segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Conjuração Mineira: Inconfidentes desde sempre

Em Minas Gerais, como em todo o Brasil, elites locais promoveram motins quando se sentiram prejudicadas pelas autoridades

Luiz Carlos Villalta
Reunião política em Pernambuco em gravura francesa do século XIX. A capitania foi palco de um movimento controverso em 1801 e de uma dramática revolução em 1817.
Quatro movimentos de oposição ao poder constituído, todos ocorridos durante o período colonial, são hoje conhecidos pela mesma qualificação. Teriam sido “Inconfidências”, tanto a mais famosa, em Minas Gerais (1788-1789), quanto as posteriores, no Rio de Janeiro (1794), na Bahia (1793-1798) e em Pernambuco (1801). O termo em comum tem o significado de traição à Coroa. Mas ele encobre grandes diferenças entre cada uma dessas manifestações políticas.
Mesmo antes delas, desde o meado do século XVII, houve vários outros “motins”. E depois, já no início do século XIX, finalmente uma “Revolução”: a de Pernambuco, em 1817.
Independentemente do nome que as define, certo é que, num período de pouco mais de um século, a América portuguesa viveu uma série de inquietações, conspirações e transformações políticas. Muitas vezes com motivações parecidas. Outras, com muitas especificidades a diferenciá-las.
A Inconfidência Mineira foi uma conspiração abortada, protagonizada por membros das elites intelectual, política, social e econômica, quase todos brancos (a única exceção foi um mulato, sem importância no movimento). Com a intenção de reter em suas mãos as riquezas geradas na capitania, combatiam o monopólio da Coroa sobre o comércio e sobre a extração de diamantes, pediam o perdão de dívidas e defendiam a liberdade para estabelecer manufaturas. O que os inconfidentes queriam era participar do poder e de oportunidades de lucro, fossem elas lícitas ou ilícitas (o contrabando). Para isso, cogitaram diferentes soluções: implantar uma República (sua proposta predominante), ou que a família real (ou um de seus membros) viesse para o Brasil, ou que se fizesse alguma negociação com a Coroa portuguesa. Falavam na transferência da capital para São João del-Rei, na criação de uma Universidade em Vila Rica e na criação de milícias formadas pelos cidadãos, no lugar de um exército permanente. Sonhavam com apoios da França e dos Estados Unidos. Pensavam em alforriar mulatos e crioulos (escravos nascidos na colônia), mas houve oposição à ideia. A Restauração Portuguesa (1640) e a Independência dos Estados Unidos (1776) foram as fontes inspiradoras do movimento, além das ideias dos pensadores iluministas Raynal (1713-1796) e Montesquieu (1689-1755).
As teorias corporativas de poder da Segunda Escolástica, cujos expoentes foram os teólogos espanhóis Luís de Molina (1536-1600), Francisco Suarez (1548-1617) e Francisco de Vitória (1483-1546), formavam a base da cultura política na época, e assim também inspiraram a Inconfidência Mineira. Segundo elas, o poder vinha de Deus para a comunidade e desta, por meio de um pacto, passava para o soberano – que devia fazer o bem comum, respeitar os privilégios específicos de cada grupo e a religião católica. Caso um rei ou autoridade local se tornasse tirânico, desrespeitando as leis e os privilégios e ignorando o bem comum, poderia ser objeto de rebelião. Alguns teóricos defendiam até mesmo o regicídio. Esses princípios escolásticos embasaram o sermão do padre Antônio Vieira (1608-1697) apropriado por Tiradentes, e estavam implícitos na postura dos inconfidentes de se insurgirem contra o poder instituído na capitania – classificado como “tirânico” por Tomás Antônio Gonzaga, e como “despótico” por Tiradentes.
A “Inconfidência” do Rio de Janeiro, em 1794, não foi sequer uma conspiração. Resumiu-se a discussões e conversas sobre o momento político, social e religioso da época. Os supostos inconfidentes pertenciam a um espectro social mais amplo que o dos mineiros, mas ainda restrito à limitada camada dos homens livres: professores, artesãos, proprietários de terras e um médico. Seus sonhos envolviam a dessacralização do poder real e a rejeição ao absolutismo, aos privilégios da nobreza e à preeminência do clero. Inspirados pela Revolução Francesa e pelo pensamento de filósofos das Luzes, particularmente Jean-Jacques Rousseau, defenderam ideias de liberdade e igualdade, bem como a forma republicana de governo. Mas não cogitaram nenhuma ação concreta contra a monarquia portuguesa ou contra o domínio colonial. As teorias corporativas de poder lhes serviram de forma residual para sustentar uma ou outra argumentação.
Também na Bahia os ideais franceses ganharam adeptos, dos estratos superiores aos inferiores da sociedade, das elites locais aos homens forros e cativos, e particularmente entre militares e artesãos. Um ou mais projetos de revolução circularam entre 1793 e 1798, envolvendo a instalação de uma república na capitania, o fim do monopólio comercial e das desigualdades jurídicas entre brancos e homens de cor e, tudo indica, apoios de franceses em algum nível. Embora almejado por alguns, o fim da escravidão não fazia parte das propostas. A revolução foi abortada antes de se concretizar. O governador da capitania, D. Fernando Portugal e Castro, provavelmente alertou os membros das elites sobre os perigos que corriam com os devaneios revolucionários: repressão por parte da Coroa ou perda do controle sobre as pessoas mais humildes. Quando a repressão de fato veio, ele protegeu figuras de destaque da sociedade baiana.
Historiadores divergem sobre o que foi a chamada Inconfidência dos Suassunas, ocorrida em 1801, em Pernambuco. Alguns a consideram um ensaio de conspiração, liderado por dois aristocratas do Engenho Suassuna: Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque e seu irmão José Francisco, que de Lisboa lhe mandava cartas sediciosas. O objetivo seria formar em Pernambuco uma república sob a proteção de Napoleão. Para outros, não foi mais que uma inquietação política.
Todas essas inconfidências não tiveram em mira o Brasil como um todo, circunscrevendo-se a uma capitania. No caso mineiro, quando muito, pode-se conjecturar alguma articulação com pessoas do Rio de Janeiro e de São Paulo. É provável – mas não certo – que maçons tenham participado da Inconfidência Mineira (caso talvez de José Álvares Maciel, o filho) e no Rio de Janeiro, com certeza, houve uma associação inspirada em regras da maçonaria: na Sociedade Literária, em que vigoravam o segredo e a democracia durante sua breve reabertura em 1794. Na Bahia, houve uma organização propriamente maçônica, ou protomaçônica, chamada Cavaleiros da Luz.
A famosa Inconfidência de Minas Gerais não foi a primeira revolta naquelas terras. Desde a primeira metade do século XVIII houve naquela capitania motins por razões variadas, em torno de questões como tributação, abastecimento de alimentos e ações das autoridades. Enquanto alguns levantes buscavam apenas a restauração de um equilíbrio de poder, outros afrontaram a imposição da soberania régia. Foi o caso da sedição do sertão do rio São Francisco, ocorrida em 1736, e que se voltou contra as autoridades reais e a capitação – cobrança dos quintos reais (impostos) feita com base no número de escravos. Durante o reinado de D. José I (1750-1777), eclodiram inconfidências em locais isolados de Minas – Curvelo (1760-1763), Mariana (1769), Sabará (1775) e de novo Curvelo (1776) sempre em funçaão de atritos com autoridades e seus aliados. No interior das elites havia grupos rivais, chamados de “partidos”, que constituíam verdadeiras “redes clientelares”, isto é, pessoas ligadas entre si por interesses políticos, sociais e econômicos, numa cadeia de dependência mútua e com hierarquia que muitas vezes tinha seu vértice em Lisboa. Ao contrário da Inconfidência Mineira, esses motins anteriores implicavam manifestações concretas de violência, com a população na rua, arruaças, vivas à liberdade e referência a apoios de outras potências colonizadoras.
Pasquins foram utilizados nos motins locais, enquanto a Inconfidência Mineira, mais ampla por reunir homens de várias comarcas, teve como base a comunicação oral e textos impressos, juntando a discussão literária ao debate político. Os inconfidentes falaram explicitamente em República e em ruptura dos laços com a mãe-pátria. Nenhum motim ou inconfidência anterior fez este tipo de proposição, talvez sendo exceção o tentado em Pernambuco em 1710. No máximo afrontaram o rei, sem defender a separação da América ou de parte dela do resto do império português.
Movimentos com as mesmas características dos motins mineiros ocorreram ainda em outras partes do Brasil, e já aconteciam no século anterior. Exemplo disto é a Revolta da Cachaça [ver artigo de Bruna Milheiro Silva], ocorrida no Rio de Janeiro ainda em 1660. Ela foi motivada, sobretudo, pela cobrança de uma nova taxa sobre todos os moradores para a defesa da cidade e pela “tirania” do governador Salvador de Sá Correia e Benevides, evidenciada pela nomeação de parentes para altos postos da capitania e por sua aproximação da Companhia de Jesus contra a escravidão dos índios. Na madrugada de 8 de novembro daquele ano, proprietários de engenhos de açúcar no entorno da Baía de Guanabara atravessaram a baía e reuniram em torno de si uma multidão.Ocuparam a Câmara municipal, destituíram seus conselheiros, depuseram o governador da capitania, gritaram por liberdade, dispararam a tocar o sino da Câmara, dirigiram palavras de ódio às autoridades e saquearam casas de pessoas identificadas com o governo. Ao mesmo tempo, deram Vivas a Sua Majestade. Além disso, ofenderam e atacaram jesuítas e beneditinos. Desses tumultos emergiu um novo governo, que administrou a cidade por seis meses, fazendo-se eleições para a Câmara e promulgando-se uma espécie de Constituição.
Outra revolta anterior aos motins mineiros foi a ocorrida em Pernambuco, em 1710, quanto aristocratas quiseram depor o governador Castro e Caldas, “tirano, inimigo da nobreza e perseguidor do clero [...], francófilo e traidor”, e tinham a utopia de instaurar um regime republicano oligárquico, como havia em Veneza e na Holanda – antecipando, de certo modo, as aspirações da Inconfidência Mineira.
O mesmo cenário acolheria, um século depois, a contestação mais radical e ousada já vista no Brasil até então, a ponto de receber o nome de Revolução. Mas os episódios que inflamaram Pernambuco em 1817 vieram em contexto inteiramente diferente de todos os motins e inconfidências que os precederam. A transferência da Corte portuguesa e o Rio de Janeiro como capital do Império inaugurariam um novo período de revoltas, movidas por oposição a outras relações de poder.

Luiz Carlos Villaltaé professor da Universidade Federal de Minas Gerais e autor de 1789-1808: O Império Luso-Brasileiro e os Brasis (Companhia das Letras, 2000).

Contra o absolutismo fluminense

Nove anos após a chegada da Corte, em 1817,  em meio ao aumento de importância das lojas maçônicas, a Revolução Pernambucana exprimiu o descontentamento das capitanias do norte com o governo absoluto sediado no Rio de Janeiro. O movimento se expandiu por Alagoas (então comarca de Pernambuco), Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Ele anunciava o antagonismo entre brasileiros e portugueses. O Correio Braziliense, jornal publicado em Londres, afirmou que o movimento teria sido causado por “um rumor, que se levantou, sem o menor fundamento, de que havia entre os habitantes daquela cidade certa rivalidade e ódio dos Portugueses Europeus com os Portugueses Brasilianos”.
A Revolução se iniciou no dia 6 de março entre os militares, que conquistaram a população civil e conseguiram expulsar o governador da capitania, Caetano Pinto de Miranda Montenegro. A República foi apoiada por pessoas de diferentes níveis sociais: aristocratas, senhores de terras, grandes comerciantes “brasileiros”, clérigos, magistrados e oficiais militares, forros sem escravos e terras, pequenos proprietários de terras e, por fim, escravos.
O novo governo convocou uma Assembleia Constituinte, criou uma bandeira própria e adotou o termo “patriota” para designar os seus, aumentou os soldos dos oficiais e soldados, aboliu vários impostos e seguiu como princípios a liberdade de consciência, de imprensa e a tolerância religiosa (embora a católica fosse a oficial), além de conceder facilidades aos portugueses para se naturalizarem.
A República dentro do reino do Brasil durou 64 dias, caindo em 21 de maio.

Saiba mais - Bibliografia

ANASTASIA, Carla Maria Junho. Vassalos rebeldes. Violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.
JANCSÓ, István. Na Bahia, contra o império: história do ensaio de sedição de 1798. São Paulo: Hucitec: Salvador: UFBA, 1996.
MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa. Inconfidência Mineira. Brasil-Portugal. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos: nobres contra mascates. Pernambuco. 1666-1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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