terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Evangelização à brasileira

Ao se adaptar às necessidades locais da sociedade brasileira, as religiões evangélicas vem conquistando cada vez mais espaço no país

Colonizado e cristão, miscigenado e avesso a Revoluções, o Brasil evangélico adapta a crença em seus mitos fundadores e difunde um protestantismo que pretende conquistar o mundo.
Ao final dos anos de 1950, Nelson Rodrigues tornou conhecida a expressão “complexo de vira-latas” para falar da suposta inferioridade a que o brasileiro se colocava diante do mundo. Tratava-se, naquela ocasião, de uma crônica sobre futebol, mas funcionaria durante muito tempo como um deboche do atraso brasileiro, o país do eterno futuro, cheio de potencialidades naturais e de “cordialidade”, mas incapaz de resolver seus problemas mais antigos como o analfabetismo e a fome.
Coincidência ou não, entre os anos 50 e 70, a população evangélica daria uma salto de quase 70% em relação ao período anterior, acompanhada pela modernização conservadora durante a ditadura militar, e pela explosão mundial de movimentos sociais em defesa da liberdade de expressão, dos direitos das minorias e da negação da guerra. Um por um, os temas da agenda social brasileira e mundial foram gradualmente incorporados à pregação protestante tradicional: o pastor abre as portas da Igreja como as de sua própria casa, possui a autoridade de um pai ao acolher o cidadão mais desamparado pelo Estado e pela sociedade; oferece-lhe uma família para pertencer, eventualmente emprego e orgulho próprio, e um objetivo de vida, uma missão: mostrar ao mundo o caminho da salvação.
Primeiros evangélicos da Assembleia de Deus de Goiânia. 1936.
Podia ter dado certo ou não, como ocorre igualmente nos processos históricos e na vida, mas em fins da década de 1980, a redemocratização no Brasil e a vitória do capitalismo no mundo, contribuíram com importantes ferramentas: a legítima liberdade de crença religiosa, o livre acesso aos meios de comunicação e a consolidação do modelo liberal de sociedade de massa: cada um por si e pelos seus.
Contudo, o Espírito Santo, ou para os mais céticos, o senso de realidade e de oportunidade de alguns pastores e igrejas escapou à observação restrita às fronteiras e à conjuntura, e enxergou o impacto da fragmentação global. Conflitos étnicos, desemprego generalizado e a desarticulação da família tradicional não desfrutam mais da opção dos projetos revolucionários, o Estado tornou-se autoridade menos capaz com o aprofundamento da globalização, e a política é hoje um terreno cada vez mais desacreditado pelos jovens. Nascidas no dia a dia da batalha que cada fiel pentecostal trava com a realidade brasileira, explicada pela demonização de seus mais diversos reversos, as igrejas evangélicas oferecem à América Latina, Ásia e África uma nova utopia. Sem revoluções, imposição ou violência, elas agem pela conversão e crescem sempre de baixo para cima, raramente seduzem as elites nos primeiros encontros, misturam com alguma facilidade a sua fé aos aspectos mais tradicionais das igrejas predominantes, e transformam a religião em uma identidade conquistada e vencedora, pois que escolhida para levar a palavra de Deus aos incrédulos.
África e America Latina
Na África e na América Latina, as proximidades da língua parecem ajudar no crescimento das igrejas brasileiras, sempre associadas a outros elementos, específicos em cada país. Pesquisadores apontam que nessas regiões os cultos são realizados em proporção de 40% na língua local, e 60% em português, atraindo também os grupos de imigrantes brasileiros.
Na Argentina, é possível que as sucessivas crises econômicas, somadas ao desgaste no orgulho das classes médias, contribuam para uma aceitação das igrejas bem maior do que no Chile, onde o catolicismo ainda é profundamente identificado com uma distinção de classe. Bolívia, Peru e México apresentam um índice de crescimento pentecostal marcadamente entre as populações indígenas, para as quais há um trabalho direcionado por parte de algumas igrejas, e minuciosamente acompanhado pela SEPAL (Servindo aos pastores e líderes), missão internacional que avalia e difunde o crescimento evangélico no Brasil há mais de 30 anos. No site da instituição/Rede é possível ter acesso às chamadas “missões transculturais”, cujos objetivos variam de acordo com as regiões de destino e a formação dos missionários. Estes, são atualmente cerca de 600 e incluem teólogos, professores, antropólogos, administradores, entre muitos outros espalhados por quase 70 países do globo.
A motivação mais comum a levar essas pessoas para lugares tão distantes de suas raízes é a “batalha espiritual”: cada povo não cristão seria vitima de um tipo de demônio como a pobreza, a violência, a exclusão, o neocolonialismo, o desemprego, a solidão, etc. Mas entre os horrores contemporâneos, existe ainda uma hierarquia que alça ao seu topo o islamismo e as religiões orientais. Daí a existência da chamada “Janela 10-40”; segundo a qual a maior concentração de pessoas do globo terrestre que ainda não “encontrou Jesus” localiza-se no retângulo que se estende da África ocidental através da Ásia, entre os graus 10 e 40 a norte do equador, incluindo o bloco muçulmano e o bloco budista, ou seja, bilhões de pessoas à espera da conversão.
Ao que é possível obter de informações nos sites das igrejas como a Universal do Reino de Deus, e em pesquisas acadêmicas variadas, as missões são estudadas com bastante antecedência por uma comissão que visita o país ou região de destino e elabora uma espécie de dossiê avaliando as probabilidades de sucesso, a legislação local, os trâmites relacionados à existência jurídica da Igreja e, sobretudo, a cultura local. Contexto nacional, linguagem apropriada, classes e modos de vida específicos, localização ideal dos templos com vias de acesso e sem concorrências, compra ou preferencialmente o aluguel de um imóvel com as proporções adequadas, arrecadamento estimado dos dízimos... A fé evangélica é também uma empresa de porte multinacional, embora esteja longe de se reduzir a isso.
Movidas especialmente pela adesão global de populações pobres, com baixos graus de instrução, não-brancas, jovens, e mulheres, tudo indica que essas igrejas buscam e produzem fieis cada vez mais diferentes entre si, marcados por histórias nacionais e individuais muito particulares, parecidos com a sociedade em que vivem mas, ao mesmo tempo, sensíveis a um discurso que universaliza sentimentos velhos conhecidos do povo brasileiro.
Desde a síndrome de vira latas criada por Nelson Rodrigues, até a opressão sentida pelas tribos indígenas latino-americanas, agora fortalecidas pelo poder eleitoral dos evangélicos, a exclusão social, no caso dos imigrantes nos Estados Unidos, e a diversidade, marca de nossa identidade histórica e cultural, agora oferecida aos russos, aos chineses, e aos países muçulmanos mais radicais... Não sem algum custo, é claro.

domingo, 9 de dezembro de 2012

O pensar e o conhecimento


O pensamento filosófico busca desnudar a nossa compreensão sobre o mundo, como forma de nos levar para além das aparências.  Leva-nos a perceber que as coisas não são simplesmente o que vemos. Há uma realidade que depende de certo esforço para ser tocada.

Valorizar essa capacidade de refletir sobre a vida e a sociedade é essencial atualmente. O sistema capitalista selvagem em que vivemos nos programa a não pensar. Na infância, tentamos nos compreender no mundo. É a fase dos porquês. Queremos saber a razão e o funcionamento de tudo. Não temos medo de fazer perguntas que para o outro possam parecer ridículas. Os anos iniciais na escola são provas disso. Mas pouco a pouco somos levados a acreditar que tais questões não são importantes nem necessárias, pois já existem respostas prontas para tudo. Cabe a nós aceitarmos a norma e o padrão que a sociedade ou os deuses deixaram. Nos dias de hoje, podemos dizer, aceitar o que os  meios de comunicação apontam como verdade.

A questão é que não podemos ser humanos plenos enquanto vivermos dessa forma. Talvez o que nos diferencie dos outros animais seja nossa capacidade de criar e recriar a nossa relação com o outro e o mundo. Dessa forma, precisamos repensar esse estar no mundo como algo não dado, mas que pode ser construído. Para isso precisamos voltar a pensar e a perguntar.

Dizem os doutos que é preciso aprender a pensar.  Alguns afirmam que esse deve ser o principal objetivo dos educadores. Concordo com a importância do desenvolvimento dessa habilidade de reflexão para a existência de seres mais cientes do seu estar no mundo, que possam reagir à apatia geral diante do sistema ideológico massificante. Temos a ilusão de vivermos muito informados, já que nunca se produziu tanta informação como hoje. Mas esse excesso de informação pode até atrapalhar a formação do saber, já que o que se valoriza é o acumulo e não a análise dos fatos.

Sabemos que o pensamento gera um certo desconforto, pois nos leva a ver além das sombras que estamos acostumados a compreender como a verdade. Pensar dói mais do que uma ferroada de abelha. Causa mais instabilidade que o pular de um cavalo bravio.  Pode gerar um mal-estar como uma pedrinha no sapato.  Entretanto, penso ser o caminho para uma sociedade de seres mais autônomos e responsáveis por suas ações e relações com o mundo. Seres que estabelecerão o seu próprio princípio de felicidade e não se submeterão simplesmente ao mercado. Seres que deixarão de ser "gado, marcado e feliz" como afirma a música "Admirável  gado novo" de Zé Ramalho.

Márcio Ramos


terça-feira, 20 de novembro de 2012

Dia Nacional da Consciência Negra


O dia 20 de novembro é denominado o Dia Nacional da Consciência Negra. É uma referência à morte de Zumbi, o então líder do Quilombo dos Palmares, em 1695. Zumbi é visto como um dos símbolos de resistência negra à escravidão.  Essa data é marcada por várias críticas e oposições, já que muitos a consideram desnecessária, pois vivemos em um país plurirracial, e ao se estabelecer um dia para celebrar uma raça, estaríamos fomentando o preconceito racial. Minhas reflexões a seguir tentarão compreender a importância de uma data como essa para os brasileiros.

A primeira questão a se colocar é que se há uma data especifica para se pensar nacionalmente a questão racial negra é porque ela não está resolvida. Ainda hoje, os dados estatísticos apontam que a população negra brasileira tem mais dificuldade de inserção no mercado de trabalho, menor grau de escolarização e pouco acesso aos bens culturais. Esse fato é inegável. O argumento de que esse problema é simplesmente social, pois fruto da má distribuição de renda histórica em nosso país não me parece correto, pois pode ser entendido como um reforço à discriminação racial, já que os negros e pobres sofrem duplo preconceito, ou seja, além do preconceito de classe, o negro pobre ainda enfrenta o preconceito racial.

Os mais de 300 anos de escravidão em nossa sociedade estabeleceram e congelaram os papeis sociais entre brancos e negros, estigmatizando determinadas funções como sendo de pretos e outras de brancos. Naturalizou-se assim a ideia de que existe um lugar para os negros, e se eles ficarem quietinhos ali não sofrerão discriminação. Quando o negro ousa abrir a boca, “O branco cala ou deixa a sala com veludo nos tamancos”, afirma a música “Respeitem meus cabelos, branco”, de Chico Cesar. Não se estabelece o diálogo, pois a questão é rebaixada como algo de menor importância, chamada de “mimimi”.

É interessante notar que quando se fala no 13 de maio, que é o dia da Lei Áurea, há pouca resistência a ele. Ora, a ideia de que a escravidão no Brasil chegou ao fim devido à bondade da princesa Isabel não atormenta às elites culturais e econômicas do país. Mas o 20 de novembro é problemático para esses setores, pois ele coloca os negros como protagonistas de sua história, já que é a memória da resistência negra que é resgatada.  Como afirma o historiador Mário Maestri, “se apurarmos o ouvido, escutaremos os atabaques chamando às armas, anunciando a chegada dos negreiros malditos. Sentiremos a reverberação dos tam-tans lançados do fundo da história, lembrando às multidões que labutam, hoje, longuíssimas horas ao dia, não raro até a morte por exaustão, por alguns punhados de reais, nos verdes canaviais dessas terras que já foram livres, que a luta continua, apesar da já longínqua morte do general negro de homens livres.”

O Dia Nacional da Consciência Negra é importante para refletirmos sobre como a sociedade tem lidado com o racismo, já que o mito da democracia racial nos impede até de discutirmos o assunto. Penso que, em uma sociedade igualitária de fato não seria preciso o estabelecimento de dia do negro, do índio, da mulher, do combate à homofobia etc. Mas enquanto tais questões não forem resolvidas, o debate tem que ocorrer e todos nós temos um dever moral de nos posicionarmos quanto a esse problema.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Zumbi vive na Serra da Barriga



Em 20 de novembro de 1695, Nzumbi dos Palmares caía
lutando em mata perdida do sul da capitania de
Pernambuco. Seu esconderijo fora revelado por lugar-
tenente preso e barbaramente torturado. Mutilaram seu
corpo. Enfiaram seu sexo na boca. Expuseram a cabeça
do palmarino na ponta de uma lança em Recife. Os
trabalhadores escravizados e todos os oprimidos deviam
saber a sorte dos que se levantavam contra os senhores
das riquezas e do poder.
Em 1654, com a expulsão dos holandeses do Nordeste,
os lusitanos lançaram expedições para repovoar os
engenhos com os cativos fugidos ou nascidos nos
quilombos da capitania. Para defenderem- se, as aldeias
quilombolas confederaram- se sob a chefia política do
Ngola e militar do Nzumbi. A dificuldade dos
portugueses de pronunciar o encontro consonantal
abastardou os étimos angolanos nzumbi em zumbi,
nganga nzumba, em ganga zumba. A confederação teria
uns seis mil habitantes, população significativa para a
época.
Em novembro de 1578, em Recife, Nganga Nzumba
rompeu a unidade quilombola e aceitou a anistia
oferecida apenas aos nascidos nos quilombos, em troca
do abandono dos Palmares e da vil entrega dos cativos
ali refugiados ou que se refugiassem nas suas novas
aldeias.
Acreditando nos escravizadores, Ganga Zumba deu as
costas aos irmãos de opressão e aceitou as miseráveis
facilidades para alguns poucos. Abandonou as alturas
dos Palmares pelos baixios de Cucuá, a 32 quilômetros
de Serinhaém. Foi seduzido por lugar ao sol no mundo
dos opressores, pelas migalhas das mesas dos
algozes.
Então Nzumbi assumiu o comando político-militar da
confederação.
Para ele, não havia cotas para a liberdade ou
privilegiados no seio da opressão! Exigia e lutava
altaneiro pelo direito para todos!
Não temos certeza sobre o nome próprio do último
nzumbi que chefiou a confederação após a defecção de
Nganga Nzumba. Documentos e a tradição oral
registram-no como Nzumbi Sweca.
Nos derradeiros ataques aos Palmares, as armas de
fogo e a capacidade dos escravistas de deslocar e
abastecer rapidamente os soldados registravam o maior
nível de desenvolvimento das forças produtivas
materiais do escravismo, apoiado na superexploração
dos trabalhadores feitorizados. As tropas luso-
brasileiras eram a ponta de lança nas matas palmarinas
da divisão mundial do trabalho de então.
Não havia possibilidade de coexistência pacífica entre
escravidão e liberdade. Palmares era república de
produtores livres, nascida no seio de despótica
sociedade escravista, que surge hoje nas obras da
historiografia apologética como um quase paraíso
perdido, onde a paz, a transigência e a negociação
habitavam as senzalas. Palmares era exemplo e atração
permanentes aos oprimidos que corroíam o câncer da
escravidão.
Como já lembraram, nos anos 1950, o historiador
marxista-revolucionário francês Benjamin Pérret e o
piauiense comunista Clóvis Moura, a confederação dos
Palmares venceria apenas se espraiasse a rebelião aos
escravizados dos engenhos, roças e aglomeração do
Nordeste, o que era então materialmente impossível.
Palmares não foi porém luta utópica e inconsequente.
Por longas décadas, pela força das armas e a
velocidade dos pés, assegurou para milhares de homens
e mulheres a materialização do sonho de viver em
liberdade de seu próprio trabalho. Indígenas, homens
livres pobres, refugiados políticos eram aceitos nos
Palmares. Eram braços para o trabalho e para a
resistência.
A proposta da retomada da escravidão colonial em
Palmares, com Zumbi com um “séquito de escravos
para uso próprio”, é lixo historiográfico sem qualquer
base documental, impugnado pela própria necessidade
de consenso dos palmarinos contra os escravizadores.
Trata-se de esforço ideológico de sicofantas
historiográficos para naturalizar a opressão do homem
pelo homem, propondo- a como própria a todas e
quaisquer situações históricas.
Palmares garantiu que milhares de homens e mulheres
nascessem, vivessem e morressem livres. Ao contrário,
em poucos anos, os seguidores de Ganga Zumba foram
reprimidos, re-escravizados ou retornaram fugidos aos
Palmares, encerrando- se rápida e tristemente a traição
que dividiu e fragilizou a resistência quilombola.
A paliçada do quilombo do Macaco foi a derradeira
tentativa de resistência estática palmarina, quando a
resistência esmorecia. Ela foi devassada em fevereiro de
1694, por poderoso exército, formado por brancos,
mamelucos, nativos e negros, entre eles, o célebre Terço
dos Enriques, formado por soldados e oficiais africanos
e afro-descendentes. Não havia e não há consenso
racial e étnico entre oprimidos e opressores.
O último reduto palmarino, defendido por fossos,
trincheiras e paliçadas, encontrava- se nos cimos de
uma altaneira serra.
A Serra da Barriga e regiões próximas, na Zona da Mata
alagoana, com densa vegetação, são paragens de beleza
única. Quem se aproxima da serra, chegado do litoral,
maravilha-se com o espetáculo natural. O maciço
montanhoso rompe abruptamente, diante dos olhos, no
horizonte, como fortaleza natural expugnável, dominando
as terras baixas, cobertas pelo mar verde dos canaviais
flutuando ao lufar do vento.
Se apurarmos o ouvido, escutaremos os atabaques
chamando às armas, anunciando a chegada dos
negreiros malditos. Sentiremos a reverberação dos tam-
tans lançados do fundo da história, lembrando às
multidões que labutam, hoje, longuíssimas horas ao dia,
não raro até a morte por exaustão, por alguns punhados
de reais, nos verdes canaviais dessas terras que já
foram livres, que a luta continua, apesar da já longínqua
morte do general negro de homens livres.
Mario Maestri é professor do programa de pós-
graduação em História da UPF.
Fonte:
http://www.brasildefato.com.br/node/11171
Escultura de Zumbi dos Palmares na praça da Sé, em
Salvador (BA) -
Foto: Gorivero/CC

sábado, 3 de novembro de 2012

Mês da Consciência Negra


O mês de novembro é importante para nós brasileiros, pois é um
período em que se aprofunda a reflexão sobre a inserção do negro
em nossa sociedade.  No dia 20 se celebra a memória de Zumbi dos
Palmares, representante das lutas históricas dos afro-brasileiros
contra a exploração, a exclusão e o preconceito social.
Para começarmos a pensar e a discutir sobre isso,
vejamos essa música do Chico César:

Respeitem meus cabelos, brancos
Chegou a hora de falar
Vamos ser francos
Pois quando um preto fala
O branco cala ou deixa a sala
Com veludo nos tamancos

Cabelo veio da áfrica
Junto com meus santos

Benguelas, zulus, gêges
Rebolos, bundos, bantos
Batuques, toques, mandingas
Danças, tranças, cantos
Respeitem meus cabelos, brancos

Se eu quero pixaim, deixa
Se eu quero enrolar, deixa
Se eu quero colorir, deixa
Se eu quero assanhar, deixa
Deixa, deixa a madeixa balançar.








Saiba mais sobre a história dos negros. Clique aqui


Esteja à vontade para dar sua opinião.

História da África

Márcio Ramos

A África é freqüentemente associada à pobreza, guerras civis, miséria, subdesenvolvimento. Quando muito é lembrado que ela é a região de belezas naturais, como o deserto do Saara, das zebras e elefantes etc. Na realidade, a  África é uma região com muita história para contar, apesar de muita gente insistir que ela não possui história, já que foi lá que o homem surgiu. E foi de lá que saiu uma enorme contribuição para o desenvolvimento cultural e econômico de todo o mundo.


Para entendermos a história africana, é preciso perceber que o continente foi formado por diversos povos, que se organizavam desde a formação de clãs, passando por reinos e verdadeiros impérios.
Foi na África que se desenvolveu um dos povos mais famosos da Antiguidade, os egípcios. Mas além do Egito, vários povos existiram na região.  Ao sul do Egito, numa região chamada Núbia, desenvolveu-se a  civilização kush. Seu período de maior glória foi por volta de 1700 a.C. A  capital era a cidade de Kerma. Kush era governado por um monarca absolutista, que se colocava acima das leis.
O povo núbio tinha a pele bem escura e recebeu influencia da cultura egípcia. Mas os túmulos dos seus reis(que chegavam a 90 metros de altura) tinham câmaras maiores do que qualquer pirâmides.
Um dos pontos mais importantes da organização dos povos africanos era a questão da família. Devidos às constantes epidemias e crises econômicas nos diversos povos africanos, ter filho era fundamental, o que leva os iorubas a afirmarem, que “sem filho estás nu”. A quantidade de filhos era importante para o status social dos pais, além de serem essenciais em uma economia predominantemente agrícola.
A África possuiu várias civilizações em toda a sua história. E muitos desses povos que se desenvolveram ao norte do continente tiveram contato com os europeus e árabes.  Os árabes no século XI, espalhando a fé islâmica, conseguem conquistar  essa região. Dessa forma, muitos povos do norte da África se tornaram islâmicos nesse período.

Os povos africanos possuíam formas de organizações diferentes entre si. Bem antes da chegada dos europeus, várias sociedades formaram reinos e impérios .Havia o reino de Gana, do  Mali, Zimbabwe, reino Sudaneses, Congo, entre outros. Algumas regiões possuíam cidades importantes. Na Costa do Gabão, se desenvolveu um grande aglomerado de aldeias, Mbansa Kongo , e Benim foi descrita por um viajante como uma cidade enorme, possuindo 15.000 habitantes. Outra cidade, Kano, era cercada por sete quilômetros de muralhas.
Segundo os árabes, o reino de Gana era tão rico, que no palácio o rei, os cachorros tinham coleiras de ouro. Na capital havia casas de pedras de dois andares, onde moravam os nobres e altos funcionários do Estado. Os mais pobres vivam em cabanas  de terra cobertas de palhas.
            Os povos iorubás se desenvolveram onde hoje é a Costa do Marfim. Possuíam capitais, que eram o seu centro administrativo e político, com palácios e templos. As cidades mais famosas eram Oio e Ifé. Eles formavam uma verdadeira federação de cidades, e muitas delas eram maiores que as cidades europeias no mesmo período. Elas eram cercadas de muralhas de pedras e habitadas por nobres artesãos, comerciantes e camponeses. Os camponeses saiam de manha para trabalhar na lavoura. Todos tinham que pagar impostos para o governo, controlado pelos nobres, que também eram comandantes militares. Os iorubás importavam cavalos do Sudão central e os utilizavam no exercito.  
            Quando se iniciava na Europa o processo de expansão marítima, outro povo se desenvolvia na costa oeste do continente, o Congo. Ele era um reino forte e estruturado, tendo diversas províncias, e sua capital, Mbanza, possuía mais de 100.000 habitantes. A sociedade congolesa se dividia em nobreza, camponeses e escravos, a poligamia era pratica comum, e o que definia a descendência era a mãe. Com a chegada dos europeus, o rei de Portugal travou uma relação comercial durante muitos anos com o rei do Congo, que até batiza no catolicismo e muda de nome para agradar, ou manter o comercio entre eles. Seu nome Nzinga-a-Nkuvu muda para D. João I.
No século XV os europeus começam o processo de exploração do continente. Inicialmente os negociantes europeus adquiriam marfim, pimenta e ouro. Depois, quando se iniciou a colonização da América no século XVI, passaram a ter um grande e terrível interesse: obter escravos.
Havia duas maneiras de os comerciantes europeus obterem escravos africanos. O primeiro era direto: desembarcavam soldados que invadiam uma aldeia e capturavam seus moradores. O segundo modo era indireto. Os povos africanos faziam guerras entre si e vendiam os prisioneiros para os comerciantes europeus. Algumas nações africanas chegaram a  enriquecer atacando outras nações e vendendo os habitantes aos traficantes de escravos.
Entre os povos africanos havia escravos. Eles eram obtidos através de guerras, condenados pela justiça e endividados.  A existência de escravos facilitou o sucesso do trafico. Mas foram as ações dos europeus na busca de novos cativos que provocaram o aumento dos conflitos entre os povos. Havia escravidão mas não escravismo, como bem distinguiu a historiadora Marina de Mello de Souza. Escravidão é o uso de pessoas destituídas de seus direitos sociais, afastada de seu grupo de origem, obrigada a cumprir ordens de seu senhor, podendo ser castigada e, principalmente vendida como escrava.  Já o escravismo se refere a sociedades fundadas principalmente na utilização do trabalho escravo, o que não era o caso dos africanos e sim dos europeus colonizadores da América.
No período colonial foram trazidos para o Brasil cerca de 5 milhões de africanos para serem escravizados. Foram considerados “coisa”,  instrumento de trabalho para os “senhores”. Durante todo esse período houve resistência da comunidade negra. E a resistência continua até hoje, pois os resultados da escravidão são sentidos pelos negros e seus descendentes, através do racismo e da desigualdade social.
A África foi pouco a pouco sendo ocupada pelos europeus, mesmo com toda a resistência de seus habitantes. A partir do final do século XVIII, após a Revolução Industrial, a cobiça européia se volta para o continente, que acabou sendo dividido pelos impérios da Europa.

            No início do século XIX, os povos africanos estavam organizados em grandes impérios, como os zulus ao sul. Mas as transformações internas, onde muitas sociedades começaram a reagir com mais intensidade contra a presença européia, leva a um domínio quase que completo no continente. Só para se ter uma ideia, em 1800, apenas 1/10 da África estava sob controle europeu. Já em 1900 essa porcentagem beirava a 9/10.  Essa conquista era justificada pelas idéias Positivistas e de Progresso que vigoravam na Europa, que afirmavam que era dever dos mais fortes “proteger” os mais fracos. O homem branco possuía um “fardo” enorme, que era levar a “civilização” aos Bárbaros africanos. Esse discurso foi usado para dominar, explorar as riquezas da África e desestruturar toda a sociedade africana.

Bibliografia:
DAVIDSON, Basil. O fardo do homem negro. Os efeitos do estado-nação em África. Lisboa: Campos das Letras, 1992.
OLIVIER, Roland. A Experiência Africana: Da Pré História aos Dias Atuais. RJ, Jorge Zahar Ed, 1994.
Ancestrais: uma introdução à História da. África Atlântica, Mary Del Priore e Renato. Pinto Venâncio. José Alexandre da Silva


Veja mais:
Documentário História da África

Africanos no Brasil


Márcio Ramos

Geralmente quando se pensa na presença de africanos no Brasil só lembramos da escravidão, essa nódoa “ilavável” em nossa história. Temos que compreender que a escravidão de fato ocorreu e nos marcou, mas precisamos compreender melhor como se deu essa presença. Quais povos africanos foram trazidos para cá? Como viviam lá na África? Como se organizaram aqui em nossas terras? Quais suas contribuições para nossa sociedade? Tentemos pensar sobre algumas dessas questões.

Os iorubás e ambundos são os grupos  étnicos mais conhecidos entre os africanos que chegaram no Brasil, mas não eram os únicos. Havia os iacas, os guns, os angola, nagô, mina, dentre outros.  Os negros não pertenciam a um mesmo povo, mas sim possuíam tradições, crenças, valores e costumes bem diferentes entre si. Em suas terras, “alguns andavam de camisolão até os pés e gorro na cabeça, aquele não tinha mais do que um pano entre as pernas, amarrado na cintura. Aqui, as mulheres entrançavam os cabelos com contas e conchas; ali, cobriam a cabeça com véu ou turbante; acolá raspavam o crânio.”[1]


Cada povo tinha habilidades específicas, dependendo da região de onde viam. Isso explica o fato de  alguns negros produzirem fornos de altíssima qualidade, outros trouxeram técnicas de mineração, como a bateia e a escavação das minas. Alguns, como os povos axantes, criavam joias de grande beleza. Apesar da proibição de Portugal, os africanos produziam tecido para seu uso, usando  teares simples como os usados na África.

Eles influenciaram a construção de moradias no Brasil. As casas pobres se inspiraram nos modelos africanos, com tetos em duas águas, e não cônica como em Portugal. Além disso, a ideia de construção de varandas nas casas também é de origem da África.  Nessas varandas, as crianças ouviam os relatos fantásticos de diferentes nações africanas, cujos personagens e enredos se misturavam com as historias dos nativos indígenas e dos europeus. Exemplo disso são as historias do Curupira, de origem tupi, e dos moatia, dos povos axantes, que eram personagens muito parecidos, pois eram pequenos e tinham os pés virado para trás, alem de controlarem os animais selvagens.

As festas e danças próprias dos africanos vieram para o Brasil junto com eles. Os maracatus, congados e reisados são exemplos dessa atividade cultural de grande importância, que serviam para preservar viva a memória da África. A dança era fundamental, pois, “não se dançava apenas pela alegria do convívio. Dançava-se também para reverenciar os deuses e recebê-los na alma”[2]

Ainda em relação à cultura, diversas foram as religiões africanas que foram trazidas para o Brasil. Cada povo que aqui chegou tinha a sua crença religiosa. Algumas acabaram sendo absorvidas por outras religiões ou simplesmente desapareceram. Os portugueses fizeram de tudo para aculturar os africanos, fazê-los acreditar que só o catolicismo era a religião correta e possível, mas eles, em sua maioria, resistiram a essa violência.

Entre as religiões que sobreviveram, o culto aos orixás foi o que atingiu o maior numero de seguidores.  Essa religião era própria do povo ioruba, que viviam na região da atual Nigéria, mas que se universalizou e se tornou a crença de outros grupos, e hoje é a mais conhecida. Mas entre os povos da África havia alguns que eram muçulmanos, cristãos e de varias outras religiões.

Enfim, é importante conhecer e valorizar a contribuição dos povos africanos para a formação do Brasil. É necessário perceber que a idéia de africano é uma construção social e histórica. Obviamente eles não se viam assim, mas como gã, evés, acuamus, auoris, nagô, baribas, etc.  Para cá foram trazidos mais de uma centena de povos diferentes.Chamá-los todos de africanos foi uma forma de uniformizá-los e facilitar sua dominação pelos portugueses. 



[1] COSTA e SILVA, Alberto da. “Um Brasil, muitas Áfricas”, IN, Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 7, n. 78, Março de 2012.
[2] COSTA E SILVA, op. Cit. p. 20. 

domingo, 28 de outubro de 2012

Ginga, a incapturável

Poderosa rainha africana, Nzinga Mbandi resistiu à invasão portuguesa, guerreou e exerceu a
diplomacia para se manter no poder por quase 40 anos
Mariana Bracks

Não foi fácil para Portugal retirar milhares de pessoas da África para servirem como escravos na
América. Longas lutas de resistência foram travadas contra a colonização, que contava com
altos investimentos militares e uma política que combinava opressão, violência e alianças com
chefes locais.



A trajetória de Nzinga Mbandi é um exemplo de como os chefes centro-africanos enfrentaram o
avanço português. Hábil guerreira, estrategista política e militar, Nzinga foi uma líder
carismática, uma rainha que passou a vida combatendo e morreu sem nunca ter sido capturada.
Nasceu em 1582, filha do oitavo Ngola (do qual derivaria o nome Angola), título do principal
régulo do reino do Ndongo. Os portugueses haviam iniciado a colonização a partir de Luanda
sete anos antes, e foram ganhando o interior com a construção de “presídios” – fortificações
militares no curso do Rio Kwanza, que abrigavam os comerciantes de escravos – e a
organização de feiras em que a principal mercadoria eram as pessoas escravizadas. Criaram
também um sistema de avassalamento de sobas , os chefes locais autônomos que pagavam
tributos ao Ngola em troca de proteção militar e espiritual. Após a invasão portuguesa, eles eram
batizados e se declaravam fieis à Coroa. Essa condição incluía diversos compromissos: fornecer
baculamentos (tributos pagos geralmente em escravos), dar passagem às tropas do governo,
permitir kitandas (feiras e mercados) em seu território e contribuir com escravos para serem
soldados da “guerra preta” – o pelotão que lutava junto aos portugueses.

A guerra se generalizava, e com ela o clima de instabilidade. Os sobados intensificavam ataques
a povoados vizinhos para saldar suas dívidas com os portugueses, pois os prisioneiros
capturados em guerra eram escravizados. Ao sinal de qualquer atitude considerada infiel, o
governo português invadia os sobados e matava seus líderes, substituindo-os por chefes aliados.
Foi nesse contexto de penetração portuguesa no reino do Ndongo, movido pelo tráfico negreiro,
que Nzinga Mbandi cresceu. No reinado de seu irmão Ngola Mbandi, agravou-se a tensão entre
os locais e os conquistadores. Em 1617, o governador de Angola, Luis Mendes de Vasconcelos,
invadiu o reino do Ndongo para construir o presídio de Mbaka, a poucas milhas da Cabaça, a
moradia do Ngola. O resultado foi uma guerra intensa, ao fim da qual Ngola, vencido, refugiou-
se na ilha de Kindonga, no Rio Kwanza. Em 1622, João Correia de Sousa assumiu o governo e
decidiu procurar o Ngola para restabelecer a paz, uma vez que o cenário de guerra paralisara os
mercados de escravos. Foi quando Nzinga entrou em cena.

Ngola Mbandi mandou sua irmã mais velha como embaixadora para negociar a paz com os
portugueses. Na audiência com o governador, ela impressionou a todos por sua inteligência e
habilidade diplomática. Defendeu a manutenção da independência do Ndongo e o não
pagamento de qualquer tributo à Coroa portuguesa, mas se mostrou aberta ao comércio.
Entendendo que a paz com os portugueses passava pelo batismo cristão, aceitou o sacramento:
recebeu o nome de D. Anna de Sousa, tendo como padrinho o próprio governador. De sua parte,
os portugueses se comprometeram a efetivar a retirada do presídio de Mbaka.
O acordo, porém, não foi cumprido nem por aquele governador nem pelos sucessores. A situação
levou ao enfraquecimento político de Ngola Mbandi, que morreu na ilha de Kindonga, em 1624,
em circunstâncias que continuam sendo uma incógnita para a historiografia de Angola. Nzinga
se apoderou das insígnias reais e assumiu o trono do Ndongo.

A nova rainha foi associada à possibilidade de libertação do povo Mbundo, etnia predominante
no reino Ndongo. As crescentes fugas de kimbares – escravos que guarneciam os presídios ou
eram dados pelos sobas para comporem a “guerra preta” – enfraqueciam as tropas lusas,
enquanto fortaleciam o exército de Nzinga. Aproveitando-se desse contexto favorável, a rainha
lançou uma campanha antilusitana, formando e liderando uma confederação de descontentes
com a colonização. Conquistou o apoio de sobas que já haviam se avassalado, além de
poderosos chefes que não pertenciam ao Ndongo, como o Ndembo Mbwila (Ambuíla).
Capturar Nzinga e reduzi-la à obediência passou a ser um dos objetivos principais do governo
português. Em 1626, o governador de Angola, Fernão de Sousa, arquitetou um golpe político para
que Are a Kiluanje, um vassalo dos portugueses, assumisse o trono. Nzinga se refugiou na ilha
de Kindonga e conseguiu se livrar do cerco usando sabiamente a geografia do local, deslocando-
se pelas diversas ilhas do Rio Kwanza. Quando as tropas lusas enfim a encurralaram em
Kindonga, ela mandou seus embaixadores informarem que estava disposta a se render e se
avassalar. Para isso, no entanto, pediu uma trégua de três dias. Passado o prazo, os
portugueses perceberam que tinham caído em um golpe: Nzinga já estava longe dali.
A rainha foi então buscar proteção junto aos temidos jagas , guerreiros nômades que se
organizavam em kilombos – acampamentos que se deslocavam conforme as necessidades de
guerra, com rígida hierarquia e severa disciplina militar. Nzinga recebeu o título feminino mais
importante no kilombo – Tembanza –, assumindo funções rituais essenciais. Imprimiu
consciência política aos bandos, que até então viviam errantes, praticando roubos e sem se
prenderem a linhagens. Sob o comando de Nzinga, os kilombos passaram a compor a frente de
resistência contra a ameaça estrangeira. O incrível poderio bélico que Nzinga conseguiu
mobilizar junto aos jagas foi crucial para se manterem livres e vencer os portugueses por várias
vezes.

Por volta de 1630, Nzinga ocupou o reino de Matamba (Ndongo Oriental), terra evocativa de seus
ancestrais e tradicionalmente governada por mulheres. Foi na condição de rainha de Matamba
que ela soube da invasão holandesa em Angola, em 1641. Ali estava uma oportunidade de
estabelecer nova aliança para minar a presença portuguesa na região. Nzinga aproximou-se dos
invasores, e juntos criaram uma importante rota comercial que conectava Luanda (agora de
posse holandesa) a Matamba, trocando escravos por mercadorias europeias, sobretudo armas de
fogo.

Era fundamental para a oligarquia do Rio de Janeiro restabelecer o domínio do mercado de
escravos em Angola. Isso foi conseguido em 1648 por iniciativa de Salvador de Sá, que
organizou tropas formadas por índios e bandeirantes para expulsar os holandeses. A vitória lusa
teve o efeito direto de enfraquecer a rainha Nzinga. Suas duas irmãs foram capturadas e
mantidas como reféns pelos portugueses. Kifunge acabou assassinada em Massangano, acusada
de espionagem. Mocambo ficou presa em Luanda, utilizada como arma política a fim de forçar a
rendição de Nzinga.

O papa Gregório XV, com o objetivo de diminuir o poder que as coroas ibéricas tinham
acumulado com as colonizações, criara em 1622 a Propaganda Fide – a “propagação da fé” –,
que permitiu a ida à África Central de missionários que não tinham relações com a Coroa
portuguesa. Entre eles estavam os capuchinhos, que chegaram à região na década de 1640.
Nzinga enxergou nesses religiosos outra possibilidade de fazer novos aliados europeus que não
fossem ligados ao governo português. Por meio do capuchinho italiano Antonio de Gaeta, Nzinga
retornou ao catolicismo em 1656, renegando os ritos gentílicos e aceitando a fé de Cristo. A
conversão ao cristianismo foi uma saída estratégica, pois, já idosa, ela sabia que a cruz seria o
caminho mais rápido para a paz e para conseguir o retorno de Mocambo, sua irmã indicada à
sucessão de Matamba, enfim libertada pelos portugueses em 1657.

A líder de Matamba morreu em dezembro de 1663, com mais de 80 anos, sepultada de acordo
com os ritos cristãos. O povo Mbundo a venerou como “rainha imortal”, que nunca se entregou e
que jamais aceitou a submissão aos invasores. Sua fama atravessou o Atlântico e chegou ao
Brasil. Aqui, o nome Ginga, ou Jinga, é evocado em rodas de capoeira, em congados e
maracatus de múltiplas formas: como guerreira que engana os adversários, inimiga da corte
cristã, venerável ancestral de Angola.


Mariana Bracks é autora da dissertação “Nzinga Mbandi e as guerras de resistência. Século
XVII” (USP, 2012).
Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/retrato/ginga-a-incapturavel-1

sábado, 27 de outubro de 2012

Unidos pelo tráfico

Entre os anos 1600 e 1800, mais de 3,1 milhões de pessoas, só da região Centro-Ocidental da
África, embarcaram rumo à escravidão nas Américas e em ilhas africanas como São Tomé. No
entanto, a escravidão na África é bem anterior à presença dos europeus no continente. O reino
do Congo, por exemplo, já usava mão de obra escrava para o serviço militar, administrativo e na
agricultura antes da chegada dos portugueses, no início do século XVI. A chegada dos lusitanos
modificou e intensificou a prática, uma vez que Congo e Angola eram pontos estratégicos na
transferência de escravos do interior para a costa. A aliança entre a nobreza congolesa e os
portugueses rendeu bons frutos: ambos aumentaram seus lucros com o tráfico e conseguiram
expulsar os “terríveis” Jagas ,que ocuparam a capital entre 1568 e 1572 . Além disso, a elite do
Congo podia investir em lavouras em São Tomé, administrada pelos portugueses. Lá, os ricos
congoleses casavam suas filhas com os portugueses residentes, fortalecendo ainda mais a
aliança.
Os acordos com os europeus eram importantes para os africanos num cenário em que estes
soberanos tinham dificuldade em consolidar seus domínios e manter centralizado seu território.
Os lusitanos não eram os únicos com interesses na região, muito menos os únicos a fazer
acordos. Os ingleses e holandeses também estavam por lá, e em 1640, com a ajuda da rainha
Nzinga, expulsaram os portugueses de Luanda. Só que por pouco tempo.

http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/mapa

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Repressão e tortura: o horror


por Alessandro Meiguins
“Contra a pátria não há direitos”, informava uma placa pendurada no saguão dos elevadores do prédio da Polícia Civil em São Paulo. Era o templo da “tigrada”, policiais e militares com ordem e permissão para matar, muitos sob o comando de Sérgio Paranhos Fleury. O delegado era violento. Começava estapeando, depois torturava e, se perdia a paciência, atirava mais de uma vez. Filho de legista, Fleury cresceu em delegacias. Desde os 17 anos estava na polícia. Fazia parte de uma unidade particularmente agressiva, a Delegacia de Roubos, quando foi “recrutado” pelo regime militar, em junho de 1969. O delegado viria a ser a peça-chave da Operação Bandeirante, a Oban. A missão era estratégica: criar um organismo que reunisse elementos das Forças Armadas, da polícia estadual e da Polícia Federal, para o trabalho específico de combate à subversão. Na prática, o núcleo reuniu os elementos mais radicais, corruptos e violentos dessas organizações. Fleury e sua trajetória são um retrato acabado do que se passou nos porões da ditadura brasileira. Contra o terror, investiu-se no horror.
A repressão não nasceu com o AI-5, mas foi com ele que viveu seu auge. Houve torturas e mortes desde os primeiros anos de governo militar. O Departamento de Ordem Política e Social (Dops), subordinado ao governo estadual, existia desde os anos 20. O Serviço Nacional de Informações foi criado em 1964. A Polícia do Exército torturou logo após o golpe. As manifestações de 1968 foram reprimidas com dureza. Só que o AI-5 foi entendido como licença para matar e, de fato, quem matou em nome do combate à subversão não foi incomodado nos anos seguintes.
Dizer que a máquina repressiva se organizou após 1968 é uma imprecisão por conta disso. E também porque a desorganização era o fundamento da lógica da repressão. O capitão torturador passava por cima do major, o delegado trabalhava contra o governador. Nesse sentido, a repressão subvertia a ordem mais do que os guerrilheiros. Isso não quer dizer que não houvesse cadeias de comando, mas que os porões criaram sua própria hierarquia – clandestina, com ramificações nos altos escalões e, no mínimo, sua conivência.
Fleury, por exemplo, teve plenos poderes ao chefiar a Oban. Quando se instalara no Dops, já levara com ele todo seu “Esquadrão da Morte”, um grupo de policiais envolvidos em esquemas de corrupção, proteção a traficantes, desvio de contrabandos. Um deles, conhecido como Fininho, carregava no chaveiro, como amuleto, a língua de um dedo-duro que metralhou. “Os comandantes militares sabiam que tinham colocado um delinqüente na engrenagem policial do regime”, diz Elio Gaspari no livro A Ditadura Escancarada, referindo-se a Sérgio Paranhos Fleury.
Quando o delegado esteve em alta, unidades policiais enviavam suspeitos para sua base, uma delegacia na rua Tutóia, no bairro do Paraíso. Atrás daquelas paredes, os presos viviam o inferno. As sessões de tortura desse período estão entre as piores de que se tem notícia, repletas de choques elétricos, afogamentos, palmatórias, queimaduras, espancamentos em pau-de-arara e estupros individuais e coletivos. Algumas vítimas se suicidaram anos depois. A influência do delegado ia além dos limites do estado. Em 1969, Fleury matou Carlos Marighella com ajuda do Centro de Informações da Marinha (Cenimar), que deteve no Rio padres que tinham ligações com o guerrilheiro e os ofereceu à tortura do delegado.
Nos quartéis, também ocorriam maus-tratos e mortes. Houve aulas de tortura, ministradas por oficiais. Os que se destacavam na repressão recebiam medalha cujo título seria irônico, não fosse o contexto macabro: Ordem do Grande Pacificador. Fleury recebeu a sua em 1971. Henning Boilesen, presidente da Ultragás que foi morto pela esquerda, também ganhou uma.
Para os altos escalões da República, a tortura tinha dois resultados práticos: obter informações sobre as atividades clandestinas da esquerda e exterminar seus participantes. O primeiro era visto como uma necessidade. O segundo, como acidente de trabalho. Mas é difícil acreditar que a morte da vítima fosse indesejada quando se olha a extensão dos ferimentos de alguns presos. Chael Charles Schreier, estudante de medicina que pertencia à VAR-Palmares e foi morto em 1969, tinha mais de 50 machucados. Seu queixo exibia um corte com cinco pontos. A cabeça sofrera hemorragia e havia sangue “em todos os espaços” do abdômen. O intestino fora rompido e dez costelas estavam quebradas, segundo relato de Elio Gaspari, que examinou a necropsia de Schreier e a qualifica como “a mais detalhada do regime”.
Fleury se destacou tanto em obter informações quanto em matar os esquerdistas – Marighella era seu maior troféu. A ofensiva de que participou em 1969 colocou a luta armada contra a parede e dizimou os guerrilheiros. Para isso, contou com um passo em falso dado pela esquerda no início do ano. Até 1968, o Exército se ressentia da falta de informação e fora surpreendido seguidamente por ações da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e da Ação Libertadora Nacional (ALN). Empolgada pelo sucesso de seus atentados, roubos a banco e justiçamentos, a VPR planejou atacar o Palácio do Governo paulista e o quartel do 2º Exército. Para isso, esperava a deserção de Carlos Lamarca, campeão nacional de tiro e capitão respeitado no 4º Regimento de Infantaria. Ele iria tomar seu quartel e fugir com 560 fuzis e dois morteiros. Mas o plano é descoberto, seus participantes são presos e Lamarca foge às pressas do quartel com 63 fuzis e uma Kombi – o ex-capitão morreria em 1971.
Após interrogatórios e torturas, os presos deram ao Exército um grande trunfo: conhecer a estrutura da VPR. Era a primeira vez que isso acontecia. Em pouco tempo, ocorreram dezenas de prisões e a organização foi desarticulada. Os presos levaram a integrantes de outras siglas. O Grupo Tático da ALNcaiu, com alguns dos militantes cercados pessoalmente por Fleury. Em Belo Horizonte, o Colina foi destroçado. No Rio, o MR-8 se desfez como pó.
Repressão vira o jogo
A repressão virou o jogo com menos de dois meses de AI-5. Passou à ofensiva e aperfeiçoou suas engrenagens. Cada Arma tinha um centro de informações que, a exemplo do Cenimar, ia a campo contra a subversão. Os Dops se ligaram à estrutura militar pela Oban, iniciada em São Paulo e exportada a outros estados. Em 1970, a Oban integrou-se aos DOIs e aos Codis, que eram regionais e pertenciam ao Exército. Cada órgão tinha agentes que seguiam pessoas, grampeavam telefones, analisavam interrogatórios e recolhiam boatos para “fichar” suspeitos. A repressão compôs dossiês de pelo menos 60 mil nomes. Todos os órgãos caçavam subversivos. Prender mais, matar mais, era motivo de disputa e status.
Essa estrutura precisava de dinheiro. Dados do Projeto Brasil: Nunca Mais indicam que a Oban receberia verbas até de multinacionais, como Ford e General Motors. “Na Federação das Indústrias de São Paulo, convidavam-se empresários para reuniões em cujo término se passava o quepe”, relata Gaspari.
No início da década de 70, a repressão exterminava terroristas e, ao mesmo tempo, ampliava seus alvos – uma forma de justificar sua própria existência. Gente sem vínculo com a guerrilha virou “suspeita de subversão” e foi tratada como “inimiga”. A cúpula do regime aplaudia, a julgar pela Lei Fleury, de 1973, feita para beneficiar o delegado, ao permitir que réus primários aguardassem julgamento em liberdade.
A repressão só iria se modificar em 1974. Pressões da sociedade e a desordem que os porões criaram na própria estrutura militar contribuíram para isso. Fleury então vira motivo de preocupação para o general Ernesto Geisel, ainda antes da posse. “É um bandidaço sem-vergonha”, definiu o general Golbery do Couto e Silva em conversa com o futuro presidente. Desvalorizada, a face mais cruel do regime mergulha na clandestinidade, onde se prolongaria até os anos 80, com ataques a jornais da imprensa alternativa e à Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo.
Fleury morreu em maio de 1979, por suposto afogamento, após cair de seu iate, em Ilhabela (SP). O comando da polícia paulista impediu que fosse feita autópsia no corpo.
 Como funcionavam os porões
As estratégiasdos agentes que torturavame matavam
CAPTURA
Ao descobrir a localização de um suspeito, a polícia o prendia no esconderijo ou na rua. Mas houve gente que foi solta legalmente para depois “sumir” ilegalmente
LAUDO FALSO
Médicos compactuaram com as torturas, forjando autópsias para vítimas que haviam morrido ou mantendo o preso em condições de falar durante interrogatórios
MAUS-TRATOS NA CELA
Choques elétricos e o pau-de- arara foram dois dos métodos mais usados pelos torturadores, que, quando agiam em delegacias, usavam os gritos das vítimas para aterrorizar os demais prisioneiros
GRAMPEADO
Agentes montavam dossiês sobre suspeitos, acompanhando suas atividades e conversas telefônicas, por meio de escuta ilegal. Todas as Forças tinham setor de informações
AULA DE TORTURA
Nos quartéis, houve casos isolados de aulas de tortura, ministradas por oficiais diante de platéias de dezenas de militares. Os presos eram tirados da celas e supliciados “ao vivo” para ajudar nas explicações
MÉTODOS RADICAIS
Espancamentos, palmatória e afogamentos também foram técnicas usadas nos maus-tratos. Contra mulheres, houve estupros individuais e coletivos. Um preso teve a boca presa a escapamento
DESOVA
Quando ocorria um “acidente de trabalho”, com a morte do preso, eram montadas falsas versões de tiroteio, cenas de suicídio ou o corpo era enterrado como indigente
MEDALHA
Militares e civis ganhavam medalha por serviços prestados à repressão. Fleury ganhou a sua. O nome parecia ironia: Ordem do Pacificador

sábado, 8 de setembro de 2012

O Brasil Colonial

A colonização portuguesa na América inicia-se, de fato, em 1530, quando chega às costas brasileiras a expedição de Martin Afonso de Sousa. Entre 1500 e 1530, Portugal limitou-se a reconhecer o litoral brasileiro , tentar defendê-lo de invasores e extrair a única riqueza aparente que a região parecia oferecer : o pau-brasil.
A extração do pau-brasil, portanto, será a atividade básica desse Período Pré-colonial. Concedida com exclusividade a alguns comerciantes, os quais deveriam mandar ao Brasil um número determinado de navios anualmente para recolher a madeira, a extração do pau-brasil utilizou como mão-de-obra os nativos do litoral, que recebiam mercadorias européias de baixo valor como remuneração ao trabalho de derrubada e transporte. Por ter sido uma atividade predatória e que deslocou-se por quase todo o litoral, ela não deu origem a núcleos de povoamento na colônia, mas a feitorias, que serviam como pontos de comércio.
Apesar das idas e vindas dos navios portugueses, a costa brasileira não se viu livre de estrangeiros, principalmente franceses, os quais contrabandeavam o pau-brasil. Com a concorrência de outros países no comércio com as Índias e o perigo de perder as terras brasileiras, Portugal resolve dar início, em 1530, à colonização de fato, ocupando o território e fazendo-o produzir em benefício da metrópole.
A ocupação e administração do território
Portugal, contudo, como Estado mercantilista, não tinha como objetivo aplicar seus recursos na colonização, devendo atrair para a colônia pessoas enriquecidas que estivessem interessadas em investir e defender o território, além de fazê-lo produzir artigos lucrativos para a metrópole.
Para tanto, em 1532, Portugal dividiu o território brasileiro em faixas de terra horizontais, denominadas Capitanias Hereditárias, as quais foram sendo doadas a pessoas endinheiradas por meio de dois instrumentos legais : a Carta de Doação e o Foral. Pelo primeiro, a pessoa que recebia a terra, o donatário, assumia, em nome do Rei, a posse da terra, devendo administrá-la segundo os interesses metropolitanos; pelo segundo, ficavam estabelecidos os critérios econômicos da exploração da terras, sendo que alguns produtos eram monopólio real, e sobre outros o donatário recebia um percentual sobre sua venda. Aos donatários cabia também a tarefa de doarem sesmarias, extensas faixas de terra em suas capitanias, com o objetivo de atrair colonos para o Brasil.
Esse sistema descentralizado, contudo, não deu os resultados esperados, pois foram poucas as capitanias que prosperaram e reduzido o lucro metropolitano. Em 1548, Portugal cria o Governo-Geral, buscando, ao mesmo tempo, auxiliar os donatários e fiscalizar mais de perto a colônia, reduzindo os poderes administrativos dos donatários.
Conforme as capitanias iam progredindo e iam aparecendo vilas, nelas eram criadas as Câmaras Municipais, responsáveis pela administração local e pela intermediação entre os interesses metropolitanos e os coloniais. Desses órgãos faziam parte os homens bons, proprietários de terras e escravos.
Até o século XVIII, a ocupação do território brasileiro limitou-se ao litoral e à construção de fortes e missões religiosas ao longo do rio Amazonas.

Tornando a colônia lucrativa
Somente a ocupação do território brasileiro não satisfazia os interesses mercantilistas portugueses: era necessário que ele servisse como economia complementar àquela de Portugal, produzindo artigos lucrativos para a metrópole. É nesse sentido que a economia colonial estará sempre voltada para um objetivo externo, produzindo açúcar, tabaco, drogas do sertão e metais preciosos, dentre outros.
A produção açucareira no Brasil colonial seguiu o modelo da plantation, e concentrou-se principalmente no litoral nordestino. Contando com investimentos holandeses, o açúcar brasileiro passava, ainda na colônia, por um semi-processamento em moldes manufatureiros, sendo depois vendido a comerciantes portugueses, os quais, por sua vez, vendiam-no aos holandeses, os únicos que detinham a tecnologia do refino, e que acabavam por ficar com os maiores lucros.
Quando o trono português ficou vago e passou a ser ocupado por monarcas espanhóis - a União Ibérica - a Espanha proibiu o comércio com os flamengos, levando às invasões holandesas ao território brasileiro. Permanecendo por 24 anos no litoral nordestino, os holandeses desenvolveram a região e, ao serem expulsos, trataram de produzir açúcar em algumas ilhas antilhanas, passando a fazer concorrência ao produto brasileiro. Apesar disso, o açúcar foi , durante todo o período colonial, o principal produto de exportação brasileiro.
No século XVIII, a descoberta de ouro no interior da colônia solucionou os graves problemas pelos quais Portugal então passava, o que deu origem a uma política fiscalista e tributária intensa. Sobre a produção aurífera recaíam numerosos impostos e foram criados órgãos especiais para seu controle. Ao contrário do que havia ocorrido na região açucareira, contudo, a atividade mineradora deu origem a numerosos núcleos urbanos e a uma sociedade mais diversificada, contando, além de mineradores e escravos negros, de grupos médios como comerciantes, profissionais liberais e funcionários públicos, dentre outros.
O trabalho na colônia
Assim como os espanhóis, os primeiro portugueses a ocuparem a colônia brasileira tinham como objetivo utilizarem-se da mão-de-obra nativa, o que reduziria bastante os custos de produção. A reduzida população indígena brasileira e sua dispersão pelo território, contudo, dificultaram tal propósito, o que facilitou a pressão portuguesa no sentido de que os colonos utilizassem escravos africanos.
Essa opção se explica pela elevada lucratividade que o comércio de escravos africanos gerava tanto para a metrópole, sob a forma de impostos, quanto para os comerciantes metropolitanos, já que os negros eram trocados por mercadorias de baixo valor nas costas africanas. Por outro lado, contando com o auxílio da Igreja Católica, presente na colônia com numerosos religiosos, a escravidão do indígena foi proibida, embora estes fossem utilizados sob formas compulsórias de trabalho, desafiando as ordens metropolitanas.
A mão-de-obra livre também foi utilizada na colônia, mas em menor proporção e vinculada, em geral, a atividades destinadas ao mercado interno, como a pecuária, o comércio e a pequena produção agrícola.
É bom lembrar que a escravidão no Brasil, que durou até 1888, foi sempre marcada pela violência, embora existissem formas diversas de trabalho escravo, como os negros de ganho , e, ainda, a brecha camponesa, que permitia à escravaria obter excedentes agrícolas em terrenos cedidos para seu uso pelos senhores.