terça-feira, 7 de julho de 2015

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  • Rádio e televisão protagonizaram a grande virada tecnológica do século passado, revolucionando a comunicação também no Brasil

    Marialva Carlos Barbosa
  • “Engenho e arte só comparável ao cinema”, anunciava a propaganda de revista, refletindo o entusiasmo provocado pelas novas tecnologias de comunicação que transformariam o século XX. A frase publicitária, publicada nos anos 1920, referia-se ao rádio – o que soa irônico para quem sabe que anos depois viria a televisão. Mas o rádio também foi uma revolução.
    Em 1922, a fabricante americana Westinghouse montou uma estação retransmissora no alto do Corcovado, no Rio de Janeiro, e outras em São Paulo, Juiz de Fora e Belo Horizonte. A primeira transmissão aconteceu durante a abertura da exposição comemorativa do centenário da Independência, em 7 de setembro, e a primeira emissora viria no ano seguinte, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. A atividade de radiodifusão foi logo regulamentada, e surgiram outras emissoras baseadas no modelo Rádio Clube: associados garantiam seu funcionamento contribuindo com uma quantia mensal.
    Se no início muitos interessados na nova tecnologia podiam montar eles mesmos seus aparelhos, com o tempo aumentou a sofisticação, permitindo outras possibilidades de escuta. Aos poucos, o rádio se transforma de hobby em negócio – e em poderosa arma política. De 1930 a 1937 foram fundadas 43 emissoras, sendo apenas duas estatais. Quando se instituiu a ditadura do Estado Novo (1937-1945), o governo enxergou a importância estratégica do rádio para a sua comunicação, assim como faziam, aliás, o nazismo e o fascismo na Europa. A criação do Programa Voz do Brasil, transmitido para todo o continente, foi uma das estratégias usadas por Getulio Vargas para falar diretamente ao público. A Rádio Nacional também transmitia seus discursos proferidos em cerimônias no Estádio São Januário, em datas comemorativas importantes para a ditadura. No ano de implantação do Estado Novo, havia no Brasil 62 estações em funcionamento; em 1945, quando o regime ditatorial de Getulio Vargas chegou ao fim, o número de emissoras chegava a 111.
    Diversas razões podem ser atribuídas à popularização do rádio: a percepção do seu valor comunicacional, a transformação tecnológica (modelos com alto-falantes permitindo a escuta coletiva), as mudanças na programação, como a inclusão de músicas populares – sambas, boleros e outros gêneros de preferência do público – a criação de programas humorísticos e de programas de calouros, a diminuição do preço dos receptores, a implantação de sistemas de crediário. O aparelho tornou-se obrigatório em toda e qualquer residência, articulando, pela primeira vez, o país inteiro numa grande teia de comunicação. Em 1948, o número de domicílios com rádio chegava a 91% no Rio de Janeiro e 88% em São Paulo.
    Era a chamada “Era de Ouro” do rádio: cantores tornavam-se “reis e rainhas da voz” em programas de auditório que reuniam milhares de pessoas. Nas rádios que possuíam auditórios, como a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, as filas dos ouvintes para ver os seus ídolos pessoalmente tomavam vários quarteirões, desde as primeiras horas da madrugada. Os programas populares, os humorísticos e as radionovelas levavam o mundo próximo e o mundo da fantasia para o público. ODiário de Notícias de 4 de julho de 1947 noticiava: “A gente do povo é, sobretudo, a que não apenas usa, mas abusa do rádio. Tem a mania de ouvi-lo de manhã à noite, seja o que for”.
    À medida que a década de 1950 vai chegando ao fim,o público cria novas relações com outro meio de comunicação que, além do som, espalha imagens. Telas em preto e branco, turvas, cheia de chuviscos, com imagem quase imperceptível e som repleto de interferências trarão para o mundo da comunicação uma nova mídia: a televisão.
    Um dia antes da inauguração da TV Tupi Difusora de São Paulo, em 1950, o anúncio das lojas Mappin veiculado no jornalFolha da Manhã, de 17 de setembro de 1950, convidava possíveis compradores a assistirem à novidade na loja, num “receptor GE, pungente reprodutor de imagem e do som”. O aparelho custava Cr$ 38.950, enquanto um rádio era vendido a Cr$ 3.950 – poucos podiam comprá-lo. Tanto a TV Tupi do Rio quanto a de São Paulo foram obra do empresário Assis Chateaubriand (1892-1968), proprietário dos Diários Associados. Foi ele quem encomendou os equipamentos à RCA, nos Estados Unidos, trazendo também os técnicos responsáveis pelas instalações.
    Em sua primeira década, atelevisão se caracterizou pelo improviso na programação,mas já começava a ser vista como veículo de publicidade. “Um anúncio no vídeo reúne as qualidades do anúncio em jornal e as qualidades do anúncio em rádio, com a vantagem da imagem, o que ameniza e torna simpática a mensagem”, dizia a revista Radiolândia, em 1954.
    Na mesma revista, também em 1954, a coluna “Televisolândia” informava que “os artistas vão se tornando ídolos de um público mais apaixonado”. O público podia, agora, reagir diante desses astros que tinham ganhado rostos. Crianças e senhoras desejavam abraçar os mais populares e, sobretudo, “admirá-los como criaturas irreais”. A televisão tornava presente para o público o retrato em preto e branco dos artistas e de personagens que se transformavam em ídolos do cotidiano.
    A década termina com mais de 400 mil aparelhos receptores. Em 1964, existiam 34 estações, cobrindo parte significativa do território nacional. Com o golpe militar e durante todo o período da ditadura, a televisão passa a ter papel estratégico na difusão da ideologia da segurança nacional, ao mesmo tempo em que se beneficia do regime para garantir sua expansão. É uma questão muito complexa, que não pode ser generalizada, mas é possível sugerir que tal estratégia dividiu os brasileiros entre desconfiados e apáticos. A ideologia da segurança nacional era a chave política do regime militar que precisava ser difundida em todo o território nacional. Houve muitas vozes discordantes e houve também muita repressão e perseguição política. Com repressão, aumentava o grupo dos apáticos.
    Se durante três décadas o rádio tivera a preferência do público, agora a televisão procurava influenciar os hábitos dos ouvintes gradualmente transformados em telespectadores. A principal emissora era a Rede Tupi de Televisão e seu principal programa, o Repórter Esso. Em 1969 o homem pousou na lua e este foi o primeiro acontecimento transmitido ao vivo pela televisão.
    A TV Globo, inaugurada em 1965, tentava conquistar o público veiculando programas populares, como os de Dercy Gonçalves e Raul Longras, que promovia o seu “casamento na TV”, tendo se tornado um santo Antonio casamenteiro da era eletrônica. A proximidade da Globo com os governos militares lhe permitia usufruir do desenvolvimento de um sistema de telecomunicações que passaria a cobrir boa parte do território nacional. Sua ligação aos interesses internacionais – fez um acordo com o grupo norte-americano Time-Life, que resultou na injeção de recursos para a implantação da emissora – também seria fundamental para o desenvolvimento da empresa. Em 1970, já havia aparelhos de televisão em 4 milhões de residências, atingindo, aproximadamente, 25 milhões de telespectadores. A popularização da TV foi impulsionada, inclusive, por uma evolução tecnológica – as imagens começam a ser propagadas por micro-ondas – o que torna possível exibir programas simultaneamente em uma rede de retransmissoras. A televisão vira, enfim, um meio de comunicação de massa.
    A Globo consolida sua liderança na audiência no final da década de 1970. Em 1987, com 12 mil funcionários, era a quarta maior rede privada do mundo, atrás apenas das norte-americanas CBS, NBC e ABC. Com suas 86 emissoras, alcançava 99% do território nacional.
    As décadas finais do século XX foram marcadas pelo impulso tecnológico que iria estimular a convergência de telecomunicações e informática, mudando os rumos dos meios de comunicação e inaugurando processos de transformação desses meios, reinventados pelas mídias digitais. Rádio e TV transformaram para sempre a paisagem sonora e visual das cidades brasileiras. Hoje cabem na palma da mão.

    Marialva Carlos Barbosa é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de História da comunicação no Brasil (Vozes, 2013).


    Saiba Mais - Bibliografia

    CALABRE, Lia. O rádio na sintonia do tempo. Rio de Janeiro: Casa Rui Barbosa, 2006.
    RIBEIRO, Ana Paula; SACRAMENTO, Igor & ROXO, Marco. História da Televisão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.

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