domingo, 17 de março de 2013

Amor: Amar é ...

Na Pré-história, segurança. Na Antiguidade, admiração.Na Idade Média, castidade. Na Idade Moderna, romantismo.E, hoje, liberdade. O amor ditou as regras na formação da sociedade desde os tempos das cavernas
Cristiano Dias

O amor é um sentimento sem fim, indefinido, que produz uma avalanche de emoções diferentes, muitas vezes antagônicas: felicidade, tristeza, beatitude, raiva, euforia, ansiedade, ciúmes, segurança... Não sabemos direito o que ele é, nem como chega ou como vai embora. Para entendê-lo melhor, a ciência faz o que pode. Já se sabe que em casos de paixão, somos tomados pela feniletinamina, substância semelhante à anfetamina que, descarregada no cérebro, nos deixa eufóricos e otimistas. Depois, quando a paixão vira amor, assumem o controle do corpo os chamados narcóticos da mente, aparentados da morfina, que nos dão tranqüilidade e segurança. Se estamos tão próximos de entender a química do amor, ainda temos muitas dúvidas sobre a história do amor: quando, afinal, o ser humano descobriu tal sentimento? E qual a influência dele na evolução da sociedade?

Na cabeça de James Usher e John Lightfoot, teólogos do século 17, o mundo foi criado às 9 horas do dia 23 de outubro de 4004 a.C. O delírio surgiu de um estudo do Velho Testamento e durou até que Charles Darwin, duzentos anos depois, acabasse com a dúvida: nunca houve o ato da criação. O homem seria um primata e descenderia do macaco. Sua origem ainda está cheia de lacunas, mas a tese mais aceita é a de que a transição do macaco para o homem aconteceu entre 20 e 40 milhões de anos atrás. Embora haja várias explicações para a evolução humana, o fato é que em algum momento dessa trajetória nossos antepassados descobriram o amor. Entre as mudanças durante o processo evolutivo, é possível identificar uma que foi fundamental para que machos e fêmeas começassem a se amar: a menstruação.

O raciocínio é simples. Quando o homem ainda andava de quatro, a fêmea entrava no cio. E , como ela tinha poucos dias para o sexo, o macho procurava várias parceiras. A menstruação fez com que a mulher passasse a estar sempre pronta para o ato sexual, favorecendo a formação de casais. Para a historiadora Reay Tannahill, autora de Sex in History (“O Sexo na História”, inédito no Brasil), o fim do cio não foi um fator isolado. A descoberta do fogo também contribuiu para a consolidação do amor e da família. “Há 500 mil anos vivíamos a última Era Glacial e o fogo permitiu que sobrevivêssemos aquecidos em cavernas. Desse confinamento surgiu uma hierarquia. E foi da briga para saber quem deveria ocupar um lugar privilegiado ao redor do detentor do fogo que surgiu a idéia de família”, afirma.

A maioria dos historiadores concorda que se a família nasceu do fogo, do confinamento das cavernas, ela só se consolidou quando o homem se tornou sedentário. O processo foi lento. Há 12 mil anos, a Terra começou a esquentar. Com isso, a vegetação ficou exuberante. Ao redor de campos de trigo e cevada surgiram pequenas vilas onde o homem catava o que encontrava na natureza. Um dia, percebeu que uma semente gerava novas plantas. “Isso mudou a existência. Tornou possível a domesticação de animais e o sedentarismo”, afirma o historiador Morton Hunt, autor de The Natural History of Love (“A História Natural do Amor”, inédito no Brasil).

Até então, o maior problema tinha sido a alimentação. Mas já sabendo que em se plantando tudo dava, a coisa mudou. A possibilidade de criar animais significou o fim da busca por comida. Pela primeira vez, o ser humano viu-se com tempo para sentar e pensar. Desse ócio nasceu o machismo. A família pré-histórica era centrada na mulher, que sempre soube do seu papel na reprodução. O homem não. Foi observando os animais que ele percebeu que se deixassem separados machos e fêmeas não haveria filhotes. Por volta de 6.000 a.C., desta forma, o homem descobriu que também lhe foi dada a bênção de procriar.

Assim, saía de cena o companheiro da Pré-história e emergia o machão neolítico. Agora o homem podia dizer “meu filho”. Bom, quase. Para isso precisava ter certeza de que a mãe era “minha mulher”. Lentamente, a sociedade foi se tornando patriarcal. Mas, apesar do antagonismo, crescia a atração entre os sexos. O ser humano já havia consolidado aí a sua capacidade de amar. Faltava a ele esmiuçar em pensamento – e palavras – o que sentia. Essa tarefa coube aos gregos.
Para o historiador Morton Hunt, ao explicar o sentimento, os gregos inventaram o amor. “Os gregos tinham uma palavra para tudo, da teoria dos átomos à metafísica. Foram eles que criaram uma palavra para designar o sentimento entre homens e mulheres”, explica. Do grego, herdamos, aliás, boa parte do nosso dicionário amoroso: afrodisíaco, erotismo, hermafrodita, ninfomania, poligamia, zoofilia e homossexualismo. Na Grécia, diga-se, o amor entre iguais virou relação superior. Sócrates confessou sentir um fogo quando via um homem. Até Aristóteles, que considerava o homossexualismo uma “mórbida anormalidade”, defendeu em sua Ética a Nicômaco a idéia de que “o amor e a amizade são plenos somente entre os homens”.

Por volta do século 5 a.C., Roma conquistou a Grécia. Como espólio, o Império herdou a cidadania, os deuses, o gosto pela arte e os prazeres da carne. Só que, ao contrário do grego, o romano não ligava para o espírito. O amor ganhou, assim, contornos de depravação, com luxúria e traição. Os bacanais viraram moda. Com a promiscuidade, passou a ser primordial garantir a legitimidade dos filhos. O Estado, então, interveio no amor, inaugurando a união civil. Em alguns casos, atestava-se o matrimônio com evidências circunstanciais da união. Mas o melhor era promover uma festa com testemunhas. Em Roma, a prática mandava que o noivo oferecesse um anel à noiva, colocado no dedo anular.

O escritor Aulus Gellius (130 d.C.-180 d.C.), no texto Noctes Atticae, explica o porquê: “Quando se abre o corpo humano, há um nervo delicado que começa no dedo anular e se estende até o coração. Portanto, considera-se correto dar a esse dedo a honra do anel”. Para a festa, a noiva vestia-se de branco e, no fim, os convidados atiravam sementes para desejar ao casal uma colheita farta de filhos. Se boa parte desse ritual parece-lhe familiar, é porque foi adotado pela Igreja cristã, que preservou os costumes pagãos que lhe convinha. Embora tenha tentado botar ordem na casa, o casamento não conteve o adultério. O amor no fim do Império Romano era um sentimento sem sentido. Mas foram-se os senadores e sobrevieram os cardeais, com sua moral e bons costumes.

Pela porta aberta entrou o Cristianismo, disseminando culpa nas questões do coração. O tempo agora era de explorar o amor puro, divino e incondicional. Os divertimentos carnais saíram de moda. Sexo e erotismo passaram a ser uma passagem só de ida para o inferno e a ameaça de viver eternamente com o demônio mostrou-se mais eficiente do que qualquer casamento civil. Porém, ao mesmo tempo em que ameaçava os fiéis com o inferno, a Igreja jogava sujeira para debaixo do tapete da Santa Sé. Monges, bispos e cardeais viviam em escancarada libertinagem. Os papas tinham amantes e filhos,. A farra só terminou no século 11, quando o papa Leão IX reafirmou o celibato do clero.

Esta tomada de atitude apareceu com um novo contexto: o surgimento da cavalaria e o descobrimento do amor cortês. Ele veio do contato no Oriente dos cruzados com os árabes e entrou na Europa pelo sul da França. O primeiro trovador foi Guilherme IX (1071 – 1127), duque da Aquitânia, que se divertia escrevendo versos e canções de amor. Logo o trovadorismo virou mania. “Foi graças aos trovadores que as coisas do coração tornaram-se tema de sagas poéticas. Pela primeira vez o amor apareceu na literatura”, afirma Diane Ackerman, autora de Uma História Natural do Amor.

O amor cortês foi imortalizado em histórias como as de Abelardo e Heloísa, Tristão e Isolda e na paixão idealizada de Dante Alighieri por Beatriz, que guiou o escritor florentino pelo paraíso em sua Divina Comédia. Pela primeira vez, amar passou a ser algo recíproco e esta nova forma de se relacionar introduziu uma idéia revolucionária: a escolha pessoal. Ninguém se beneficiou do amor cortês mais do que a mulher, que diminuiu a distância que a separava do homem. Depois disso, ela só respiraria ares tão revolucionários com a invenção da pílula, no século 20, quando novamente a história do amor entrou em convulsão.

Lançada nos anos 60 nos Estados Unidos, a pílula anticoncepcional desencadeou a última grande revolução. Com ela, as mulheres conquistaram o direito de fazer sexo sem compromisso. O “amor livre” deu à mulher um poder semelhante ao conquistado pelo homem neolítico. O feminismo, a minissaia, a calça Saint-Tropez, o batom, o biquíni, tudo fazia parte de um novo comportamento. Nos anos 80, duas décadas depois, homens e mulheres já estavam em pé de igualdade quando a descoberta de um vírus desencadeou outra mudança no comportamento. “A Aids teve um efeito parecido com o surgimento da sífilis no fim do século 15. Tornou-se um fator importante na mudança dos hábitos sexuais no novo século”, diz Tannahill. “Mudou muita coisa, mas é um exagero achar que a Aids levou à retomada do amor romântico”, opina Morton Hunt. De qualquer forma, ainda que a Aids seja vista por muitos como uma praga moralista, nunca se falou de sexo tão abertamente como agora. “Em certo sentido, voltamos à Grécia Clássica”, analisa Hunt.

Amores possíveis

Cinco casosque contam ahistória do amor

O pecaminoso
Numa sexta-feira, sexto dia da criação do mundo, Deus criou Adão e Eva à sua imagem e semelhança. Cercados de pureza e inocência, eles passaram a viver no Jardim do Éden. A ordem era clara: não poderiam comer o fruto proibido da árvore do conhecimento. Ou seja, nada de sexo. Como não conseguiram cumprir a promessa, acabaram expulsos do Paraíso. E plantaram a semente do pecado. Por trás da irracionalidade da história está a expressão da moral e da culpa cristã que pairou sobre a relação entre homens e mulheres na Idade Média. Era um plano de Deus que eles vivessem para sempre no Éden em estado divino de pureza? Por que Adão comeu a maçã mesmo tendo sido orientado a não comê-la? Houve falha na criação? Ou a idéia era criar um mundo no qual existisse o mal? Se eles tiveram dois filhos – e se Caim matou Abel –, como a espécie se perpetuou? Todas estas questões devem ter tirado o sono de teólogos ao longo dos tempos. Em 1859, no entanto, Charles Darwin incluiu racionalidade e ciência na discussão ao afirmar que nunca houve o ato da criação. Assim que soube da novidade, a mulher do bispo de Worcester, na Inglaterra, John Pepys, teria dito: “Só espero que não seja verdade, mas se for, espero que ninguém fique sabendo”.

O reverencial

Era noite de banquete na casa do poeta grego Agatão. O filósofo Sócrates tomou banho, vestiu sua melhor túnica e calçou sandálias, o que não era seu costume. No caminho, cruzou com Aristodemo. O amigo estranhou a indumentária do compatriota, a quem Sócrates explicou animado: “Estou vestido assim para ir bonito à casa de um homem bonito”. Na festa, ele se encontrou com Fedro, Erixímaco, Pausânias e Aristófanes. Seu fã e amante, Alcebíades, apareceu tarde, já muito bêbado. Magnífico orador, político e guerreiro, ele era discípulo de Sócrates e nunca escondeu de ninguém a avassaladora paixão pelo professor. Ao entrar no recinto, viu Sócrates dividindo o divã com o anfitrião e disparou aos berros: “Estou vendo que você faria qualquer coisa para sentar-se ao lado do homem mais bonito da festa”. Irritado, o filósofo teria rebatido: “Meu amor por esse menino só me trouxe problema. O ciúme dele não me deixa sequer olhar para outro homem”. O diálogo foi relatado por Platão na obra Symposium. Alcebíades fez de tudo para conquistar o amor de Sócrates. Só que nem o jogo de sedução, nem os presentes e nem as escapadas furtivas para a cama do mestre fizeram o filósofo entregar o coração ao aprendiz.

O interesseiro

O caso de Cleópatra com Roma não chegou ao fim após o assassinato de Júlio César, em 44 a.C., com quem ela se casou para estreitar as relações entre o Egito e o grande império. Logo a rainha colocou outro mandatário romano em sua cama: o general Marco Antônio, braço direito do ditador. O romance, eternizado por William Shakespeare na peça Antônio e Cleópatra, rendeu três filhos. Quando o casal juntou as forças, Roma estava mergulhada na guerra civil e os candidatos a imperador buscavam no Egito um aliado. Marco Antônio, de olho no trono, aceitou as investidas de Cleópatra, que ofereceu ajuda financeira em troca de poder e apoio ao seu reinado. A aliança durou três anos. Com as legiões de Marco Antônio e a riqueza de Cleópatra o casal parecia invencível. Mas Marco Antônio, apesar da superioridade militar, foi derrotado na Batalha de Actium, na Grécia. Acuado no Egito, suicidou-se em 30 a.C. Cleópatra armou a própria morte, deixando-se picar por uma cobra. A morte da rainha é interpretada de maneiras diferentes. Os românticos vêem em seu suicídio o gesto de uma Julieta de Shakespeare. Os éticos enxergam a solidariedade de Eva Braun nos últimos dias de Adolph Hitler e do Reich.

O romântico

Pedro Abelardo nasceu na Bretanha, em 1079, filho de um aristocrata francês. Apaixonado pelo saber, só teve uma saída: o clero. Aos 20 anos já estudava retórica e latim em Paris. Rapidamente ganhou fama, abriu uma escola e conquistou alunos de toda a Europa. Abelardo era culto, eloqüente e charmoso. Aos 40 anos, no entanto, a vida do professor – e religioso – mudou de rumo. Motivo: o amor. Ele conheceu Heloísa, 23 anos mais jovem. A aventura amorosa acabou descoberta por um tio da moça, que passou a perseguir o casal. Um dia, tomado de fúria, ele castrou Abelardo. A notícia espalhou-se. Envergonhado, o professor retirou-se para a abadia de St. Denis e ordenou a Heloísa que se tornasse freira. O casal viveu separado por dez anos. Com o passar do tempo, porém, Abelardo retornou ao púlpito, tornando-se abade de St. Gildas de Rhuys, na Bretanha. Acabou ajudando Heloísa quando o convento onde ela vivia quase foi fechado. Assim, Abelardo e Heloísa retomaram a troca frenética de cartas, interrompida pouco antes da morte dele, em 1142. Heloísa morreu vinte anos depois e seu corpo foi colocado no túmulo do amante. Os dois repousam no cemitério de Père Lachaise, em Paris.

O explosivo

Esta música é dedicada a Courtney Love, a melhor foda do mundo”. Assim Kurt Cobain definiu sua história de amor, pela TV e ao vivo. A paixão do líder do Nirvana pela Madonna do grunge foi à primeira vista. Kurt achou Courtney a cara da mulher de Sid Vicious, do Sex Pistols. O casamento foi em 1992, no Havaí, no auge do Nirvana. Ele vestia pijama e ela trajava um estranho modelo retrô. A dupla tornou-se o casal mais explosivo do mundo pop. Courtney, extravagante, polêmica, habitué do mundo gay. Kurt, rebelde, drogado e atormentado por fantasmas pessoais. No meio do turbilhão, uma filha, Frances Cobain. O relacionamento foi sempre marcado pela passionalidade. Em 1994, aos 27 anos, Kurt declarou-se viciado em heroína e já havia tentado se matar duas vezes. Na terceira tentativa, trancou-se no quarto de sua casa e deu um tiro na boca. Para os fãs, Courtney virou a Yoko Ono do Nirvana. Discute-se até se ela matou o marido. Hoje, aos 40 anos, Courtney vive às turras com a Justiça. Foi condenada a três anos de prisão por atacar uma mulher, e a dezoito meses por posse de drogas. Está em liberdade condicional. Sua próxima aparição será numa produção hollywoodiana, na pele da atriz pornô Linda Lovelace.

Saiba mais
Livros
The Natural History of Love, Morton Hunt, Anchor, 1994 - Dividido em períodos históricos clássicos, esmiuça o amor desde o Egito Antigo até a descoberta do  vírus da Aids.
Fonte:  guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/amor-amar-434322.shtml?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_avhistoria&

Um comentário:

  1. Muito interessante o texto.Prefiro acreditar no amor romântico.
    Dalila

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