico, a vida de seus filhos e a existência física de seu lar”[3].
            Esses motins possuíam um certo repertório de ação, que os unia e ao mesmo tempo servia para instrumentalizar suas ações, conforme  a definição de Mark Traugott:

O repertório da ação coletiva, como sua contrapartida teatral, implica em um grupo de atores sociais que escolhe entre um número restrito de performance com as quais eles estão familiarizados. Suas opções estão circunscritas tanto pela experiência anterior, quanto pelos recursos materiais, organizacionais e conceituais que eles encontram às mãos[4].

            Ao ouvir o sino, todos entendiam o significado e sua intenção, e como viviam uma mesma realidade de exploração se união para combatê-la, na busca do bem-estar público. Podemos dizer que possuíam uma “visão comum do mundo, numa leitura partilhada do passado (...) de normas, crenças e valores”.[5] Possuíam uma cultura política, e respondiam ao seu chamado.
            Os motins causavam pavor entre as autoridades e as classes governantes, e por isso o rei controlava tais             movimentos através de decisões de manter  o preço dos alimentos. Segundo Thompson o Estado Paternalista salvava a plebe nos momentos de carestia para conter grandes revoltas sociais. O movimento ocorria e logo se iniciava uma situação de negociação entre o produtor, ou comerciantes e os consumidores, ou uma ação do Estado.
            A análise de Thompson foi criticada por Bohstetd, Raudall e Charlesurth, que afirmam que os motins não são formas organizadas de manifestação e que a política paternalista não tinha como preocupação inicial a sobrevivência dos pobres, mas sim a manutenção do Estado e da ordem social. Ela era usada apenas para conter o ímpeto da população, que apenas reagiam a fome de forma irracional. Apesar dessas críticas, Thompson manteve a sua interpretação, afirmando que seu período de análise histórica havia se restringido ao século XVIII na Inglaterra e que

os motins são geralmente uma resposta racional, que não acontece entre os indefesos ou sem esperança, mas entre aqueles grupos que se sentem com um pouco de poder para tomar os viveres que precisam quando os preços vão às alturas, os empregos desaparecem e eles vêem o seu suprimento de alimentos básicos ser exportado[6].

            Os motins que ocorriam na Europa possuía semelhanças com os que aconteciam na América colonial nesse mesmo período. Aqui, quando os  colonos achavam que os costumes haviam sido desrespeitados, que o governo ou seu representante estava sendo tirânico, eles também  se amotinavam.
            Um exemplo de revoltas que se baseavam nessa critica à quebra de um pacto entre o soberano e os súditos foi a revolta que ocorreu em São Sebastião do Rio de Janeiro, em 1660, chamada de Revolta da Cachaça.A região vivia da produção da cana-de-açúcar, e como era importante na economia colonial tinha que ser bem protegida, e o preço da manutenção das tropas de defesa era cobrado da população, o que gerava uma grande insatisfação .
            Quando o governador Salvador de Sá Correia tentou cobrar uma nova taxa sobre todos os moradores da cidade, ele foi acusado pela população de tirânico, e de nepotismo. A população se reúne em praça publica e inicia um levante, fazendo o governador fugir e  instituindo um novo governo, formado de diversos setores da população. Pouco tempo depois o governador retorna e o grupo é desmobilizado e os líderes presos.
Um outro exemplo são  as revoltas que aconteceram em Minas Gerais no início do século XVIII. Em 1715, houve um levante na região mineradora devido à tentativa do governador de mudar a cobrança de impostos, que passaria a ser por bateia. A população exigia que a cobrança continuasse a ser como era antes, através do pagamento do quinto em 30 arrobas, já que a nova forma era vista como injusta e muito onerosa aos mineradores. Conforme Carla Anastasia assinala, os revoltosos declararam “que não discutiam a justiça do pagamento do tributo com o qual voluntariamente se dispunham a arcar, mas que nada pagariam caso a forma da arrecadação fosse alterada”[7].  O rei não viu outra solução a não ser manter a cobrança de acordo com o costume estabelecido entre as partes. Nesse caso, a ação não era contra o rei ou a estrutura política estabelecida, mas sim contra o abuso de autoridade do rei ou de seus comandados.
            Por trás dessas revoltas a visão política que prevalecia era a de que o governo deve ser justo e não pode explorar os vassalos. Se o governante fosse justo, não realizando uma exploração descabida, ele permitiria o desenvolvimento da sociedade e não a sua destruição. A sociedade era vista como um corpo e o desrespeito a parte desse corpo resultaria numa reação violenta de todo o corpo.
Analisando tal realidade,  Luciano Raposo de Almeida Figueiredo afirma que 

o reforço à figura do soberano, e ao amparo que deveria proporcionar aos vassalos, estaria configurado em um dos rituais adotados nessas revoltas: os gritos de “Viva o rei”, onde manifestava-se antecipadamente o reconhecimento público da lealdade que, na perspectiva desses colonos, ao lado dos clamores contra a usurpação dos direitos tradicionais de súditos, legitimava a prática da rebelião.[8]

            Percebemos a partir dessas análises que a plebe se organizava a partir de suas experiências, na tentativa de se conservar uma organização social e cultural que lhe pareciam mais justa. Combatiam o que eles entendiam como a quebra de um pacto. O homem no inicio da Era Moderna era inseguro, se sentindo ameaçado por fatores diversos, tendo medo da floresta( lugar dos lobos e dos bandidos), medo do mar, medo dos outros( o estranho é perigoso), medo da feitiçaria, medo da noite. Medo de serem mortos pela fome, que era uma realidade inescapável para a maioria. Era um sociedade que de fato temia. Os contos que surgem nesse momento (Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, entre outros[9]) vão justamente falar dessa angústia e medo.
Esse homem que fazia motim era rude, ainda vivendo sob o domínio da mentalidade medieval. Está em fase de transição entre o velho e o novo, possuindo características modernas e medievais, e utilizam de concepções antigas em sua luta política. Buscam a explicação para a vida a partir da religiosidade. Se apegam a segurança da tradição, a defendendo até mesmo com o uso de violência.
            Natalie Zemon Davis ao analisar os ritos de violência do período das reformas religiosas, afirma que ela possui três objetivos básicos: defender a doutrina, combater a poluição da doutrina e desempenhar a função das autoridades, que por incompetência ou negligência não praticavam. Dessa forma, a multidão incorporava o papel de juiz, através de julgamento e execuções públicas.
            Tanto os católicos e protestantes defendiam aquilo que eles achavam ser a verdade original, combatendo as “novidades profanas” ou “desvios” da verdadeira doutrina. Geralmente iniciavam os movimentos em datas e situações especificas, quase sempre relacionadas ao calendário religioso. O seu repertório, que Natalie Davis chama de ritos de violência, era  derivado da “Bíblia, da liturgia, da ação das autoridades políticas ou tradições da justiça popular, cuja intenção era purificar a comunidade religiosa e humilhar o inimigo, tornando-o menos perigoso.”[10]
            Podemos perceber a dura realidade em que esses homens e mulheres enfrentavam. Vivam tempos de mudanças sociais, econômicas e culturais, ao mesmo tempo não sabiam como responder a tal situação e como preservar seus direito. Acabam se organizando e reforçando os laços de solidariedade, agindo em defesa do que acreditavam através dos motins, que na realidade não eram tão complexos como Thompson queriam, eram espontâneos e em sua maioria sem liderança, mas mantinha um certo padrão de comportamento, ou repertório.            
A constatação da longa duração desses eventos nos permite ver como eles faziam parte de uma cultura de participação política, que não se acomodava às mudanças, mas que lutava para se manter.
           


                       
BIBLIOGRAFIA

ANASTASIA, Carla Maria Junho. Vassalos Rebeldes: violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998.
BERSTEIN, Serge, In: RIOUX & SIRINELLI( Org.). Para uma história Cultural .Lisboa: Estampa, 1988
DARNTON, Robert. O grande massacre dos gatos. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
DAVIS, Natalie Zemon.As razoes do desgoverno. Ritos de violência. In:- Culturas do povo: sociedade e cultura no inicio da França moderna: oito ensaios. Rio de Janeiro: 1990.
DELUMEAU, Jean. Medo e sedições. In:-. História do medo no Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Práticas políticas e idéias ilustradas na América portuguesa(quando os motins tornam-se inconfidências – 1640-1817). 10th International Congress on the Enlightenment, 7,1999,Anais, Dublin.(inédito)
RUDE, George F. E.. A multidão na historia: estudo dos movimentos populares na França e na Inglaterra 1730-1848. Rio de Janeiro: 1991.
THOMPSON, E. P.A economia moral da multidão inglesa no século XVIII. Economia moral revisitada. In: Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998
TRAUGOTT, Mark.Barricades as repertoire: continuities and discontinuities in the History of French contention ( Tradução, adaptação e notas por Carla Anastasia). Manuscrito.


[1] THOMPSON, E. P.A economia moral da multidão inglesa no século XVIII. Economia moral revisitada. In: Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998,p. 152
[2] Idem, p. 167.
[3] DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 189
[4] TRAUGOTT, Mark.Barricades as repertoire: continuities and discontinuities in the History of French contention ( Tradução, adaptação e notas por Carla Anastasia). Manuscrito
[5] BERSTEIN, Serge, In: RIOUX & SIRINELLI( Org.). Para uma história Cultural .Lisboa: Estampa, 1988, p.362.
[6]Thompson, Op. Cit.  p. 207.
[7]ANASTASIA, Carla Maria Junho. Vassalos Rebeldes: violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998, p. 33
[8] FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Práticas políticas e idéias ilustradas na América portuguesa(quando os motins tornam-se inconfidências – 1640-1817). 10th International Congress on the Enlightenment, 7,1999,Anais, Dublin.(inédito)
[9] Conforme DARNTON, Robert. O grande massacre dos gatos. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
[10] DAVIS, Natalie Zemon.As razoes do desgoverno. Ritos de violência. In:- Culturas do povo: sociedade e cultura no inicio da França moderna: oito ensaios. Rio de Janeiro: 1990, p. 149.